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Opinião - 13/06/2008

Jornal Diário da Manhã - Opinião - Dia 13/06/2008

po Jayro Rodrigues* 

O Setor Recanto do Bosque parou na quinta-feira da semana passada, dia 5, por causa da ação de um adolescente que seqüestrou e manteve em cárcere privado uma jovem professora. Quase ao mesmo tempo, numa fazenda no interior do Estado, bandidos faziam reféns e roubavam veículos e dinheiro de moradores. No Rio de Janeiro, bandidos e policiais trocavam tiros. Um cemitério local interrompeu os velórios e os sepultamentos por receio de que parentes de mortos pudessem ser atingidos por balas perdidas.

Enquanto o pânico se espalhava país afora, contraventores, advogados e juízes eram interrogados nas sedes das Superintendências da Polícia Federal, em todos os Estados, suspeitos de integrar a máfia que operava ilegalmente máquinas caça-níqueis; de outra especialista na compra de decisões no Poder Judiciário; outra cuja ação consistia na lavagem de dinheiro e tráfico de influência. A barbárie nas ruas e a infiltração do crime organizado nas instituições são faces diferentes do mesmo problema: a assustadora banalização da violência em curso na sociedade brasileira. O dinheiro da corrupção financia o crime, armando quadrilhas e sustentando o tráfico que mata nas ruas e se infiltra nas instituições que deveriam garantir segurança ao cidadão e punição aos culpados.

O custo para o País é enorme, seja em perdas de vidas, em gastos com tratamento de saúde de vítimas de violência, seja em despesas com segurança, em pagamento de pensões e em desestímulo à atividade econômica. O tamanho desse rombo era apenas estimado, já que somente três grandes cidades brasileiras – São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte – tinham sido pesquisadas. Mas a lacuna acaba de ser preenchida. Pela primeira vez, graças a um trabalho de dois anos do Grupo de Estudos da Violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo federal, o custo da violência no Brasil pôde ser calculado com método e rigor científico. Resultado: o crime corrói cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB)- conjunto de todas as riquezas produzidas pelo País em um ano. Em 2004, ano-base do estudo do Ipea, a perda foi de R$ 92,2 bilhões.

Essa conta equivale à soma dos recursos gastos com segurança pública e privada, despesas hospitalares (internações e atendimento ambulatorial), roubos e perdas de vidas. O número foi obtido depois de uma exaustiva compilação e cruzamento de dados de registros policiais, pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ministério da Saúde, entre outras fontes. A cifra de R$ 92 bilhões representa o quádruplo dos gastos do governo federal em educação neste ano - R$ 27,6 bilhões é a previsão orçamentária do Ministério da Educação, segundo o site Contas Abertas. A conta pode ser considerada conservadora. Por falta de dados confiáveis, o estudo do Ipea excluiu fatores que poderiam elevar ainda mais o preço da violência, como custo judicial, perdas imobiliárias e gastos com investigações.

Calcular o preço da violência é uma tarefa complexa porque há danos incomensuráveis, cujas conseqüências só as vítimas podem medir. A dor de perder alguém é o exemplo mais evidente. Mas o estudo traz uma estimativa sobre as perdas de capital humano sofridas pelo setor privado, provocadas pelas mortes de pessoas que foram vítimas da violência: R$ 23,8 bilhões. Trata-se de uma projeção da renda potencial que deixou de ser produzida pela sociedade por causa da interrupção precoce de vidas. "O custo social da violência é um indicador da redução de bem-estar da sociedade", diz o economista Daniel Cerqueira, do Ipea, um dos autores do estudo.

Qual é a finalidade de um estudo como esse? O trabalho pretende orientar os gestores de políticas públicas. Com seu aprofundamento, será possível saber, de antemão, se um programa voltado para jovens infratores é mais eficiente que uma ação de policiamento na mesma comunidade e tomar decisões não mais com base na improvisação. É assim que funcionam as políticas públicas nos países mais desenvolvidos, onde zelar pela aplicação do dinheiro público não significa apenas atender à lei, mas à regra de eficiência máxima na gestão dos recursos - a mesma que pauta a iniciativa privada.

Além da explosão da criminalidade, um dos problemas mais graves da segurança pública no Brasil é a má aplicação do dinheiro destinado ao setor. Entre 1995 e 2005, o conjunto dos investimentos públicos em segurança pública aumentou de R$ 20 bilhões para R$ 28 bilhões. Desde os anos 90, os gastos com segurança pública de Estados e municípios, respectivamente, têm aumentado a uma taxa anual de 4,4% e 5,7%. Ainda assim, entre 1980 e 2004, o número de assassinatos cresceu 5,6% ao ano. “As autoridades só falam em aumentar efetivos ou viaturas, mas esse caminho segue para a exaustão”, diz Alexandre Carvalho, do Ipea, outro autor do estudo. “Jogar dinheiro para sufocar a violência não está adiantando. É preciso sentar e entender o que fazer.”

Ou não se deterá nunca essa caudalosa ascensão da atividade criminosa no Brasil: uma ação a um custo astronômico, além de vidas preciosas, nas mortes precoces, muitas provocadas pelo imponderável da bala perdida, e que constituem perdas que não têm valor material, por maior que ele possa ser projetado pelas pesquisas sociais e pelas estatísticas econômicas.

* Jayro Rodrigues é jornalista e escreve às sextas-feiras neste espaço