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Os bastidores do poder - 17/03/2007

As intrigas mordem, por Batista Custódio


O governo de Goiás está uma simbiose grávida no corpo do poder do Estado com dois siameses rompendo a bolsa amniótica, um precisando desencarnar-se, outro necessitando nascer, com ambos sofrendo malefícios de proporções diversas e entrando em desgaste mútuo no ventre do prestígio político e no útero da popularidade. E, o mais perigoso para eles, criando reflexos inconfessáveis de desconfiança na lealdade de um ao outro.

O estado de saúde da credibilidade pública da mãe-Estado, a gestante, é gravíssimo, inspira cuidados e está causando muita preocupação à família partidária ante a intriga distribuindo o seu bote venenoso qual uma serpente deslizando silenciosa às costas das vítimas. Pelo menos um deles, foi mordido nos ouvidos.

A genitora já se contorce em dores, mas não consegue dar à luz. Como a prenhez fecundada com siameses não permite parto normal, impõe-se, urgente, uma cesariana, antes que o imprevisto de uma placenta acreta obrigue ser removido até o útero da madre, para que as crianças não sejam asfixiadas pela respiração de uma comprometendo o fôlego da outra e elas terminem como fetos fecundados na trompa do ostracismo político.

Todos notam que o quadro é de apreensão com a mamãe-Estado. Mas a verdade se esconde. Ninguém ousa falar aberto. Os rumores às portas da maternidade são de que a velha senhora está agonizante e não se emitem boletins médicos informando aos congêneres partidários, aflitos cá fora, sobre o que se passa com a paturiente lá dentro da clínica.

Tudo se pergunta e nada se responde. O silêncio, aliás anormal e irritante nessas horas, está permitindo o surgimento de uma angústia geral devido à boataria de que a genitora não irá suportar, por mais tempo, se não receber uma transfusão de sangue imediatamente.

A falta de informação fomenta um clima insuportável, à beira de explodir. Os nervos estão do lado de fora da pele na opinião pública, assustada no funcionalismo, insatisfeita no empresariado, descabelando os políticos, pressionando a imprensa e cobrando explicação dos amigos. Todos apenas se olham e fazem aquele ar de que eles também estão sem entender o que está acontecendo.

O segredo está hermeticamente fechado no interior da casa de saúde, com a curiosidade se empilhando no nervosismo do povo e prenunciando a possibilidade de detonações da revolta geral. O único comentário da enfermaria é que a mãezona-Estado passa muito mal, mas a cesariana só não foi realizada ainda porque está aguardando a chegada do resultado do exame de DNA para se saber quem é o verdadeiro pai e responsável pela conta do hospital.

Realmente, há versões contraditórias e intrigantes a respeito da paternidade e que precisam ser, de fato, explicadas de vez. A demora de um esclarecimento sobre o real tamanho da conta, e quem tem o dever de assumi-la, está colocando em risco não apenas a salvação da genitora enferma, mas os próprios dois siameses, cujos organismos estão ligados à mesma veia eleitoral, e, que, se eles não sobreviverem, a culpa estender-se-á a esse e àquele que estão sob suspeita sobre qual deles é o culpado pela anemia da mãe-Estado, casada várias vezes, e que se encontra debilitada em recuperação penosa e lenta na UTI sem recursos para se manter.

A esta altura dos acontecimentos, a nebulosidade da dúvida já assumiu a fisionomia dos dois siameses no confuso semblante das aparências e dividiu o julgamento coletivo sobre a responsabilidade da origem da prenhez complicada da mãe que os filhos têm o costume de fazer o que bem entendem dela. Diversos intuem que a culpa é do ex-cônjuge. Vários pressupõem que o culpado é o atual consorte. A única certeza é a de que um e outro estão com a sobrevivência de sua liderança umbilicalmente atrelada. Não adianta um dizer que o responsável é o outro. Estão como dois presos às pontas de uma corda suspensa sobre um abismo e a única chance de salvamento para ambos será o esforço conjunto, ou seja, cada qual firmando os pés no barranco do seu lado e, juntos, desatarem o nó no pescoço do companheiro, senão aquele será enforcado pelo peso desse, e esse, pelo daquele.

A complexidade do incesto funde os dois pressupostos pais em ambos os filhos siameses e mascara quem ficou com a mãe-Goiás, porque se olha na cara dos filhos e os dois se parecem com os dois pais. Não se pode, pois, responsabilizar direto a um somente dos pais, porque os dois foram vistos entrando e saindo da casa da mãe durante oito anos.

Ambos até que estão dispostos a assumir o acasalamento, mas são constrangidos pela reação contrária da filharada adotiva de cada um eles, puxando internamente para frentes externas e opostas dentro do recinto da colisão partidária e criando ambiente propício à colisão iminente no conflito de interesses irreveláveis e prejudiciais à na base aliada.

O inconveniente difícil para os dois siameses conciliarem não existe neles em si, mas em um estranho fenômeno com vida própria e que os torna dependentes. São os xifópagos, que são os embriões formados e ungidos pela anomalia que os liga através do peito um ao outro, no caso em referência, ligados por natureza às tetas da mamãe-Estado, fertilizada para a procriação de uma renca de rebentos. Forma-se, assim, a prole dos xifópagos adotados que os dois siameses terão de alimentá-los em todos os altos escalões da administração pública.

A fecundação dos xifópagos processa-se mais estranha do que o anormal. Pode acontecer na evolução da trompa, às vezes ocorrem implantações fora do útero, no ovário ou no abdômen e conseguem sobreviver incrivelmente em toda parte das entranhas da parideira dona-Estado. É a geração dos xifopageados que estão e não querem sair dos cargos do primeiro escalão. E há a genealogia dos xifopageados que estão de fora do ventre governamental, chorosos e dando birra para ganhar uma vaga de presente nas posições relevantes. Existem, claro, entre os que querem entrar e os que não querem sair da mesa oficial, exceções valiosas, mas em regra geral são poucos, muito poucos pertencem à estirpe dos que se oferecem ao sacrifício pessoal em benefício explícito para a coletividade. Tanta preocupação em cariciar inúmeros xifópagos é desperdício de tempo e investir no sem proveito. Eles não oferecem qualquer perigo físico à estrutura do governo, porque não passam de fantasmas que tão-somente assustam aos medrosos, mas não representam valor palpável para as exigências da realidade dos tempos modernos.

Os xifópagos de cima e os xifópagos de baixo representam, quase sempre, uma multidão sem povo nas urnas eleitorais. Mas a safra mais condenável da xifopagia é a que está engatada na máquina administrativa e se mantém mansamente ali há vários anos. Sem o menor desconfiômetro. Finge não estar percebendo o mal-estar que causa à montagem do novo governo. Saber que ela está sendo incômoda, isso ela sabe, até demais. Dissimula cara de vítima para comover, no mínimo, um bom remanejamento.

O decoro da decência e a ética da moral recomendam a praxe de, em toda transição de um governo para outro governo, que todos os auxiliares coloquem, por escrito, os cargos à disposição para que o novo governador tenha plena liberdade de montar a sua equipe ao seu estilo de gerir o Estado e de acordo com a sua visão a respeito das pessoas apropriadas para a prioridade de suas metas. Alguns aboletados nos cargos chegam ao desplante de insinuar a sua manutenção por várias razões políticas, quando, em verdade, o seu verdadeiro motivo é a absoluta falta de vergonha pessoal.

A pressão, acintosa e despudorada, dos que estão xifopageados ou se oferecem para xifopagearem-se nos altos cargos, deixa os dois progenitores numa situação desconfortável. O atual, contrariado, mostra-se calado à janela do poder, porque não pode dizer para o público que está com uma porção desses filhotes políticos atrás dele com as armas engatilhadas às suas costas. O ex-paizão da Casa Verde só está faltando passar a andar cá fora em carro blindado, para se proteger do assédio agarrativo de sua ninhada.

A filharada xifópaga desse e daquele siameses está passando da hora de levar uma boa surra com o pau do Pavilhão Goiano, ou, então, fazer um saco com o pano da nossa Bandeira, pôr todos esses papa-cargos dentro, amarrar bem a boca e jogá-lo naquele tanque seco às portas do Palácio das Esmeraldas para que eles o encham com a água das lágrimas de sua choradeira manhosíssima. Se tivessem um lapso de lucidez do ridículo de sua inconveniência, ouviriam voz de prisão da consciência.

Permanecer durante oito anos em um cargo e não se afastar voluntariamente é comprometedor, porque tira a confiabilidade do levantamento feito pelo próprio gestor da situação encontrada pelo sucessor. Da parte dos que movimentam articulações veladas para ficar, deixa-os suspeitos e, mantê-los, é conivência com o que houver. Da parcela dos que brigam para entrar, convidá-los sem o critério da competência e fundamentado no princípio de retribuir favores da campanha eleitoral, é correr o risco de se começar pior do que Coimbra Bueno terminou ruim o seu mandato – que o Jerônimo concluiu vulgarizado com o apelido de Biriba; e Biriba é como se nomina pejorativamente o cidadão Mula; ou, também, o jogo carteado em que se distribui, além das 11 cartas a cada jogador, mais duas mãos completas, que ficam à parte e constituem o Biriba propriamente dito, cujo objetivo é vencer com rapidez e descartar o Biriba inteiramente antes que os parceiros o façam. É a trapaça da esperteza.

Ninguém é tão bobo ao ponto de acreditar que os dois siameses não estejam se fingindo de bobos para fazer de bobos os que pensam que ambos são bobos de brigar no jogo que é seu e somente eles podem dar todas as cartas do baralho político.

Ocorre que o atual consorte da rica mãe-Estado é um jogador silencioso o observador, atento a cada lance feito. Muitos estão confundindo o seu jeito angustiado no poder do governo que recebeu de graça do ex-cônjuge da mesma senhora, como sendo o mundo cinza de um depressivo vivendo a realidade paralela. É, não. Cuidem-se, que é cautela medidíssima. Prudência pensada e repensada na preocupação de não pisar em nenhuma mina, que poderá explodir aos pés de outros, menos debaixo dele, mas cujos estilhaços poderão atingir seus passos durante a caminhada para chegar inteiro ao longo dos quatro anos.

Acontece que o ex-cônjuge da abastada mãe-Estado é um baralhador barulhentíssimo das cartas, de propósito para embaralhar o jogo, a fim de visualizar se não há outros baralhos escondidos, não só nos adversários, mas também nos parceiros, do jogo político. A maioria o considera imprudente às vezes. É, nada. Apronta um pampeiro danado para distrair a atenção nas rodadas e fazer o jogo perfeito e, com isso, tem ganho muitas jogadas com as cartas dos adversários a ele. Mas se ao cortar o baralho, não deixando o parceirão ganhar a jogada nas rodadas do Estado, os dois siameses acabarão perdendo o jogo para os xifópagos.

A sorte está lançada no jogo de um bancado pelo outro entre os dois parceiros das contas da mãe-Estado de Goiás. O braço desse terá de ficar imperceptível nas mãos do daquele. Não importam os aplausos nem as vaias, de onde vieram.

O ex-cônjuge não deve cometer a leviandade precipitada de gastar sua atenção com o alarde promovido pelo endividamento estadual, não somente porque a zoeira vem dos xifópagos, mais, principalmente, porque suas obras estão à vista e cobrindo, com sobra, o vazio musicado das contas.

Não deve se preocupar até com muitas das contas, ou as maiores delas, pois foram herdadas por ele. Todavia, caso não desencarne seu rosto da face do governo, estará expondo-se a ser responsabilidade se, porventura, o atual consorte vier a fracassar ao final do mandato.

O atual hospedado para os próximos quatro anos no casarão da mãe-Goiás, por sua vez, talvez o seu maior trabalho para o momento será tapar a boca dos assanhados que estão espalhando que as reservas estaduais estão raspadas até ao fundo dos próximos tachos de mel. Terá de agir duro e hábil, não apenasmente para evitar que o barulhão armado com as dívidas abale a credibilidade financeira do Estado na busca de recursos, ou de investimentos, federais ou no exterior. Mas precisa agir urgente e desmontar a central de boatos, sobretudo porque ele irá completar um ano como governador de Goiás no bem ali dia 31 de março, próximo. Essa cantiga não passa de uma zoada e comumente só tem muita audiência em início de mandato. Mas que, se houvesse sido entoada na época de sua posse, não teria sido eleito para governador.

Há duas verdades zunindo no inconsciente coletivo do povo goiano. A de que o primeiro siamês precisa desencarnar-se para o segundo siamês nascer, embora estejam sendo vitalizados pelo mesmo sangue que liga os dois organismos no corpo do poder. O fato de um estar precisando reunir todas as energias lúcidas da compreensão madura, não será o suficiente. Mas é necessário que o outro some todas as suas forças para encarnar-se em cada osso, em cada veia, em cada músculo, em cada fio de cabelo, em cada restante da carne, em cada ar das fadigas, em cada espinho nos passos, em cada enxugada das lágrimas, em cada molhado do suor do seu governo.

Batista Custódio, é editor do Jornal Diário da Manhã