Adolescentes que cometeram atos infracionais em Goiás estão deixando de ser internados por falta de vagas. É o que demonstram dados da Secretaria de Desenvolvimento Social (Seds), órgão responsável pelo sistema socioeducativo, que a reportagem teve acesso via Lei de Acesso à Informação. Enquanto isso, a capacidade de vagas existentes é subutilizada por causa de problemas na estrutura física.

No ano passado, foram solicitadas 1.440 vagas para o cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado no Estado. No entanto, 704 foram negadas por falta de vagas no sistema. Já neste ano, até o dia 10 de dezembro, foram 1.010 solicitações e 361 negadas.

Somando os dois anos, é possível dizer que desde janeiro de 2018, deixaram de ser cumpridas 1.065 decisões judiciais que determinavam a internação de adolescentes que cometeram atos infracionais. Essa quantidade corresponde a 43% do total de solicitações.

Mesmo com esse cenário, vagas do sistema socioeducativo já construídas não são usadas. O Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Anápolis foi levantado por R$ 14,5 milhões para abrigar até 80 adolescentes, mas ele nunca teve toda a sua capacidade usada. Atualmente, a unidade aceita o número máximo de 55 internos.

A justificativa mais recente da Seds para essa subutilização é a de que uma parte do Case está com vazamento na laje e por isso não está em condições de receber adolescentes. Em reportagem de outubro, o mesmo órgão apresentou outra justificativa, a falta de servidores para a gestão de todas as vagas.

Já as unidades de Itumbiara e Porangatu só podem receber adolescentes infratores de seus próprios municípios. O tipo de gestão foi imposto pelos juizados da Infância e Juventude de suas respectivas comarcas.

Nas unidades de atendimento socioeducativo de Formosa e Luziânia, mais vagas interditadas. Só em Formosa são 15. Os motivos, segundo a titular da Seds, a ex-senadora Lúcia Vânia, é que alguns alojamentos foram destruídos em rebeliões. “Mas isso faz muito tempo. Foi isolada uma parte e isso ficou sem reforma ao longo do tempo”, explica. O início das reformas nas duas unidades é previsto para o próximo dia 23.

O maior centro de internação do Estado, o Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Goiânia, no Conjunto Vera Cruz II, também não está com toda a sua capacidade sendo usada. Na última segunda-feira (16), 20 vagas estavam ociosas.

Segundo um servidor da unidade ouvido pela reportagem, que prefere não se identificar, 6 alojamentos estão interditados porque estão sem condições para receber adolescentes. “Infiltrações estão por todo lado. Tenho medo da laje cair na cabeça dos servidores e internos. Se fôssemos interditar todas que tivesse algum problema, não sobraria nenhuma cela para utilizar”, alerta. A informação foi confirmada pelo Sindicato dos Servidores do Sistema Socioeducativo de Goiás (Sindsse-GO).

Lúcia Vânia nega que o Case de Goiânia esteja destruído, mas reconhece que algumas partes estão interditadas por conta de vazamentos. A situação teria piorado com as chuvas que têm caído na capital. Além disso, a unidade está passando por uma reforma de acessibilidade.

Contexto
A coordenadora do Núcleo de Defensorias Especializadas da Infância e Juventude da Defensoria Pública de Goiás, Bruna Xavier, que conhece de perto o sistema socioeducativo, avalia que a maior parte dos casos de negação de vagas são para determinações de internação provisória, que é quando ainda não há uma decisão judicial definitiva. “Nunca vi a vaga ser negada quando tem condenação”, conta.

Sem o adolescente preso, o seu processo pode demorar mais para ser julgado. Quando o adolescente está preso provisoriamente, seu processo deve ser julgado em até 45 dias, que é o prazo máximo, sem prorrogação, para que ele fique internado sem sentença.

O presidente do Sindicato dos Sindsse-GO, Roberto Conde, avalia que a falta de vagas no sistema acaba fazendo com que, mesmo em casos graves, o adolescente fique pouco tempo em meio fechado. “É raro o que passa de dois anos internado. A média são onze meses, porque não tem vaga.”

Novas obras devem desafogar o sistema
Seis centros de internação estão em construção em Goiás, sendo que três estão com as obras paradas e outros três, que possuem recurso federal, tiveram as obras retomadas em outubro deste ano. A unidade que está mais avançada é a de Itaberaí, que deve ser concluída até fevereiro do ano que vem. Os centros de atendimento socioeducativo de Porangatu e Itumbiara tiveram os prazos do convênio com o Governo Federal prorrogados para dezembro de 2020.

A obra de Rio Verde está com um problema em seu processo de licitação e as de São Luís de Montes Belos e Caldas Novas devem ser retomadas no ano que vem. Quando estiverem prontas, essas unidades devem aumentar a capacidade do sistema socioeducativo em 319 novas vagas. Quantidade que representa um aumento de 77% da capacidade atual (veja quadro).

Enquanto as unidades não ficam prontas, a nova titular da Secretaria de Desenvolvimento Social (Seds), a ex-senadora Lúcia Vânia, sugeriu transformar o Centro Estadual de Referência e Excelência em Dependência Química (Credeq), de Aparecida de Goiânia, em uma unidade de atendimento socioeducativo que vai receber adolescentes que cometeram atos infracionais menos graves. A medida é apoiada pelo Ministério Público e Judiciário, mas encontra resistência entre servidores do sistema, a prefeitura da cidade e empresários, que estão implantando um polo industrial na região.

No entanto, Lúcia Vânia destaca que a proposta está em fase de estudos. “Nada está fechado”, diz. Ela defende que antes de aumentar a estrutura física e contratar novos servidores, é necessário pensar um novo projeto pedagógico para o socioeducativo. A ideia é que ele deixe de ser um ambiente carcerário, como dos adultos, e que obedeça as normas do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que é o documento de 2012 que regulamenta o cumprimento de medidas socioeducativas previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A coordenadora do Núcleo de Defensorias Especializadas da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de Goiás, Bruna Xavier, participou de uma visita ao espaço físico do Credeq na semana passada para avaliar a possibilidade do uso da unidade para internação de adolescentes infratores.

“A ideia é inovadora, difícil de concretizar, mas que se conseguisse iria ser um passo muito bom para o socioeducativo. Se realmente mudar a proposta pedagógica, para que possam de fato ter profissionalização, aula regular, não só de vez em quando, um espaço menos prisional”, defende.

Bruna Xavier pontua que caso o projeto seja consolidado, será necessário mudanças na estrutura física do Credeq, já que ele é um espaço muito amplo e aberto. Ela sugeriu que o imóvel fosse dividido em espaços menores que comportem poucos adolescentes cada, permitindo uma maior facilidade de administração da unidade.

Já o presidente do Sindicato dos Servidores do Sistema Socioeducativo de Goiás (Sindsse-GO), Roberto Conde reconhece que a ideia é boa, mas pede cautela. Conforme reportagem do POPULAR do último dia 15, a Seds cogitou transferir 50 adolescentes com bom comportamento do Case Vera Cruz para o Credeq, o que ocorreria entre março e abril do ano que vem.

Conde admite que a maior parte dos adolescentes internados são de casos graves, que envolve homicídio e latrocínio. “Só interna os casos gravíssimos. O público que a secretária está visando não é internado”, pontua o sindicalista.

Além disso, ele reclama que os servidores não estão sendo ouvidos no processo de implantação do novo modelo de unidade de atendimento socioeducativo. A categoria pede por concurso há anos, mas a perspectiva atual não é de um novo certame a curto prazo, mas de remanejamentos dentro do órgão para preencher os quadros nos centros de internação.

Foto: Fábio Lima

Fonte: Jornal O Popular