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Um governo, duas visões - 04/02/2008

Jornal O Popular – Coluna da Cileide Alves – Dia 04/02/2008

Os deputados federais Roberto Balestra (PP), secretário extraordinário do governo, e Carlos Alberto Leréia (não por acaso do PSDB), expuseram na semana passada, mesmo que de forma involuntária, duas visões do mesmo governo. A polêmica entre os dois, pela coluna Giro, começou com uma crítica de Leréia, publicada na quarta-feira: “A nossa base, principalmente no interior, está mais perdida do que cego em tiroteio por falta de definição do governo, de um rumo para o Estado. O maior problema nem é perder as eleições, mas perder o discurso político.”

A reação de Balestra, inesperada para quem acha fraternal o clima entre tucanos e governistas e que o resto não passa de mera intriga, veio na seqüência: “Está equivocada sua posição (a de Leréia) sobre a gestão do governador Alcides. Este governo não é de forçar alianças ou candidaturas, respeita todos os partidos da base aliada. Trabalhamos para chegar a um consenso nos municípios, com o objetivo de manter a unidade da base tanto quanto for possível. Temos até junho para dialogar e chegar à definição política em cada cidade”, disse.

E encerrou com uma provocação: “O governo Alcides goza de credibilidade porque só fala a verdade para o povo, só autoriza obras necessárias que tenham recursos em caixa para serem tocadas e concluídas. Faz tudo de forma transparente e com muita responsabilidade, a marca desta gestão. A população fica sabendo tudo, de forma antecipada, sobre o que acontece no Estado”.

Na tréplica, na sexta-feira, Leréia devolveu a provocação: “Ele (Balestra) nem sabia do teor da reforma administrativa. Como, então, o povo sabe antecipadamente o que ocorre no Estado?” Segundo Leréia, os deputados não sabem o que responder quando questionados em suas bases eleitorais sobre os rumos do governo.

Balestra e Leréia falam coisas opostas, mas ambos têm lá suas razões. O secretário extraordinário diz aquilo que o governo consegue enxergar de si próprio; o deputado tucano fala sobre como o governo é visto. E nem sempre os dois enxergam a mesma coisa.

O slogan Desenvolvimento com Responsabilidade, que assina as peças publicitárias do governo Alcides, surgiu de uma idéia já concebida muito antes da posse e que está na base das declarações de Balestra. O grupo político central do governo gosta de destacar como qualidades principais de Alcides a responsabilidade nas decisões administrativas: não gastar mais do que arrecada; não autorizar obras que não terá condições de concluir; respeitar as diferenças políticas entre os partidos da base, etc.

Fazer um governo responsável exige coragem para tomar decisões difíceis; exige prudência para não errar e, se errar, humildade para corrigir o erro; exige flexibilidade para dizer não ou sim, dependendo de cada situação. Exige, acima de tudo, paciência e persistência para resistir às pressões e manter-se firme no caminho traçado.

É assim que o governo se enxerga ao se olhar no espelho. A reforma administrativa é um ato de coragem, porque enxugará uma estrutura paquidérmica e reduzirá custos. Mas não basta ser um ato de coragem, precisa ser justa. O processo de implantação da reforma não é lento. É feito na velocidade necessária para evitar erros.

A formação da equipe de governo, ainda pela metade passados um ano e um mês da posse, acontece no ritmo que não cria atritos com os membros da base aliada. Por isso o governo toca-a em banho-maria. Não por omissão ou por falta de coragem de decidir, mas por respeito aos companheiros de infortúnio, que ajudaram na dura labuta que possibilitou a vitória do governador.

Quem não olha do mesmo lugar de onde Balestra se encontra (este lugar ocupado pelo governo) não enxergará a mesma coisa. Se o campo de visão muda, a paisagem também será outra. É o que acontece com Leréia. E ele não é a única pessoa que se encontra em lugar diferente, mas apenas um exemplo. De onde ele olha, a visão é de uma base perdida, porque o Estado está sem rumo administrativo e político; e, pior das visões, de um governo que começa a perder o discurso político. A situação encontra-se assim porque ninguém sabe antecipadamente o que o governo quer e onde ele quer chegar.

A prudência para implantar a reforma, aqui, é vista como falta de coragem para assumir os riscos de uma decisão. A paciência fica com cara de lentidão. A indefinição na formação da equipe vira sinônimo de governo paralisado: quem não sabe se continuará no cargo não tem disposição para propor projetos de governo, pois quem nada faz não corre o risco de errar.

Na semana passada o governo voltou a falar em construir uma agenda positiva. A intenção é retomar investimentos a partir de fevereiro, o que incluiria a volta de programas sociais, a concessão de novos benefícios, a retomada dos investimentos do Programa Asfalto Novo, voltado à pavimentação de ruas nos municípios do interior, e inauguração de obras, conforme o próprio governador confirmou, terça-feira, ao POPULAR.

Isso lembra maio do ano passado. Depois de conseguir, finalmente, atualizar o pagamento dos salários dos servidores, o governo animou-se em criar uma agenda positiva, com lançamento de obras, em especial de asfaltamento, para interromper a sucessão de más notícias. Quase um ano depois novamente a idéia volta à tona e corre o mesmo risco de não sair da intenção, como aconteceu anteriormente, pelos mesmos motivos.

Hoje, como há um ano, o governo ainda se vê envolvido com as mesmas questões: não produz resultados a tarefa de reduzir o déficit público para fazer caixa, a única forma de garantir os investimentos para a tal agenda positiva.

Se o déficit é de quase R$ 100 milhões ao mês, é possível afirmar sem medo de errar que o governo terminou 2007 gastando R$ 1,2 bilhão a mais do que arrecadou. Significa que desde 8 de novembro, quando foi anunciada a reforma que estancaria esse déficit, o Estado já sangrou em R$ 300 milhões. E nem esses números aceleram o governo. A reforma não sai do papel. Sem ela, como pagar benefícios sociais, construir asfalto nos municípios?

Quem, como Balestra, enxerga os fatos de dentro do governo pode até ter as respostas prontas, mas quem está do lado de fora tem as mesmas dúvidas de Leréia.