Artigos UGOPOCI

Deu na Revista Época - 16/06/2008

CLÁUDIO GRADILONE

O brasil não é o único país do mundo às voltas com a questão dos impostos. A diferença, porém, é que dezenas de países não estão paralisados na discussão sobre qual reforma fazer.

Eles agem. Apenas nos últimos três anos, 65 países reformaram seus sistemas tributários, 31 deles no ano passado, de acordo com uma pesquisa do Banco Mundial e da consultoria PriceWaterhouseCoopers. A maior parte das mudanças seguiu a direção de reduzir as alíquotas dos tributos e simplificar as normas. Parece um contra-senso: por que tantos governos adotariam a postura de cobrar menos por seus serviços? O raciocínio por trás dessas reformas é duplo: primeiro, há a convicção de que parte dos serviços prestados pelo Estado seria mais adequadamente feita pela iniciativa privada. Com menos gasto, o Estado não precisaria receber tanto. Em segundo lugar, há a hipótese de que, ao diminuir impostos, mais gente empreende, as empresas se tornam mais competitivas e vendem mais, e, mais ricas, acabam contribuindo mais para os cofres do governo – embora a porcentagem sobre o total faturado seja menor.

Foi esse tipo de reforma que fez o sucesso da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher e do presidente americano Ronald Reagan, nos anos 80. A economia do Reino Unido e a dos Estados Unidos deram um salto de qualidade quando o governo retirou obstáculos que emperravam a ação das empresas. A receita tem dado certo na República Tcheca, onde, após um corte drástico de alíquotas nos últimos três anos, a arrecadação de impostos aumentou em 2%. Muitas vezes o corte de imposto é provocado pelas reformas nos países vizinhos. As mudanças tributárias realizadas no Leste Europeu forçaram vários países da Europa Ocidental a adotar a mesma estratégia, para manter a competitividade de suas empresas.

Como explicar o aparente paradoxo – cobrar menos e receber mais? “Os melhores sistemas tributários são os mais simples”, diz Norbert Walker, economista-chefe do Deutsche Bank em Frankfurt. “Quanto maior a sofisticação, mais brechas. E, quanto mais brechas, menos arrecadação.” Sofisticar indefinidamente a cobrança de impostos para prever todas as situações possíveis é entrar numa corrida de gato e rato com os departamentos financeiros de inúmeras empresas, sempre alertas para encontrar formas de pagar menos imposto. A saída é simplificar e, ao mesmo tempo, ampliar o número de contribuintes. Claro, falar é muito mais fácil que fazer.

O complexo sistema político brasileiro confronta interesses de 27 Estados e, embora todos tenham a ganhar com a reforma no longo prazo, devido ao aumento de arrecadação e ao impulso na atividade econômica, no curto prazo há vencedores e perdedores – e ninguém quer ser o perdedor de agora.

Walker cita os exemplos de alguns países do Leste Europeu. Na transição das economias planejadas para as economias de mercado, a partir de 1990, esses países tiveram de aprender a cobrar imposto. Alguns, como a República Eslovaca, se aventuraram a aplicar uma alíquota única. Em 2004, o país reduziu todo o seu sistema tributário federal a três impostos: um tributo sobre a renda das pessoas, outro sobre o lucro das empresas e um Imposto de Valor Agregado (IVA), semelhante ao ICMS brasileiro. Todos com uma só alíquota de 19%. Criar uma tarifa única, desde que baixa, estimula a migração de atividades informais para o setor visível da economia e torna a fiscalização mais eficiente. “Só quem saiu perdendo foram os contadores e os consultores tributários, que deixaram de ter uma boa fonte de renda”, diz Walker. As mudanças avançaram, e o país agora estuda alíquotas únicas para os impostos municipais.

O relatório do Banco Mundial demonstra claramente que impostos em cascata sobre as vendas – como os que existem no Brasil – são responsáveis pelo elevado porcentual de imposto em países africanos como Gâmbia, República Sul-Africana, Serra Leoa, Burundi e Mauritânia. Em termos comparativos, as empresas da África Subsaariana, uma parte do mundo cujos indicadores de desenvolvimento ninguém inveja, são oneradas pela maior carga tributária média do mundo: 70% de seu lucro vai para o governo. Os países da América Latina e o Caribe registram a terceira maior carga tributária média do planeta. Na região, os impostos de renda são o componente mais importante da tributação das empresas.

Outra conclusão do estudo do Banco Mundial é que facilitar a vida do contribuinte gera resultados. Empresas em Belarus têm de realizar 129 pagamentos no ano, ao passo que as suecas acertam todas as suas pendências – Imposto de Renda, Imposto sobre Valor Agregado, Imposto sobre Propriedade e contribuições trabalhistas – por meio de um único formulário on-line. Não surpreende que a informalidade em Belarus seja superior à na Suécia.

Nesse aspecto, o Brasil está mal. Muito mal. Somos o país com maior burocracia do mundo no que se refere a pagar impostos. Uma empresa média gasta, segundo os cálculos da Price, 2.600 horas de trabalho para atender às exigências do Fisco. Na Nigéria, são 1.120. Na Suíça, 63. Não apenas os impostos consomem a eficiência das empresas, o próprio tempo que eles drenam se traduz em menos produtividade.

O processo de cálculo dos impostos é extremamente complicado, o que obriga as empresas a manter funcionários exclusivamente dedicados ao acompanhamento e à obediência das regras tributárias. Igualmente, a obrigatoriedade de comprovação de regularidade tributária para obtenção de empréstimos, participação em licitações e solicitação de incentivos fiscais aumenta a burocracia e cria obstáculo ao desenvolvimento dos negócios. Por isso, o Banco Mundial não hesita em aconselhar o Brasil a realizar urgentemente sua reforma tributária. “O Brasil está na contramão dos demais países”, diz um especialista em tributos. “A proposta de reforma fiscal até avança na simplificação de alguns tributos, mas não discute a sério redução de alíquotas e ampliação das facilidades para as pequenas empresas.”

A única citação elogiosa ao Brasil no relatório do Banco Mundial é para o Simples. Nesse sistema, o país se aproximou do que tem sido feito no exterior. Ao unificar diversos impostos e contribuições em um só tributo, com uma alíquota inferior à média, o governo federal conseguiu elevar em 13% o número de empresas de varejo formais. Uma miríade de bares, lanchonetes e padarias que funcionavam sem pagar impostos – e que não podiam tomar decisões simples, como abrir uma conta em banco e ter acesso a crédito – passou para o lado formal da economia. E seus empregados também puderam ser registrados, o que elevou a entrada de recursos nas contas do governo. Apesar do sucesso desse exemplo, a ampliação do Simples não está sequer em discussão nos principais projetos de reforma tributária do país, a não ser como uma invectiva sem propostas concretas.

Além de complicado, o sistema tributário brasileiro perde em eficiência quando comparado ao de outros países. Analisemos, por exemplo, as tributações para a Pessoa Física no Brasil e nos Estados Unidos. No caso brasileiro, uma grande parcela da população é isenta de imposto. Nos Estados Unidos, quem ganha menos de US$ 12 mil por ano – considerado por alguns autores como situado abaixo da linha de pobreza – terá de pagar 10% de Imposto de Renda, sem parcela dedutível. Essa severidade é atenuada por diversos incentivos ao investimento. “O contribuinte pode deduzir melhorias na casa ou os juros de uma segunda casa do imposto a pagar”, diz o consultor-financeiro americano Peter Sander, autor de The Personal Finance Handbook (O Guia das Finanças Pessoais), não lançado no Brasil. “Quem abre uma empresa pode lançar diversos gastos como empresariais e deduzi-los.” Comparando-se os dois sistemas, diz Sander, nota-se que o contribuinte americano tem muito mais incentivo para criar uma empresa – gerando empregos e renda – que o cidadão brasileiro. “O princípio que rege essa estrutura tributária é que quem inicia um negócio deve ter apoio da comunidade, por meio de um alívio dos impostos nos primeiros anos de funcionamento.” Se a empresa prospera, o país e seus cidadãos lucram com ela. Essa idéia – deixar as pessoas e empresas prosperar, para depois cobrar a ajuda dada a elas – está na essência da reforma tributária de que o Brasil precisa. Fonte: revistaepoca.globo.com