A Polícia Civil de Goiás investiga o núcleo financeiro da facção carioca Comando Vermelho (CV)no Estado. Três empresas de turismo e turno cambial, duas de prestação de serviço e uma de venda de veículos são suspeitas de ser utilizadas para lavar dinheiro do tráfico de drogas e de outras atividades criminosas. Na última quarta-feira foram cumpridos 9 mandados de prisão e 32 de busca e apreensão relacionados com esta apuração. As decisões sobre o caso tramitam na 6ª Vara Criminal.

De acordo com a investigação policial, as empresas de turismo de fachada Confiança, Master Business e Prime eram responsáveis por recolocar o dinheiro no tráfico na forma de dólar. A moeda americana é usada no mercado de drogas internacional, já que dá menos volume e circula em muitos países, explica o titular da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco), delegado Douglas Pedrosa.

Essas falsas agências de turismo eram credenciadas a empresas de câmbio lícitas. Quando o grupo criminoso precisava de dólar, informava que clientes precisavam comprar passagens para o exterior. No entanto, CPFs falsos, a maior parte de pessoas que já morreram, eram utilizados nessa operação para conseguir dinheiro americano.

Os suspeitos eram tão organizados, que possuíam uma tabela com datas das compras e os números dos CPFs. Cada numeração era utilizada para retirar no máximo 3 mil dólares de seis em seis meses. O valor máximo e o intervalo de tempo eram uma forma de tentar não deixar rastros, já que dentro desses limites não precisavam de um contrato de câmbio e nem registrar a compra no Sistema Integrado de Registro de Operações de Câmbio, do Banco Central.

Essas movimentações financeiras vêm sendo investigadas há 10 meses. Comprovantes de depósito apreendidos com grandes traficantes na Operação Espectro, também da Draco, em agosto deste ano, foram os primeiros indícios para essa segunda parte da investigação, que chegou até as empresas de fachada e seus donos.

“Durante algum tempo os valores eram movimentados e com isso o dinheiro sujo era afastado de sua origem ilícita. Depois parte do dinheiro era investida em dólares, em veículos de luxo e imóveis”, explica Pedrosa.

O agiota Paulo Henrique Mendanha, preso na quarta, é considerado o operador do esquema. Ele funcionaria como um gerente do “banco” da facção criminosa e receberia as ordens de movimentação financeira de Webert Amaral Dias, o Boi, sem antecedentes criminais, apontado como gerente financeiro do CV no Estado. Ele vivia em um condomínio de luxo em Goiânia e foi preso em agosto. Além das empresas, o dinheiro das drogas seria lavado na compra de carros de luxo e imóveis.

Também foram presos nesta quita-feira (20) os donos das empresas usadas no esquema. Onias Júnior é proprietário da Euro Motors, loja de carros que funciona na avenida T-2, em Goiânia, mas tem apenas um funcionário e quase não abre. Ela foi monitorada durante quatro meses e nesse tempo recebeu poucos clientes, segundo o delegado adjunto da Draco, Francisco Costa. A quantidade de carros disponíveis à venda era pequena e variava, chegando a ser só um em alguns momentos.

Já as outras empresas de prestação de serviço e turismo do casal Álvaro Pereira e Keila Mara funcionavam em salas comerciais de prédios da capital. Na porta de cada uma delas, uma placa com seus respectivos nomes, mas na realidade elas não funcionavam. Uma delas chegou a ficar mais de 30 dias sem receber ninguém.

Os outros cinco mandados de prisão da operação, batizada de Red Bank (banco vermelho em inglês), são contra traficantes já conhecidos, que já estão presos e passam agora a responder por lavagem de dinheiro. São eles Stephan de Souza Vieira, o BH, e André Luiz de Oliveira, ambos líderes do CV, Thiago Alves, conhecido como Kebec, que intermediaria compra de armas estrangeiras, e o irmão dele, Wellington.

Donos das empresas levavam vida de luxo

Os proprietários das empresas de fachada suspeitas de lavar dinheiro do tráfico de drogas e de outros crimes tinham uma vida de luxo em Goiânia, com viagens, carros de luxo, morando em condomínios fechados e cobertura. No cumprimento de mandados nesses endereços na última terça-feira (19) foram apreendidos 21 veículos de luxo, uma lancha, cerca R$ de 2 milhões em espécie e R$ 5 milhões em cheques (veja quadro). Uma parte do dinheiro estava guardada em sacolas plásticas utilizadas em supermercado.

Somando todas as contas bancárias usadas pela organização criminosa, foram movimentados em cinco anos mais de R$ 1 bilhão. Deste montante, a movimentação de cerca de R$ 730 milhões é considerada suspeita em relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Nas redes sociais, Keila Mara e seu namorado, Álvaro Pereira, posam para fotos em viagens internacionais e para o litoral brasileiro. No último réveillon, gastaram R$ 6,8 mil em uma única noite de balada na Praia dos Carneiros, em Pernambuco. Presos investigados também tinham o costume de pagar por passeios de Ferrari para Brasília.

Paulo Henrique Mendanha, conhecido como Paulinho Trama ou Paulinho Curva, apontado como o operador do esquema, vivia com carros de luxo, em coberturas e casas de condomínios de luxo. Para movimentar tanto dinheiro, além das empresas também eram utilizados laranjas. Um adolescente de 18 anos, que declarava renda de 800 reais por mês, tinha R$ 3 milhões em veículos, por exemplo.

Os investigadores também pediram o sequestro judicial de três casas de condomínio fechado e duas coberturas, que valem no total R$ 10 milhões. A propriedade mais cara, uma residência na capital, vale mais de R$ 3 milhões.

O dinheiro lavado através dessas empresas vem do tráfico de drogas e de atividades criminosas do Comando Vermelho em Goiás. Mesma organização que foi apontada como responsável por mais de 80 homicídios na Região Metropolitana de Goiânia (RMG), investigados pela Operação Descarrilamento, da Delegacia de Investigação Homicídios. Mesmo com a prisão de lideranças desse grupo criminoso em operações anteriores, o núcleo financeiro da facção continuava operando. A reportagem não localizou a defesa dos quatro presos até o fechamento desta edição.

Fonte: O Popular