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Uma relação tumultuada - 18/02/2008

Jornal O Popular – Coluna da Cileide Alves – Dia 18/02/2008

O desentendimento entre os senadores tucanos Lúcia Vânia e Marconi Perillo na Comissão Mista do Orçamento do Congresso Nacional, quarta-feira, vai muito além de uma mera divergência sobre a destinação de recursos para emendas parlamentares no cobiçado Orçamento da União. Tecnicamente, a discussão teve origem na recusa da senadora, uma das sub-relatoras do Orçamento, de atender às emendas de Marconi à área de turismo. A raiz, no entanto, passa longe da divergência sobre a condução de matérias legislativas.

Lúcia Vânia abriu espaço na política goiana como nenhuma outra mulher. Ela iniciou sua carreira como tantas outras, ligada ao sobrenome do marido, mas, diferentemente da maioria delas, sobreviveu além do espaço conquistado pelo político da família. Lúcia construiu seu próprio lugar. Disputou todos os cargos que quis: deputado federal, governador (1994), prefeito de Goiânia (2000) e senador (2002). Ela conseguiu entrar num seleto grupo, o do poder político, já naturalmente reduzidíssimo e, por isso mesmo, muito disputado.

Os conflitos naturais da luta pelo poder ganharam, para ela, um complicador, pois a política é um meio predominantemente masculino. Se alguém duvida da presença deste ingrediente nesta atividade, basta ver a provocação do deputado federal Carlos Alberto Leréia (PSDB) na reunião da Comissão de Orçamento. Na ânsia de defender Marconi, Leréia provocou: “A senhora é a senadora mais bonita de Goiás”. Uma ironia incabível, que com certeza o deputado não faria mesmo se estivesse polemizando com o único senador homem do Estado.

Lúcia Vânia forjou-se politicamente nesse tipo de enfrentamento e isso sempre foi uma marca de sua carreira. Ela concorreu aos cargos, mesmo quando a cúpula de seu partido preferia outro candidato. Como em 2002, quando venceu Henrique Meirelles na disputa pela vaga de candidato a senador pelo PSDB. Detalhe: a candidatura fora prometida a Meirelles por ninguém menos que dois pesos-pesado, o então presidente Fernando Henrique Cardoso e o governador Marconi.

O desentendimento da semana passada não foi o primeiro. Em junho os dois brigaram, literalmente, na liderança do PSDB no Senado. O senador é inquestionavelmente a principal liderança do PSDB goiano. É até mais: o partido foi montado à sua imagem e semelhança. Não é diferente com as bancadas federal e estadual tucanas, fiéis a Marconi, à exceção de Lúcia Vânia. Ela tem dito que é “senadora de Goiás e não a senadora de Marconi”. “Quero ser independente sem ser arrogante”, discursou ela, sábado, no encontro do partido em Goiatuba para um público formado por lideranças municipais dos partidos da base aliada, seus colegas parlamentares e o próprio Marconi.

Neste encontro, Lúcia se esforçou para quebrar o gelo. Deu seu recado, mas ressaltou a liderança de Marconi “a maior de nosso Estado”. O senador retribuiu: “É preciso respeitar a independência das idéias, que Lúcia exerce com altivez”. Apesar disso, o clima tenso do encontro refletia as dificuldades da senadora com seu partido. Não só Leréia saiu em seu encalço na semana passada. Também o presidente regional do PSDB, o deputado federal Leonardo Vilela, ameaçou tomar seu mandato na Justiça caso ela deixasse o partido.

Por trás dessa briga por independência política, há também uma luta pela vaga de candidato a senador tucano em 2010. Lúcia quer disputar a reeleição, precisa do PSDB e não tem como correr para outra legenda, agora que o STF decidiu que perderá o mandato o parlamentar que mudar de partido. Se depender dos tucanos de Goiás, Lúcia estará fora. Além de tirar o cargo de uma liderança “independente”, Marconi ainda teria a vaga a sua disposição para negociar com outros partidos e pré-candidatos a senador a chapa majoritária para 2010, quando pretende disputar o governo pela terceira vez.

Se em Goiás o tempo fechou para Lúcia entre os tucanos, o mesmo não ocorre nacionalmente. A senadora tem bom trânsito com os dirigentes nacionais, em especial com o presidente do PSDB, o senador Sérgio Guerra (PE), e seus colegas Arthur Virgílio e Tasso Jereissati, além do prefeito de São Paulo, José Serra. Dificilmente a direção nacional deixaria o partido negar-lhe espaço para disputar a reeleição. Lúcia também tem se mantido fiel ao governador Alcides Rodrigues (PP), cujo governo não tem sido poupado pelas críticas dos marconistas. No encontro de sábado, ela foi a única tucana a defender Alcides.

Paralelamente, Lúcia não se descuida do trabalho em suas bases eleitorais, tanto com os prefeitos como com o eleitorado. Ela sabe que, como das outras vezes em que foi a candidata contra a vontade da cúpula, precisará liderar as pesquisas eleitorais para garantir-se na campanha pela reeleição. Respaldada pela direção nacional, aliada do governador, e trabalhando as bases eleitorais, a senadora vai se sustentando na corda bamba que a liga ao partido em Goiás. Assim continuará a convivência com seu colega Marconi e o restante dos tucanos goianos: “com altos e baixos”, para usar as palavras do próprio Marconi em Goiatuba. Mas diferentemente do que disse o senador, com mais baixos do que altos.

Outra frase

O governador Alcides Rodrigues citou uma frase do filósofo Cícero sobre amizade e lealdade em seu discurso na abertura da Assembléia Legislativa, sexta-feira. Já que está aberto a reflexões, segue uma frase do sociólogo alemão Max Weber que pode lhe ser muito útil nesses momentos em que, ainda, está formando seu governo: “ (...) toda pessoa que queira romper uma dominação deve criar um quadro administrativo próprio (destaque do autor) para possibilitar a própria dominação, a não ser que possa contar com a conivência e a cooperação do quadro existente contra o senhor precedente”.