Todo mês, uma média de 230 pessoas monitoradas por tornozeleira eletrônica pelo sistema prisional em Goiás rompem o lacre do equipamento. Isso representa oito casos por dia ou um a cada três horas. Os dados são da Diretoria Geral de Administração Penitenciária (DGAP). Eles mostram que entre julho e novembro deste ano, 1.158 aparelhos foram abandonados por monitorados do regime aberto, semiaberto, provisório ou denunciados pela Lei Maria da Penha.

Esse foi o caso de Natanael Cardoso dos Santos, de 22 anos. Ele estava preso por homicídio e roubo na Unidade Prisional de Itumbiara até abril de 2017, quando progrediu para o regime semiaberto e passou a ser monitorado por tornozeleira eletrônica. No entanto, em junho deste ano, o jovem rompeu o lacre do equipamento, se livrou dele e passou a ser foragido.

Na última segunda-feira pela manhã, depois de ser preso, Natanael confessou ter matado, algumas horas antes, a vereadora Roseli Oliveira Rocha (DEM), a Roseli da Academia, de 55 anos, em Bom Jesus de Goiás, cerca de 60 km de Itumbiara. A principal linha de investigação é que ela foi vítima de latrocínio. Natanael e outros dois comparsas tentaram roubar seu Honda Civic.

Cinco equipes da Central Integrada de Monitoração Eletrônica, com três agentes penitenciários cada, são responsáveis por ir até o local em que a tornozeleira foi abandonada. O sistema da empresa terceirizada Spacecom acusa a localização do equipamento quando sua fibra óptica é rompida.

Quando isso acontece, servidores da DGAP tentam entrar em contato com o monitorado ou com familiares dele. Segundo o coordenador da Central de Monitoração, Rodrigo Helou, em alguns casos, o monitorado rompe o lacre do equipamento de forma acidental, devido a algum impacto sofrido durante o trabalho ou a prática de algum esporte, por exemplo. “Mas não é muito alto esse índice”, detalha.

Na maioria dos casos, o rompimento é proposital. De acordo com Helou, se flagrados pela equipe, apenados do semiaberto e do aberto são levados até suas unidades de origem, onde ficam presos e passam a responder por um procedimento administrativo. Já para pessoas que não foram julgadas, os provisórios, o rompimento é apenas comunicado ao Judiciário e os agentes não têm o poder de encarcerá-los.

O abandono da tornozeleira por Natanael foi comunicado à equipe de agentes penitenciários e ao Judiciário de Itumbiara, mas isso não foi o suficiente para que ele fosse recapturado. No dia 1º de novembro, 132 dias após ter violado o equipamento, o juiz José de Bessa Carvalho Filho expediu um mandado de prisão contra Natanael por conta disso.

Reportagem do POPULAR de julho deste ano mostrou que a punição para pessoas que descumprem as regras de uso do equipamento de vigilância são aplicadas com demora, após uma média de 30 dias.

Quando os agentes chegaram até o local que Natanael rompeu a fibra óptica encontraram apenas a tornozeleira sem o dono. Recuperar o equipamento é importante nesses casos, já que o contrato com a terceirizada Spacecom prevê ressarcimento em casos de aparelhos perdidos, se o custo do prejuízo passar de 10% do valor total do contrato, explica Helou.

Nem todas as vezes que a tornozeleira é abandonada a Polícia Militar (PM) é comunicada. Helou diz que isso acontece quando a natureza do crime é mais grave, representa risco, dependendo do horário. A PM também costuma ser avisada imediatamente em cidades que são mais distantes das equipes de fiscalização.

Questionado sobre a facilidade em se tornar foragido, Helou reconhece. “Nada impede que ele arranque o equipamento – pegue uma tesoura, uma faca e corte – mas vai arcar com as consequências. O risco dele ser abordado na rua é grande e voltar para o sistema prisional. A gente fiscaliza e informa o juiz”, defende. O fluxo de monitorados é alto, Helou conta que toda semana costuma instalar e desinstalar cerca de 50 equipamentos. A reportagem apurou entre servidores, que o rompimento do lacre por denunciados por agressão contra a mulher são prioridade para a equipe de verificação. (Colaborou Cristiane Lima).

Número de observados dobrou em 2017 após rebelião com mortos

A quantidade de pessoas monitoradas por tornozeleira eletrônica em Goiás mais que dobrou este ano e chega a um total de 4 mil atualmente. Um dos principais fatores que levou a isso foi a “substituição” do regime semiaberto pelo equipamento. A Colônia Agroindustrial de Regime Semiaberto foi praticamente desativada depois de uma rebelião no primeiro dia deste ano, que deixou nove detentos mortos de forma bárbara e 14 feridos.

O promotor Luciano Miranda, do Centro de Apoio Operacional (CAO) Criminal do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), defende que as tornozeleiras deveriam ser mais bem utilizadas, apenas em casos de presos provisórios acusados de crimes menos perigosos, com penas menores, como agressão. “Tornozeleira eletrônica, no meu modo de ver, é um adereço sem utilidade alguma, é gasto com o dinheiro público, uma maneira de tapear a população para não mostrar a falta de investimento do Estado na área do sistema prisional , que seria o caso a construção de unidades do regime semiaberto”, dispara.

Marcelo Celestino, também promotor do MP-GO, que acompanha o sistema prisional, pondera que a tornozeleira é uma medida excepcional. “Não é substitutiva de regime de cumprimento de pena. O Estado tem urgentemente que criar o presídio do Semiaberto. Estamos lutando para isso aqui.”

Celestino diz defender que o rompimento de tornozeleira seja motivo de regressão de regime. Ele também reconhece que existe uma dificuldade de recapturar imediatamente o monitorado que evade. “Ninguém rompe e fica esperando a polícia chegar. Geralmente quando rompe já é para fugir.”
As quatro mil tornozeleiras são contratadas da terceirizada Spacecom.

Fonte: O Popular