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Sistema carcerário: pânico do juiz, do preso e do povo - 26/02/2008

 



Sistema carcerário: pânico do juiz, do preso e do povo


Quando se fala em sistema carcerário no nosso País logo vêm à mente o pânico, a aflição e a agonia, seja para o magistrado, o encarcerado ou para a sociedade em geral. Para o primeiro porque ele se sente impotente e inoperante muitas vezes; para o preso porque ele não tem a ressocialização pregada; para o povo porque enxerga que, não havendo recuperação do preso, suas vidas correm risco e perigo. É um verdadeiro caos e uma preocupação exacerbada por parte de todos.

Algumas autoridades até que tentam resolver, de alguma forma, o impasse, porém muitos se sentem manietados e descrentes diante da gravidade do problema social e da falta de uma política pública séria e honesta.

O Brasil é o quarto país do mundo no item explosão carcerária. Constata-se que no começo dos anos 90, tinha a taxa de 60 presos para cada 100 mil habitantes; em 1999 esse número aumentou para 113 presos; em 2001 chegou a 141 e em 2002, a 150. Atualmente (início de 2008), com aproximadamente 420 mil presos, a taxa subiu para perto de 230 para cada 100 mil habitantes. A expectativa para 2010 é de 700 mil presos a continuar subindo nessa progressão geométrica, numa capacidade prisional de cerca de 300 mil presos. Que horror!

Pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça apontou que existe um índice de 47% de reincidência por parte de condenados que cumprem suas penas e voltam ao convívio na sociedade. Sem mencionar as trágicas circunstâncias de haver o destemido tráfico de drogas comandado de dentro dos complexos prisionais e o uso de aparelhos celulares no interior das celas e pátios dessas unidades, controlando a prática delitiva externa. Isso mostra que existe falha na recuperação do delinqüente. Nessas condições ficamos todos nós sofrendo uma enorme frustração. E mediante toda essa dificuldade, infelizmente muitos lavam suas mãos na resolução do grave problema do sistema carcerário brasileiro, esquecendo-se da palavra bíblica que diz: “Lembrai-vos dos encarcerados, como se presos com eles”, num mínimo ato de humanidade. Essa abominável política ainda está muito presente. Trata-se de política flagrantemente violadora dos direitos fundamentais, mas interessante para muitos: ao Executivo, porque vai amontoando os presos de qualquer maneira; aos políticos, porque podem continuar com o discurso da prisão ilimitada; a alguns juízes e membros do Ministério Público que se livram da responsabilidade de impedir os abusos, a tortura, o tratamento desumano e cruel. Que vergonha descarada!

Existe o discurso da terceirização e privatização dos presídios. Participei certa feita em Joinville, Santa Catarina, de um Congresso Nacional sobre Execução Penal e nas discussões ali ocorridas, chegou-se a uma conclusão de que é tecnicamente inviável no Brasil tal mudança, ante uma situação cultural, financeira e até estrutural. Quase à unanimidade, houve o preterimento da apresentação de uma proposta nesse teor. Torna-se, a meu ver, inviabilizada ante a obrigação do Estado de gerir isso, devendo ser compelido a fazê-lo, e pelos reflexos de uma avidez por lucros por parte de um eventual particular administrador.

Quando de minha participação em 2007 no intercâmbio promovido pela Universidade Virginia Tech, nos Estados Unidos, envolvendo magistrados brasileiros, tive a oportunidade de visitar um presídio estadual na cidade de Roanoke. O que pude ver foi de abismar. Todo o presídio monitorado por câmeras de circuito interno e externo, portas e portões eletrônicos, celas individuais e sem grades, sanitários decentes, e até local apropriado para o preso acessar a internet, em situações especiais. Sem jamais querer fazer parâmetro de comparação entre o país mais rico economicamente do Planeta e um país de Terceiro Mundo, o apontamento serve para reflexão de que, com boa vontade, muito dinheiro desperdiçado com o mensalão e outros desvios, por exemplo, poderia ser investido nessa área carente e necessária aqui.

Olhando para a realidade de Goiás, com 12 mil presos, recentemente acompanhamos que as prisões do Entorno do Distrito Federal estão com o dobro da capacidade ocupada. Os centros de detenção das cidades mais próximas de Brasília têm 470 vagas, mas abrigam 952 presos, uma superlotação que levou a decisões judiciais de interdição de pelo menos dois presídios. Protestos de juízes daquela região apontam falência do sistema. Deputados federais que integram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investiga o sistema carcerário brasileiro, visitaram unidades prisionais na região com o objetivo de fazer um diagnóstico para, em seguida, oferecer sugestões de projetos de lei para o Legislativo e de ações para o Executivo visando tornar o sistema mais eficiente e garantir condições adequadas para a recuperação e a reinserção social dos presos. Que não fique só em passeios à custa do erário público e também só em papéis.

A realidade vivenciada pela minha pessoa, especificamente como magistrado que atua na área criminal, é de que a legislação tem de ser cumprida, seja boa ou ruim; o criminoso tem de ser apenado por infringir a ordem, o bandido precisa ficar trancafiado e não pode permanecer no convívio social, prejudicando pessoas inocentes, sérias e responsáveis. Entretanto, o preso precisa de reeducação, o que nossos complexos prisionais não cumprem, por total falta de estrutura, seja por escassez de verbas ou por falta de pessoal preparado, bem como pelo aglomerado de seres humanos em situação precária e ociosa, além da promiscuidade. Por outro lado, há a necessidade igualmente de garantir a segurança da sociedade e o juiz tem de fazer malabarismos para que não haja impunidade. O Estado não cumpre seu dever e sua obrigação nessa seara. Deve ser cobrado pela falha. O editorial do POPULAR do dia 16 mostrou de maneira muito clara que: “A finalidade socioeducativa de grande parte das prisões torna-se mera ficção, pois elas percorreram situação de decadência até o limite do caos. A sociedade tem de cobrar as medidas e as providências que estão faltando. Omissões são imperdoáveis neste caso, pois se trata de garantir um direito inerente à cidadania, que é a proteção do Estado a cada cidadão.”

É por isso que o sistema carcerário no Brasil é uma agonia, uma aflição, uma preocupação, um pavor, um terror e um verdadeiro pânico para o magistrado, para o preso e para a sociedade em geral. Estamos no fundo do poço nessa área, mas sou otimista e espero que haja melhorias. Afinal, merecemos...



Jesseir Coelho de Alcântara é juiz de Direito.


Autor(a): Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal de Goiânia Jesseir Coelho de Alcântara
 
Publicado em 26/02/08
 
Fonte: O POPULAR