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Greve no Serviço Público – A abusiva demora na regulamentação - 11/03/2007

Na última semana, foi noticiada com alarde na mídia nacional a notícia de que o governo federal teria intenção de apresentar projeto de Lei Complementar para regulamentar o direito de greve do servidor público. Tão logo a notícia foi veiculada, sindicalistas, políticos, advogados, jornalistas e formadores de opinião em geral passaram a dar declarações a favor ou contra a iniciativa legislativa.

Antes de tudo, cabe fazer uma retificação às diversas reportagens que têm abordado o tema. A rigor, não é necessária lei complementar para regulamentar o direito de greve do servidor público. Há mais de dez anos foi modificada a redação da Constituição, a fim de que a matéria seja regulada por Lei Ordinária, a qual requer somente maioria simples em sua votação nas casas legislativas. Tornou-se mais fácil, portanto, a aprovação da lei.

Ainda assim, até hoje sequer foi apresentado o projeto de lei, o que causa incerteza e insegurança jurídica, na medida em que não há balizas para definir as condições em que se admite a greve no setor público. Aliás, a interpretação majoritária e predominante do Supremo Tribunal Federal – STF é de que, até que seja aprovada a lei regulamentadora, o movimento paredista do servidor público é ilegal.

Portanto, passa da hora de ser discutida a questão e aprovada a lei ordinária prevista na Constituição. Saliente-se que, para o trabalhador da iniciativa privada, há lei disciplinando o direito de greve desde 1989. Não se justifica, portanto, essa demora na regulamentação do mesmo direito ao servidor público, ainda que, reconhecidamente, se trate de tema espinhoso e politicamente delicado.

Por esses motivos, chama a atenção a ampla divulgação dada a uma nota atribuída ao dr. Cezar Brito, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, segundo a qual “qualquer medida que venha a ser aprovada, limitando ou restringindo o direito de greve no país, fere a Constituição”.

Ora, a alegação de que somente caberia a aprovação de lei que não trouxesse qualquer limitação ao direito de greve do servidor é um despropósito político-social e jurídico. Político-social, em vista da desordem que a ilimitada possibilidade de deflagração do movimento paredista dos servidores causaria à sociedade. E jurídico porquanto, se fosse intenção do legislador constituinte admitir o direito de forma absoluta, bastaria assegurar seu exercício em norma genérica, sem necessidade de regulamentação em lei.

Dessa maneira, desde que observada a razoabilidade, parece evidente a possibilidade de se criarem condicionamentos e limitações ao direito de greve do servidor, à semelhança do que ocorre com o trabalhador da iniciativa privada. O que não se coaduna com a Carta Magna seria a restrição absoluta do direito de greve do servidor.

Na lei que regula a questão no âmbito dos trabalhadores celetistas, buscou-se conciliar o direito à paralisação com a preservação das necessidades inadiáveis da população. Com mais razão, esse limite deve ser observado para a categoria dos servidores públicos que, por definição, têm seu trabalho atrelado ao atendimento das necessidades da população.

A propósito, é um sofisma inaceitável o argumento, brandido aqui e acolá por sindicalistas, de que “todo serviço público é essencial e por isso não cabe restrição ao direito de greve do servidor, sob pena de se consagrar a limitação geral e inconstitucional.” Ora, ainda que se admita a relevância de qualquer atividade pública, é natural que algumas delas criem, por sua paralisação, um prejuízo mais contundente e, por vezes, irreparável à população. Ilustrativamente, citem-se paralisações de magistrados, policiais, trabalhadores em setores de saúde, energia e transporte, dentre outros. Cabe ainda incluir nesse rol, já que continua fresca na memória as conseqüências perversas de sua paralisação, a categoria dos controladores de vôo. Em todos esses casos, as greves têm de ser cuidadosamente reguladas, a fim de preservar um atendimento emergencial à população, para não gerar situação de caos social.

O direito de greve é legítimo, como mecanismo de negociação e pressão para atendimento da reivindicação de qualquer categoria profissional. Todavia, o direito não é absoluto, devendo-se cuidar para a preservação dos interesses coletivos inadiáveis e urgentes. Isso remete à difícil conceituação de atividades essenciais, para as quais se justifica a imposição de condicionamento legal às greves.

A lei que regulamenta a greve no setor privado pode ser utilizada, em boa parte, como norte para as necessárias limitações ao mesmo direito no serviço público. Lá como cá, cabe exigir dentre outras medidas: a negociação entre as partes envolvidas antes de deflagrar a paralisação; a suspensão do trabalho de forma pacífica; a manutenção emergencial dos serviços que causem prejuízo irreparável à sociedade; a divulgação antecipada do movimento paredista, para minimizar os transtornos à população; e o controle judicial sobre a legalidade do movimento, com sanções severas para as hipóteses de violação às normas reguladoras da matéria.

A ausência de regulamentação do direito de greve, a rigor, tem causado prejuízos sensíveis. Além da insegurança jurídica, as sucessivas paralisações no serviço público, em desarmonia com a interpretação restritiva do STF, causam desprestígio do Poder Judiciário e dano à sociedade. Nesse sentido, no ano passado os servidores federais do setor de Saúde promoveram longa greve que causou falta de medicamentos, importados pelo País, em hospitais e postos de saúde, gerando transtornos inaceitáveis.

Por tudo isso, ao menos antes que se apresentem as propostas em concreto, as críticas à iniciativa do governo federal, mais que açodadas, soam infundadas. A regulamentação – e não a proibição – da greve no serviço público é mais que bem-vinda.

Autor: Rodrigo Dias da Fonseca é juiz do Trabalho e 1º Secretário da Associação dos Magistrados Trabalhistas em Goiás.  rdfonseca@uol.com.br
Fonte: www.dm.com.br  (11.03.07)