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Tempo novo. Tem base? - 13/02/2008

Jornal Opção – Manchete - De: 10 a 16 de fevereiro 2008

 

AFONSO LOPES

 

Na célebre e histórica campanha eleitoral de 1998, uma música insistia tanto que uma palavra composta acabou pegando: "O tempo novo pede licença pra chegar". E chegou. Coligação vitoriosa contra o então imbatível PMDB, o governo nasceu já com a palavra Tempo Novo incorporada ao nome da aliança governista, a chamada base aliada. De lá pra cá, e especialmente durante o tempo em que o hoje senador Marconi Perillo era o inquilino-mor da Praça Cívica, Tempo Novo sempre significou sinônimo do governo estadual e das suas forças de sustentação. Em 2002, por exemplo, com a base pra lá de unida, a coligação se intitulava "Certeza de um Tempo Novo". Mas, e agora, como estão as coisas?

 

Muitos entendem que o chamado Tempo Novo jamais existiu. Foi apenas uma excelente sacada de marketing político-eleitoral que, massificada, imperou durante anos. Outros acreditam que o tal Tempo Novo morreu em outubro de 2006, quando Marconi Perillo inaugurou o clube dos políticos de Goiás com mais de 2 milhões de votos em uma única eleição e, principalmente, quando Alcides Rodrigues tornou-se governador.

 

A chegada de Alcides e da troupe pepista ao Palácio das Esmeraldas, ainda que sob a base tucana de conquista do poder, significou realmente o destoamento do tal Tempo Novo. A palavra, sempre tratada a pão-de-ló pelos marconistas, de repente parece ter perdido o encantamento. Transformou-se em peça de marketing. Morreu.

 

Até mesmo tucanos de inúmeras plumagens já não se entusiasmam tanto assim quando falam em Tempo Novo. Apenas os marconistas procuram preservar a inspiração. A base aliada como um todo simplesmente ignora o temponovismo, que se não foi, evidentemente, uma revolução política, não deixou de ser um movimento de tomada do poder das mãos do PMDB, que já imperava havia 16 anos em Goiás. O Tempo Novo foi substituída, enquanto denominação de um grupo político, por uma composição muito mais simples e direta: base aliada.

 

Tem base?

 

O que fica claro diante dessa mudança é que Tempo Novo só existiu com o PSDB de Marconi Perillo. Com o PP, que procura construir uma nova base de poder, o tal Tempo Novo atrapalha. Essa é a razão de tantas e tantas crises entre os governistas. Uns querem enterrar de vez a origem do movimento que levou o atual grupo ao poder. Os outros, fazem o possível para manter acesa a chama. Os bombeiros da crise, sem água, usam gasolina.

 

O grande problema nisso tudo é que o PP chegou ao poder sem ter antes construído alicerce próprio. Se fosse uma construção, esse poder pepista seria apenas o telhado. Todo o resto passou pelos pedreiros tucanos. Como não teve que fazer a base, o PP tenta agora modificá-la.

 

O que está em jogo não parece ser uma orquestrada estratégia de implosão da base do PSDB pelas mãos do PP. O governador Alcides Rodrigues, embora fique descontente com algumas estocadas tucanas, não tem agido nesse sentido. Ele, ao contrário, tem preservado muito espaço dentro do governo para os tucanos. Aliás, metade de seu secretariado e demais cargos de primeiro escalão é composta pelos aliados do PSDB. A única crítica que se tem feito é que esses cargos e secretários são uma espécie de "segundo escalão".

 

A reclamação não faz muito sentido. É natural que o governador indique pessoas mais próximas para cargos de maior relevância. E isso ele fez com raro senso de oportunidade, procurando não ferir de morte a relação com o PSDB. Ao invés de mandar para casa secretários profundamente e umbilicalmente identificados com o ninho tucano, como nos casos de José Carlos Siqueira e Fernando Cunha, Alcides tirou-lhes boa parte do poder político e reforçou aliados mais pessoalmente identificados com ele próprio, como Jorcelino Braga e Roberto Balestra. Se quisesse realmente sufocar o PSDB, teria tirado ambos e mais uma meia dúzia de tucanos de bom coturno, preservando apenas um ou outro marconista de carreira para que a mudança não se transformasse em declaração de guerra.

 

Ao contrário de Marconi, que em 1999 precisou construir uma governabilidade imediata e, para isso, teve que agir como predador faminto, Alcides recebeu um governo majoritário e faz apenas o suficiente para mudar um pouquinho só o enorme bico tucano da base atual. É por essa razão que ele abriu francamente as portas do Palácio das Esmeraldas para o DEM do deputado federal Ronaldo Caiado, que durante a campanha teve no senador Demóstenes Torres seu mais duro crítico. E, como não teve que cooptar nada fora de seus próprios domínios, seu governo deixou o PMDB e demais partidos adversários, todos eles pequenos o suficiente para não causarem maiores incômodos, viverem em paz.

 

Em 1999, foi muito diferente. Com o Palácio nas mãos, mas minoritário nos legislativos e nos palácios municipais, Marconi arrancou dos peemedebistas boa parte do seu poder. Foi isso que consolidou o que hoje é chamada de base aliada. Nas análises atuais, o cenário de 1999 é muito pouco lembrado. Marconi começou seu governo com minoria esmagadora na Assembléia Legislativa, na Câmara dos Deputados e sem nenhum dos três senadores de Goiás. Alcides, ao contrário, começou 2007 com folgada maioria na Assembléia - não houve uma só cooptação -, na Câmara dos Deputados e com dois dos três senadores. Sem falar na imensa maioria de prefeitos e vereadores espalhados por todo o Estado. A diferença é que, ao construir uma base inexistente, Marconi deu-lhe o seu perfil pessoal. O que está em jogo atualmente é a mudança desse rosto. A operação plástica, evidentemente, causa dores e insatisfações.

 

Qualquer tucano hoje em dia costuma dizer, ao se referir à permanente crise, que o objetivo do PP é desconstruir a boa imagem de Marconi por causa das eleições de 2010. Pode até ser que alguma cassandra maluquete realmente tenha isso em mente, mas é uma bobagem. A base que aí está, embora em frangalhos após tantos rounds de pancadaria interna, é aquela que depende de Marconi Perillo para se manter no poder estadual na sucessão de Alcides Rodrigues. Isso significa que o PP poderá até procurar novos amigos em 2010, mas fatalmente a base do poder, que não é sua, permanecerá onde sempre esteve.

 

A história é outra

 

Existe uma outra leitura do quadro de conflitos. O que todos os aliados de Marconi desejam não é a sua destruição, mas que ele perca um pouco do muito poder que conseguiu reunir em sete anos e três meses de governo. Do tamanho que saiu das urnas, com mais de 2 milhões de voto, uma eventual candidatura sua em 2010 seria apresentada dentro da base como trator de derrubada de floresta, que passa por cima de tudo. Então, tirando a esteira do trator, Marconi ficaria menor, e teria que sentar-se à mesa de negociações com seus aliados muito mais aberto às concessões.

 

Dentro desse quadro, não incomoda o PP e demais aliados não-tucanos um crescimento moderado do PMDB de Iris Rezende. Assim, Iris pode se reeleger em Goiânia, Maguito Vilela pode ganhar Aparecida de Goiânia, inclusive com o apoio explícito do PP, e Jataí pode retornar às mãos de um peemedebista. Nada disso interfere nos planos gerenciais da política pepista de chegar em 2010 sem uma hegemônica e avassaladora presença de Marconi.

 

Há uma versão na praça política estadual de que o PSDB vai partir para a guerra declarada contra o governo logo após as eleições deste ano. É uma tese, apenas. É muito difícil encontrar qualquer vantagem tucana numa atitude como essa. Perder contato definitivo com a máquina do poder estadual não seria nada recomendável dois anos antes da eleição de 2010. Principalmente porque, sem o PSDB, Alcides, aí de maneira peremptória, terá que fazer uma nova base. Provavelmente, com o PMDB, DEM, PR e o PP moldando uma face nova, anti-Marconi.

 

Isso já ocorreu antes em Goiás. Em 1990, o PMDB irista rompeu com o governo santillista. O governador Henrique Santillo, então, teve que refazer sua base de sustentabilidade. Não conseguiu sucesso total, mas chegou muito perto. Nas eleições, Iris teve que enfrentar todo mundo que não era irista. Ganhou de todos eles. Será que Marconi conseguiria a mesma coisa em 2010? Se a eleição fosse agora, muito provavelmente, Marconi derrotaria todos. Para 2010, em quadro de isolamento total do PSDB, não há qualquer possibilidade de apontar diagnóstico. Não agora