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Usurpação da função pública praticada por PMs - 20/02/2008

PROCESSO nº. 27035603

INTERESSADA: 22ª Delegacia de Polícia de Goiânia

ASSUNTO: usurpação de função pública

PARECER nº. 239/2005.



Trata-se, nestes autos, da possibilidade, em tese, de fazer subsumir a conduta de policial militar que, extrapolando-se ou desviando-se de suas atribuições, envereda-se por investigação criminal, imiscuindo-se, por conseqüência, em seara pública que lhe é alheia.

Posto, sucintamente, o assunto, vou à análise.

O crime de usurpação de função pública está definido no art. 328 do Código Penal, nestes termos, verbis:

Art. 328. Usurpar o exercício de função pública:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Se do fato o agente aufere vantagem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Usurpar, na expressão de Guilherme de Souza Nucci, em sua obra Código Penal Comentado, 4ª Edição, 2003, Editora Revista dos Tribunais, pág. 885, "... significa alcançar sem direito ou com fraude...", no caso, alcançar a função pública, objeto de proteção do Estado. Ensina, ainda, que o sujeito ativo desse delito pode ser qualquer pessoa, inclusive o servidor público, "... quando atue completamente fora da sua área de atribuições...".

Do mesmo modo, ensina Julio Fabbrini Mirabete, em sua obra Código Penal Interpretado, 2000, Editora Atlas, pág. 1754, que o "... sujeito ativo do crime é aquele que usurpa função pública, em regra o particular, mas nada impede que um funcionário público o faça, exercendo função que não lhe compete...".

Não discorda também desse entendimento Rui Stoco, em sua obra Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, 7ª Edição, 2001, Editora Revista dos Tribunais, Volume 2, pág. 3936, que leciona que ao particular "... se equipara quem, embora seja funcionário público, não está investido na função de que se trate...". Cita, na referida obra, inclusive, lição de Magalhães Noronha que observa que

"... os delitos que integram o Capítulo II do Código Penal podem também ser praticados por funcionário público que, então, não age como tal; não atua no desempenho de suas funções, e é, por isso, considerado particular (Direito Penal, Saraiva 20ª ed., 1995, v. 4, p. 292)...".

A jurisprudência é farta nesse sentido, embora haja decisões contrárias a esse entendimento, afirmando-se que não pode ser sujeito ativo o funcionário público por tratar o art. 328 do Código Penal de crime praticado por particular contra a administração pública. Transcrevo, para ilustrar, alguns excertos da majoritária jurisprudência pátria, verbis:

TJSP: "Usurpação de função pública. Configura do delito, bem como o de constrangimento ilegal. Carcereiro que, intitulando-se agente da Polícia, manu militari e mediante violência à vitima, procura apurar alcance de que era ela acusada pela empregadora. Função que, entretanto, não lhe competia. Condenação mantida. Inteligência dos arts. 328 e 146 do CP" (RT 533/316)

TACRSP: "O crime de usurpação de função pública não é de natureza funcional, desde que, na previsão do art. 328 do CP, praticado por particular contra a Administração. Mas pode ser cometido por funcionário público – ou assemelhado – que atue dolosamente além dos limites de sua função, comprometendo, assim, o prestígio e o decoro do serviço público." (RT 637/276).

TJSP: "Inexiste impossibilidade de quem já é funcionário usurpar função pública que não lhe é atribuída, que não lhe compete, incidindo assim no art. 328 do Código Penal." (RT 402/56).

TJSP: "Diz-se, com acerto, que o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa penalmente imputável, inclusive quem exerça determinada função pública, quando usurpe o exercício de outra da natureza diversa." (RT 533/317).

Para fechar, vale transcrever excerto de decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, em que diz muito bem acerca do objeto material do crime do art. 328 do Código Penal, verbis:

"No crime de usurpação de função, há intromissão, no aparelhamento legal, de um intruso que se arroga prerrogativas de legítimo funcionário e, realmente, se lhe substitui na função. Não investido legalmente do cargo, emprego ou função, o intruso pretende que seu ato se insira e se integre no complexo dos atos funcionais legítimos e não corrompidos." (RT 224/69).

Há de se separar, entretanto, mormente no caso concreto específico que se nos apresenta, as diligências adjacentes às atividades de polícia ostensiva e preventiva, realizadas por policiais militares – na maioria das vezes no combate a crimes no momento em que permeia a sua consumação, ou seja, nos períodos anteriores e posteriores ao momento consumativo –, de que não se pode querer dissociá-las umas das outras porquanto tão próximas e necessárias à própria eficiência e eficácia destas, das que distanciadas por inteiro, no tempo e no espaço, da prevenção e do ostensível, a configurar atos funcionais ilegítimos daqueles servidores, a quem se pode, em tese, imputar, por conseqüência, a usurpação de função pública.

Diante de todo o exposto, esta Gerência Jurídica se manifesta pela possibilidade, sim, de policial militar praticar, em tese, o crime do art. 328 do Código Penal brasileiro.

Encaminhem-se os presentes autos à Chefia de Gabinete para que o assunto aqui tratado seja submetido à apreciação do Sr. Diretor-Geral.

GERÊNCIA JURÍDICA DA DIRETORIA-GERAL DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE GOIÁS, em Goiânia, ao 1º dia do mês de setembro de 2005.

Kílvio Dias Maciel

Delegado de Polícia

Titular da Gerência Jurídica da Diretoria-Geral da Polícia Civil

Autor: Kílvio Dias Maciel

Fonte de Publicação: GERÊNCIA JURÍDICA