Depois de um ano e sete meses, o inquérito envolvendo as mortes de nove detentos na Colônia Agroindustrial de Regime Semiaberto, em Aparecida de Goiânia, foi concluído, segundo a Polícia Civil, mas sem as autorias de todos os homicídios determinadas. O delegado titular do Grupo de Investigação de Homicídios (GIH), Álvaro Melo Bueno, não quis especificar quais homicídios tiveram suas autorias definidas e nem quantos, segundo ele, porque o inquérito ainda é sigiloso e não foi encaminhado ao Judiciário.

No total, seis detentos foram indiciados, sendo três deles tidos como então lideranças das facções criminosas Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) na Colônia. Ao ser procurado pela reportagem, Bueno afirmou que o inquérito havia sido finalizado, mas disse que novas diligências poderão ser realizadas e outros presos poderão ser indiciados. Ele informou que aguardava a conclusão de um laudo, mas que agora irá encaminhar o inquérito já nesta semana mesmo sem o documento. O relatório final, conforme o delegado, foi elaborado no final do mês de julho, mas ele não quis especificar a data.

Álvaro Bueno afirma que a investigação foi muito complexo, porque foi necessário ouvir muitos presos, muitos servidores, pedir diversos laudos, para tentar chegar às autorias dos homicídios. Os seis presos foram indiciados por homicídio, tentativa de homicídio, tráfico de droga, destruição de cadáver e vilipêndio (tratar com desprezo) a cadáver. Bueno não especificou quantos foram indiciados por cada tipificação criminal, mas disse que um preso pode ter que responder por mais de um crime. O indiciamento por tráfico de droga é por conta do consumo de cocaína no dia da rebelião, fato identificado em vídeo feito pelos próprios presos.

Carbonizados

No dia 1º de janeiro do ano passado, uma rebelião na Colônia Agroindustrial terminou com nove detentos mortos, sendo dois deles decapitados e vários corpos carbonizados. Um vídeo de decapitação chegou a circular entre familiares dos detentos, que ficavam na área externa da unidade por horas aguardando notícias. O estado de alguns corpos dificultou o reconhecimento. José Brito Cordeiro, por exemplo, só foi identificado por exame de DNA expedido em 16 de maio do ano passado, mais de cinco meses após sua morte.

O delegado explica que, no decorrer do inquérito, houve dificuldades que atrasaram a investigação. Uma delas era coletar depoimento dos presos. Segundo ele, era necessário toda uma logística para ouvir detentos, tendo que agendar com antecedência com a gestão prisional para que eles fossem levados à delegacia. Bueno pontuou, no entanto, que o que mais dificultou foi o silêncio dos apenados, que se recusavam a contar o que haviam visto.

“É uma lei do silêncio que os presos levam a ferro e fogo. O presidiário se sente coagido pelas estruturas criminosas que existem. As facções criminosas coagem e obrigam os presos a manter silêncio”, disse. Como os próprios detentos eram as únicas testemunhas no local de crime, tornou-se difícil conseguir identificar os autores dos homicídios de cada uma das vítimas.

Dos autores identificados, o delegado afirma que possivelmente eles têm participação na morte de mais de um preso. Os dois apenados apontados como líderes do Comando Vermelho na unidade na época, na Ala B, Ivan Pereira, conhecido como Dogão, e Daniel Machado dos Reis, o Maresias, foram indiciados por tentativa de homicídio, por atirarem contra presos da Ala C – ligada ao PCC. Na época, 14 detentos ficaram feridos. Já Lucas Pereira França, o Planície, tido como liderança do PCC na unidade, foi indiciado por homicídio de uma das vítimas.

No segundo semestre do ano passado, em entrevista ao POPULAR, o então delegado titular da GIH, Klayter Camilo, já havia dito acreditar não ser possível individualizar 100% das mortes.

A reportagem apurou que Lucas Pereira França, o Planície, tido como o líder do PCC na Colônia na época, teria sido o mandante da invasão. Questionado se isso ficou comprovado no inquérito, o delegado Álvaro Bueno disse que foi possível identificar que Lucas estava bastante ativo na unidade, mas que não ficou comprovado que ele foi o responsável pela invasão.

No sistema do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), consta que o inquérito voltou à delegacia de origem (GIH) em 18 de outubro do ano passado, com previsão de retornar ao judiciário em até 60 dias. O prazo venceu em dezembro de 2018.

Provas foram destruídas, diz delegado

Titular da GIH, em Aparecida de Goiânia, o delegado Álvaro Melo Bueno afirmou que houve um grande despreparo em relação ao local do crime por parte das forças de segurança do Estado, que adentraram o presídio no momento da rebelião e não se preocuparam em preservar o cenário do crime. “Não quero falar se é Polícia Militar, agência prisional, mas ninguém preservou prova”, disse.

Segundo ele, a falta de preservação de provas de forma satisfatória foi um dos pontos que dificultou a investigação, que não conseguiu determinar a autoria dos nove homicídios. O delegado afirma que celulares recolhidos chegaram a ser destruídos, e nunca foi entregues à Polícia Civil (leia mais ao lado). Além disso, armas, aparelhos celulares e outros objetos foram recolhidos de maneira aleatória e encaminhados à delegacia. “Ninguém consegue me dizer onde conseguiu tal arma, em poder de quem estava a arma”, disse.

Conforme o delegado, por meio de entrevista com presos e servidores foi possível descobrir onde foram encontradas algumas armas. “Toda prova, toda arma, todo celular apreendido, tudo tem que ser totalmente catalogado. ‘Foi encontrado em tal lugar, na cela tal, na ala b’. Então, houve um total despreparo das forças policiais. Pela gravidade do fato também, acho que os que estiveram lá chegaram no ímpeto de contornar a situação e foi destruindo provas”, disse.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) de Goiás afirmou que todas as forças policiais realizam procedimento padrão em cenas de crimes, inclusive em unidades prisionais. “O treinamento, neste sentido, faz parte do curso de formação de cada corporação”, pontuou.

Câmera de segurança
O delegado Álvaro Bueno ressalta a importância de ter câmeras de monitoramento nas unidades prisionais, inclusive dentro das celas. “Isso é imprescindível futuramente para evitar a impunidade desse tipo de crime”, disse. Bueno afirma que dentro de um presídio isso se torna tão importante em virtude, principalmente, do medo de detentos delatarem outros presos. “Há muita dificuldade de ouvir preso por conta dessa opressão que sofre da facção”, disse.

Celulares e armas serviriam à investigação
Titular do Grupo de Investigação de Homicídios (GIH), em Aparecida de Goiânia, Álvaro Melo Bueno afirma que aparelhos celulares, assim como chuchos (arma branca artesanal), pedaços de ferro e faca, que poderiam ser importantes para a investigação dos nove homicídios e as tentativas de homicídio na Colônia Agroindustrial de Regime Semiaberto, foram destruídos e não chegaram a ser encaminhados à Polícia Civil. O fato ocorreu após a rebelião que houve na unidade no dia 1º de janeiro do ano passado, e os telefones seriam provas.

De acordo com o delegado, ficou documentado que a destruição foi feita por próprios servidores da unidade prisional. “Poderia ter sido feita uma perícia melhor nesses celulares. Fizemos perícia em alguns que mostram filmagens de presos antes da rebelião, durante e depois. Poderia ter sido muito melhor apurado se esses celulares tivessem sido realmente preservados”, disse. Conforme Bueno, antigamente havia um protocolo que determinava que apreensões nas unidades prisionais seriam destruídas. A reportagem não conseguiu confirmar questão. Questionada sobre o fato, a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) não respondeu.

Foto: Cláudio Reis/O Popular

Fonte: https://www.opopular.com.br/noticias/cidades/inqu%C3%A9rito-de-rebeli%C3%A3o-%C3%A9-conclu%C3%ADdo-sem-definir-autoria-de-todas-as-mortes-1.1856873