Foto: Globo/Divulgação

Mario Leony é um dos personagens de Falas de Orgulho, especial da TV Globo que vai ao ar em 28, Dia Internacional do Orgulho LGBT, logo após Império. Delegado da Polícia Civil de Sergipe, Mario defende que é preciso ressignificar o papel da polícia no Brasil. “Temos de passar a limpo essa imagem truculenta que foi construída na ditadura militar. Os órgãos de segurança pública foram forjados no machismo institucional, no racismo estrutural e na LGBTfobia”, opina o delegado.

Mario atua como delegado em Aracaju (SE) há mais de 20 anos e durante muito tempo teve medo que a sua orientação sexual não fosse vista com bons olhos pelos seus companheiros. “Quando entrei, achava que a academia de polícia não podia saber que eu era gay. Eu precisava controlar meus gestos e me envolvia menos com os meus colegas. A homofobia nos aparta”, relembra ele, que só revelou publicamente a sua sexualidade em 2007, em um seminário que participou no Rio de Janeiro. “Foi libertador. Mudou a minha relação com o meu trabalho, com a minha família e até mesmo com a imprensa. Tudo mudou para melhor.”

Apenas três anos depois desse ato de coragem, em 2010, Mário usou a sua voz e o seu cargo para a luta contra a LGBTfobia: tornou-se cofundador da Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBTI, rede criada com o objetivo de combater o preconceito nos órgãos de segurança pública e garantir a liberdade de orientação sexual e de identidade de gênero. “Somos debruçados em protocolos e em recomendações para abordagens e revistas. Infelizmente, nem todos respeitam. É muito triste quando recebemos relatos de meninos trans da periferia que, quando começam a transição, passam a ter que conviver com hostilidades da polícia, que são seletivas e truculentas”, afirma o delegado.

Nascido em Salvador, Mario tem 46 anos e há 13 anos conheceu Sérgio Fernandes, seu marido. Os dois oficializaram a união em 2015 e hoje esperam a sua vez na fila de adoção. “Estamos grávidos! Há três anos fomos habilitados para adoção e estamos na expectativa”, conta ele, que também revela os desafios da paternidade que LGBTs precisam encarar. “Eu fico apreensivo com o fato dessa criança vir a sofrer com homofobia. Ainda temos muito pelo que lutar. Somos um dos países que mais mata LGBTs no mundo. Por outro lado, foi fundamental a comunidade LGBT ter despertado para a luta coletiva e as conquistas que tivemos devem ser celebradas”, finaliza.

Conte um pouco da sua infância e de quando passou a se entender LGBT.

Eu nasci em Salvador e por lá estudei em colégios religiosos, fui catequizado e fiz primeira comunhão. Eu era um menino muito franzino e andrógeno. Tenho a recordação de as pessoas apontarem pra mim e perguntarem “é menino ou menina?” e eu não tinha forças para reagir. Quando a sexualidade começou a aflorar em mim, dos 9 aos 10 anos, ela já era direcionada ao sexo masculino. E eu me sentia muito estranho, achava que não era normal. As relações homoafetivas não eram abertas e o único modelo possível era o heterossexista. Com a formação religiosa, me sentia um pecador. Eu tinha culpa e pedia a Deus para que isso parasse de acontecer.

E como a sua família encarou a sua sexualidade?

Meu pai era muito machista e muito boêmio. Eu tinha uma dificuldade muito grande de acessar esse universo dele. Não me sentia atraído pelos bares, pelas rinhas de galo e estádio de futebol. Sempre houve um abismo entre nós e ele já vislumbrava a minha orientação sexual, mas não aceitava. Já a minha mãe descobriu por conta de um “ato falho”. Nós tínhamos uma relação muito intensa e foi muito difícil quando me deparei com a reação dela. Eu estava na faculdade e esqueci o rascunho de uma carta que escrevi para o meu namorado da época da faculdade. Ela viu esse rascunho e ficou chocada, me disse um monte de desaforos. A minha sorte é que eu já tinha conversado sobre com a minha irmã, que conseguiu segurar a onda. Minha mãe chorou três dias.

Você é casado. Vocês têm vontade de ter filhos? Algum receio por ser LGBT?

Sim, estamos grávidos! Há três anos fomos habilitados para adoção e estamos nessa expectativa. Eu fico apreensivo com o fato dessa criança vir a sofrer com homofobia. A nossa comunidade ainda tem muito pelo que lutar. Somos um dos países que mais mata LGBTs no mundo. Por outro lado, acho que foi fundamental a comunidade LGBT ter despertado para a luta coletiva e as conquistas que tivemos devem ser celebradas. Eu e Serginho, por exemplo, nos conhecemos em 2007, mas foi só em 2011 que tivemos direito ao casamento – surreal. Esses direitos não caíram do céu, são frutos de muita luta e precisamos celebrar, sim. Mas nunca esquecer que temos muito a conquistar.

Quanto a sua profissão, chegou a ter medo de expor a sua sexualidade na corporação?

Quando entrei, achava que a academia de polícia não poderia saber que eu era gay. Eu precisava controlar meus gestos, me envolvia menos com os meus colegas. A homofobia nos aparta. O momento que foi um divisor de águas foi quando declarei publicamente a minha sexualidade em um seminário no Rio de Janeiro, em 2007. Em um cargo como o meu, essa declaração me trouxe algumas noites perdidas. Mas foi libertador. Mudou a minha relação com o meu trabalho, com a minha família e até mesmo com a imprensa. Tudo mudou para melhor. Hoje, milito em alguns coletivos e, desde 2010, tenho orgulho de ser cofundador da Renosp LGBTI.

E como você vê o papel da polícia contra a LGBTfobia?

Há várias formas de pensarmos no papel da polícia. O regimento da polícia de Minas, por exemplo, cita o nosso trabalho como “pedagogos da cidadania”. Na Renos, somos debruçados em protocolos e em recomendações para abordagens e revistas. Infelizmente, nem todos respeitam.

Fonte: Jornal O Popular