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Segurança em compasso de espera - 23/02/2008

por Fábio Góis

Um ano após o assassinato brutal do menino João Hélio Fernandes, arrastado preso pelo cinto de segurança por um carro conduzido por bandidos em fuga no Rio, e 21 meses após os atentados da principal facção criminosa de São Paulo, os dois pacotes de segurança pública propostos pelo Congresso ainda não saíram do papel. E, de acordo com parlamentares envolvidos com a discussão, a quase totalidade dessas propostas continuará engavetada até o final deste ano.

Depois dos embates provocados pelo caso Renan, pela crise aérea e pela votação da CPMF, que concentraram as atenções em 2007, as eleições municipais e a CPI dos Cartões Corporativos aparecem agora como os principais obstáculos à aprovação das mais de 30 medidas apontadas como prioritárias por deputados e senadores para a segurança pública.

Das 35 proposições que compunham os dois pacotes, somente duas foram aprovadas nas duas Casas legislativas e transformadas em lei. Uma delas é o Projeto de Lei 7225/2006 (agora Lei Ordinária 11.466/2007), de autoria do senador César Borges (PR-BA), que classifica como falta disciplinar grave do presidiário e crime do agente penitenciário o uso de telefone celular em presídios.

A outra medida que vingou foi o Projeto de Lei 6793/2006, de autoria do Executivo, convertido na Lei Ordinária 11.464/2007. De acordo com a lei, os condenados por crime hediondo cumprirão pena inicialmente em regime fechado, com o benefício de progressão de regime concedido só depois de cumprido 1/3 (um terço) da pena. Na prática, a medida impõe mais dificuldades à obtenção do benefício.

Prioridades

Na avaliação de parlamentares ligados à discussão ouvidos pelo Congresso em Foco, apenas quatro propostas têm reais chances de serem aprovadas até julho. “Acho que, neste primeiro semestre, especular algo além disso é sonho, uma atitude idealista e pouco realista”, afirmou o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), integrante do grupo de trabalho criado na Comissão de Segurança Pública da Câmara para hierarquizar os temas que irão a plenário.

Um deles é o Projeto de Lei 4203/01, de autoria do Executivo. Aprovada pelo Senado em dezembro, a matéria foi alterada e voltou para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, onde aguarda, em regime de urgência constitucional, a deliberação do plenário.

A proposição altera dispositivos do Código de Processo Penal relativos ao Tribunal do Júri, estabelecendo critérios de organização quanto à função, à convocação e ao sorteio dos jurados, com vistas a formar o Conselho de Sentença. O PL dispõe ainda sobre acusação, instrução e preparação do processo penal.

Outra proposta que, por força constitucional, terá de receber tratamento prioritário é a Medida Provisória 416/2008 (tratada originalmente no Projeto de Lei 1935/2007). O texto institui o Programa Bolsa-Formação, que se presta à qualificação profissional dos integrantes das carreiras do quadro das polícias militar e civil, do corpo de bombeiro, dos peritos e dos agentes carcerários e penitenciários. A matéria está pronta para a apreciação do plenário.

Já o Projeto de Lei 1288/2007, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES), teve parecer do deputado Flávio Dino aprovado na Comissão de Constituição e Justiça em 18 de dezembro do ano passado (com substitutivo apresentado à Comissão de Segurança Pública pela deputada Rita Camata, PMDB-ES), e deve ser levado agora para votação em plenário.

A matéria dispõe sobre o monitoramento eletrônico de presos, também alterando o Código Penal e a Lei de Execução Penal. O texto do PL prevê a utilização de equipamento de rastreamento eletrônico pelo condenado nos casos em que especifica.

Por fim, entre as matérias do pacote de segurança que têm mais chance de serem aprovadas está o Projeto de Lei 7226/2006, que aguarda encaminhamento na Coordenação de Comissões Permanentes da Câmara para então ser conclusivamente apreciado nas comissões designadas.

De autoria do ex-senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA), a proposição prevê a indisponibilidade de bens do indiciado ou acusado e a obrigatoriedade de comparecimento pessoal em juízo como condição única de apresentação de pedido de restituição ou disponibilidade.   

Maioridade penal

Não foi só o deputado Flávio Dino que mostrou resignação em relação aos avanços do tema no Parlamento. De acordo com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que foi procurador-geral de Justiça de Goiás e é um dos principais articuladores nas questões de segurança pública no Congresso, o excesso de projetos e o tempo exíguo são os principais entraves.

“São mais de 30 projetos”, resumiu Demóstenes, admitindo desconhecer o que será levado a plenário como prioridade. “Eu não sei, está tudo empacado. A questão da redução da maioridade penal foi pautada semana passada, mas não foi votada”, disse o senador, que é relator da proposta que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal nos casos em que a Justiça entender, com base em laudo médico, que o menor tinha consciência de seu ato.

A proposta divide radicalmente parlamentares interessados na votação dos pacotes da segurança pública. “O tema da maioridade penal é um falso debate, porque todas as estatísticas mostram que a maioria dos crimes violentos do Brasil – mais de 98% – não envolvem a participação de menores de 18 anos. Então, o impacto real da redução da maioridade penal é baixíssimo”, afirmou Dino, apontando mais entraves.

“Também é um debate que esbarra em obstáculos jurídicos formais, atinentes à questão de ser ou não uma cláusula pétrea – portanto, insuscetível de mudança mesmo por emenda constitucional. Enfrentará também obstáculos políticos, porque é muito difícil reunir 3/5 (três quintos) num tema como esse. Acho que seria um imenso desperdício de energia de inteligência, de talento e de energia colocar como prioridade a redução da maioridade penal”, finalizou o deputado.

Excesso de MPs

Além da pressão do calendário eleitoral e das investigações da CPI dos Cartões Corporativos, os parlamentares também apontam outro obstáculo: o excesso de medidas provisórias, que rotineiramente trancam a pauta da Casa. “O problema é que os sistemas processuais da Câmara e do Senado estão emperrados. Só dá medida provisória...”, reclamou o 2º vice-presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara, Raul Jungmann (PPS-PE), ao Congresso em Foco.

“Não temos encontrado espaço para avançar. O grupo [de trabalho da Comissão] praticamente não tem avançado, não há pauta”, lamentou, dizendo que, na “retomada” desta semana, quando serão redefinidos os quadros das comissões, os trabalhos devem ter algum adiantamento.

Perguntado sobre quais seriam as pautas prioritárias na comissão, Jungmann evitou antecipações. “Seria uma temeridade falar sobre isso agora. Sinceramente, não sei. Isso vai depender da recomposição das comissões”, disse.

O deputado concorda com Flávio Dino a respeito da priorização das matérias inerentes à reforma processual penal. “Esse é o caminho, porque isso vai permitir uma maior agilidade nos processos. Melhor do que ficar aumentando pena é permitir uma tramitação mais rápida e mais segura aos processos”, afirmou.     

Ação e reação

Ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Flávio Dino rebateu as críticas de especialistas em segurança pública, segundo as quais as intervenções do Congresso no combate ao crime são “episódicas” e movidas reativamente, no “calor” dos acontecimentos mais graves.

Em matéria publicada por este site, em 24 de setembro de 2007, o coordenador nacional de formação do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, Paulo César Carbonari, disse que “somente quando acontece uma situação grave há uma reação espasmódica” por parte do Congresso. É o que pensa a coordenadora do Programa São Paulo em Paz, do Instituto Sou da Paz, Carolina de Mattos Ricardo, para quem “desde a ditadura a questão da segurança pública é tratada sob uma ótica militarista e reativa”.

Segundo Flávio Dino, depois que foi instalado por força da demanda, o grupo de trabalho da Comissão de Segurança Pública da Câmara funcionou por durante um ano (e deve retomar os trabalhos na semana que vem), o que demonstraria não ser um instrumento criado para o momento em que os problemas ocorrem. Entretanto, o deputado reconhece a relativa inépcia do Congresso em relação ao tema, mas ressaltou que essa não é uma falha exclusiva do Legislativo.

“Insuficiente toda a atuação do Estado brasileiro é, qualquer que seja a instância. O Poder Judiciário é insuficiente, o Ministério Público, as polícias. O Congresso também. Um país gigantesco, com tantos problemas, tanta desigualdade e tanta injustiça, o Estado sempre está devendo para o cidadão, e o Congresso não e diferente”, ponderou.

Em relação ao caráter supostamente “oportunista” do Parlamento em surtos de violência, Dino foi taxativo. “O fato de ser uma atuação episódica, no calor dos acontecimentos, é uma crítica, na verdade, que não leva em conta a natureza política das Casas do Congresso. Isso não é um mal, é uma virtude. Não é uma anomalia, é um dever do Congresso reverberar o debate nacional do momento”, defendeu.

“Estranho seria se a população estivesse discutindo segurança pública, em face do impacto de um crime grave, e a pauta [da Câmara] estivesse discutindo a legislação do IPI [Imposto sobre Produção Industrial]. Isso seria antidemocrático”, imaginou Dino.

Enquanto isso...

O Brasil bate recordes de violência, as polícias e órgãos de segurança apresentam as mesmas mazelas (corrupção, disputas internas etc) e o Judiciário ainda exibe a clássica lentidão.

No dia 6 de dezembro de 2007, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os números registrados no levantamento Estatísticas do Registro Civil, com um retrato da violência urbana referente a 2006. Foram 103.062 óbitos violentos no Brasil naquele ano.

Segundo o IBGE, nos últimos 16 anos houve um aumento de 7,3% entre as mortes violentas na faixa entre 15 e 24 anos – faixa de idade que concentra a grande maioria das ocorrências. Em 1990, o percentual de mortes nessa faixa era de 60,6%, e em 2006 chegou a 67,9%. Fonte: Sítio congressoemfoco.ig.com.br