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A sociedade e a violência - 14/03/2008

por José Luiz Bittencourt *

Constitui um fenômeno desagregador da vida social. Nos últimos anos, acompanhado por inúmeros estudos nos quais se esgrimem variadas teorias explicativas, muitas delas de caráter sociológico, o crime se liga com o processo de aprendizagem, isto é, explica-se como o produto de uma associação diferencial no entender de Sutherland –, ou por meio do conceito de auto-imagem ou das subculturas, conforme Reckles e Cohen. Um fator cotidianamente mencionado é o dos meios de comunicação, sem dúvida devido ao seu extraordinário crescimento e impacto nos últimos anos, e a proliferação da violência nos programas de ficção transmitidos pelas emissoras televisivas.

No I Congresso Latino-Americano Sobre Meios de Comunicação Social e Prevenção do Delito, realizado em Cali (Colômbia), Júlio Kierszenson alude ao fato de que, em quase todos os países com economia de mercados, grupos se organizaram para pressionar o Estado e lograram algum tipo de controle, ou aquele, de motu proprio, para atuar no sentido de combater a violência. Os cientistas sociais empreenderam algumas investigações, mas nenhuma delas conclusiva, ao menos no sentido esperado, a saber, se os meios de comunicação têm que ver com o aumento da delinqüência e da insegurança.

Evidentemente, toda sociedade tem a necessidade de preservar-se a si mesma, evitando as condutas deformadoras que possam atingir alguns de seus membros. Cada sociedade elabora um código de conduta e a lei penal vem a sancionar as violações desse código não escrito que a precede. O delinqüente, pois, atua contra a sociedade, contra seus sentimentos e contra os seus assentados critérios morais. A personalidade criminal deve ser considerada, portanto, como qualquer outra, resultado de uma combinação de fatores genéticos e sociais.

A causalidade dos fenômenos sociais é sumamente complexa e obedece normalmente à ação combinada de vários agentes. Os efeitos se convertem, por sua vez, em causas novas, que vêm a realimentar uma cadeia de motivo muito externa e resistente a qualquer simplificação sociológica. Por isso mesmo, Enzensberger sustenta que “o Estado proíbe ao indivíduo fazer uso de injustiça, não porque o Estado queira aboli-la, mas porque quer monopolizá-la”. Rouke, de seu lado, afirma que “o delinqüente se diferencia do homem normal que ele aprisionou. Dunlap simula não aceitar as diferenças que separam Al Capone de Galileo Galilei, generalizando que todos os grandes reformadores foram violadores da lei”.

Eizensberger explica sua teoria em Política Y Delito (Barcelona, 1968, pág. 14). Rouke aborda o assunto em Delinquency (citado por Klineberg em Psicologia Social, Fondo de Cultura Econômica, México, 1974). Dunlap trata da questão em Civilized Life (também referido por Klineberg). Mas em tudo se registra a injustiça social, a corrupção das classes dirigentes e outras disfunções como causas da delinqüência. Assim, Rodolfo Terragno justifica:

“A injustiça incita à rebelião contra a ordem estabelecida: leva, com freqüência, a ver o delito como uma compensação das exceções legais que praticam os beneficiários da iniqüidade. A corrupção da classe dirigente, por sua vez, remove muitas restrições morais, já que os dirigidos se sentem autorizados a adotar condutas equivalentes às que exibem camadas superiores. Em geral, as disfunções sociais relaxam a disciplina coletiva, impedem a satisfação de necessidades legítimas e promovem dúvidas sobre a bondade dos princípios que regem a sociedade. As estatísticas, avaliando o sentido comum, provam as vinculações entre este quadro e, pelo menos, certo tipo de delinqüência”.

No século XIII, o Marquês de Beccaria (1738 – 1794), filósofo e criminalista italiano, escreveu:
“Quereis prevenir los delitos? Haced que las leyes sean claras, sencillas, y que toda la fuerza de la nación se concentre para defenderlas, y ninguna parte de ella se empene em destruirlas. Haced que las leyes favorezcan menos a las classes de hombres que a los hombres mismos. Haced que os hombres la teman y teman solo a ellas. Haced que las luces acompañen la libertad.”

É o que se lê em De Los Delitos y De Las Penas (Buenos Aires, 1958, pág. 239). Em outro instante melhor explicarei a teoria penal que orienta o mundo moderno e a temática da sociedade diante da violência.

* José Luiz Bittencourt é membro da Academia Goiana de Letras e ex-vice-governador de Goiás. Fonte: Jornal Diário da Manhã