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Vassil Oliveira - 24/03/2008

Jornal Tribuna do Planalto – Caderno Eleições 2008 - De 23 a 29 de março de 2008

No final do primeiro ano do primeiro governo Marconi Perillo, um dos principais secretários do Estado esteve na redação da Tribuna do Planalto e, durante conversa informal, disse uma frase marcante para aquele momento: "Tem muita gente querendo que o governo (Marconi) dê certo, mas que não dê muuuuito certo assim não!" Desse jeito, com o "muito" beeeem arrastado.

É sabido que Marconi foi eleito em 1998 amparado por uma aliança que reuniu o seu PSDB, o PP (ex-PPB), o PTB e o DEM (ex-PFL), com o PSDC de coadjuvante. Na época em que o secretário esteve na Tribuna, havia uma forte reação nos bastidores desta aliança às primeiras medidas do novo governo – medidas administrativas e, claro, de ocupação da máquina administrativa, seja com cargos, seja na definição de ações e benefícios.
Nas entrelinhas, o que dizia o secretário: havia uma torcida contra o sucesso da gestão tucana, por receio de Marconi vir a se perpetuar no poder, direta ou indiretamente.
Essa era a situação. E o que se vê agora?

Dentro do governo Alcides Rodrigues (PP), o discurso estabelecido é o de que não há crise alguma na base aliada. O objetivo é firmar o argumento de que o governador não está fazendo nada contra quem quer que seja na base, principalmente contra o PSDB, e muito menos está fazendo algo que o próprio PSDB não tenha feito no exercício do poder da caneta: nomear e demitir segundo as conveniências de momento.

Preto no branco: quando governo, o PSDB era maioria; no governo, o PP quer ser maioria. Como os tucanos tinham a quase totalidade dos principais cargos no Estado – e os que não eram exatamente seus, cooptou ou absorveu com o tempo –, natural é que tucanos saiam para pepistas entrarem. Uma questão de todo matemática que, potencializada sob o ponto de vista político, ganhou, aí sim, contornos de crise.

Neste caso, tudo segundo o pensamento alcidista, os fomentadores da crise são especialmente os tucanos, porque preferem se fazer de ofendidos, em vez de aceitar o diálogo para manter o máximo de poder, e cargos, na administração. E aí uma provocação muito ouvida: com sua atitude, Marconi, em vez de ajudar, atrapalha seus aliados; em vez de segurar quem está em cargos no governo, cria constrangimentos que resultam em demissões.

Algo real é que caducou, acometida por fragilidade aguda, a tese segundo a qual só Marconi e os tucanos reelegeram Alcides, e que o PSDB, por ser o maior partido da base, tem de ficar com a maior fatia dos espaços de poder na administração.

Em 1998, como herdeiro da Arena, o PP era maior que o PSDB, um partido novo, sem raiz no interior do Estado. E Marconi? Era deputado federal de um partido que tinha o presidente da República – Fernando Henrique Cardoso –, mas que, inicialmente, não o queria como candidato ao governo. Tanto que, quando o candidato a governador da futura base aliada era ainda Roberto Balestra, houve até conversas dos tucanos com o PMDB para um possível "intindimento" com o então governadoriável líder nas pesquisas Iris Rezende. Marconi chegou a ser cogitado para vice.

E não se perca na memória que Marconi, no início da campanha daquele ano, aparecia em cima das caminhonetes das carreatas no interior sempre ao lado de Ronaldo Caiado, Lúcia Vânia, Roberto Balestra, Vilmar Rocha, Nion Albernaz e outros, por serem eles mais conhecidos e por terem um peso político que ele estava longe de ter. Para se fazer forte, Marconi precisou ser apresentado e respaldado por quem o povo já conhecia – eis a questão. E eis também aí uma das razões para 'o homem da camisa azul' ter-se revelado, na poética percepção de um repórter do Correio Braziliense. Como o eleitor não conhecia direito o nome e o candidato, apontava: “Aquele lá na caminhonete, de camisa azul (apropriadamente azul; estrategicamente azul...), ao lado do...” A expressão, muito bem-usada pelo comando da campanha aliada, ficou famosa e o azul virou marca visual do chamado ‘Tempo Novo’.

A tese da vitória de Alcides ser devida apenas a Marconi e ao PSDB é frágil ainda porque os fatos mostram que, durante o governo tucano, o PP minguou em proporção inversa ao crescimento do PSDB. Aliás, o PP e o DEM, as raízes da Arena. O que se deu: em vez de roubar forças ao PMDB, o PSDB cresceu para dentro – dentro da base eleitoral do governo que comandava.

Neste momento, Alcides dá mostras de que se sente sufocado pelo PSDB. E se debate com força, como a dizer, feito o secretário do final do primeiro ano do primeiro governo Marconi, que os tucanos querem que seu governo dê certo, mas que não dê muuuuito certo assim não. Embora já tenha alcidista dizendo mais: que os tucanos definitivamente não querem que o governo Alcides dê certo, para Marconi poder voltar em 2010 como salvador de Pátria.

A guerra dos números que envolve marconistas e alcidistas é prova do descompasso que a falta de diálogo e, mais, a falta de interesse no diálogo pode provocar: uma boa conversa em off (reservada, com garantia de não-citação da fonte), com políticos dos dois lados deixa claro que, não fossem os ânimos exaltados, Alcides não teria mostrado o buraco no Estado e Marconi teria mantido o discurso do governo perfeito.

O que está evidente, e até concordando com tucanos que criticam o governador por não agir, é que Alcides mais reage 'a' Marconi e sua tropa de choque do que age 'contra' Marconi. Não, não se trata de uma história de santos X pecadores. Nesta guerra, não há santos. Mas justo por isso, um não pode querer posar como tal, empurrando o outro para o quinto dos infernos. Assim, vão todos para o abismo.

A crise da base aliada está instalada aí. Não é uma crise de identidade; é uma crise de poder, na boa definição do deputado estadual Thiago Peixoto (PMDB) em entrevista à Tribuna (leia neste caderno). E como ninguém joga limpo, o jogo está mais sujo nos bastidores. Como ninguém está disposto a baixar a guarda, o tiroteio se intensifica. As ameaças são fortes, dos dois lados, e os dois lados têm munição suficiente para implodir qualquer unidade. Missão de paz? Não há ONU que dê jeito.

O limite é o rompimento. É cada um buscar o seu rumo. O que está acontecendo. Mais uma vez (os leitores deste espaço já leram sobre isso), a evidência: o que se descortina é a formação de uma nova ordem política no Estado, com nova configuração de forças e novos jogos de interesses.

É o que explica, por exemplo, o governador admitir diálogo político mesmo com o velho adversário PMDB. No fundo, ele está dizendo aos tucanos: se vocês não querem o PP como aliado, os peemedebistas querem. Está lá, nas páginas do Diário da Manhã de quinta-feira, 20: "PP já esteve em um ou outro município com o PMDB durante eleições. E o PSDB também já esteve coligado com o PMDB. O pluripartidarismo faculta essas possibilidades. Agora, a regra vale para todos os municípios, no interior e Capital." Precisa dizer mais?

Na nova configuração de forças cabem PP e PMDB juntos. Por que não, se até PSDB e PT voltaram a dialogar nacionalmente? Foi o próprio senador Marconi Perillo quem reconheceu em dezembro, durante visita cordial ao prefeito Iris Rezende: o inimigo de hoje pode ser o aliado de amanhã. Elementar.