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Sistema Prisional - 22/06/2008

por Josias de Souza

Nos últimos anos, pelo menos 20 milhões de brasileiros pobres subiram o elevador. Migraram das classes “D” e “E” para o andar “C” da pirâmide social. Captado pelo confiável Datafolha, o movimento converteu-se em algo que os cientistas sociais costumam apelidar de “dado da realidade”.

Arrisca-se a perder votos o candidato que for à campanha presidencial de 2010 esgrimindo ataques a iniciativas como Bolsa Família.

Um oposicionista que queira prevalecer sobre o candidato oficial terá de levar ao palanque agenda com a cara daquilo que o tucano Aécio Neves chama de “pós-Lula”.

O balaio do pós-Lula pode incluir temas variados. Por exemplo: saídas para a encrenca do SUS ou a resolução do teorema que condena o aluno da escola público a uma educação medíocre.

De permeio, insinua-se, assanhado, o flagelo da segurança pública. E, no miolo dele, o problema do descalabro dos presídios.

No Brasil, não há lista de temas que interessam à população que não inclua a criminalidade. É questão obrigatória.

Em matéria de insegurança, exausto de tanto debate, o brasileiro imagina-se diante de dilema sem solução. Engano. Na verdade, o país ainda nem enxergou o problema.

Pior: talvez não queira enxergar. Cabe aos candidatos iluminar a questão. Pede-se mais polícia e mais presídios. Como se a cadeia fosse o fim do problema. Bobagem.

É no cárcere que o problema começa. Desnecessário qualificar as cadeias brasileiras. Qualquer zoológico oferece estadia mais decente.

Tratado assim, como sub-bicho, o preso vira fera. E, como não há no país nem pena de morte nem prisão perpétua, o animal bravio está condenado a ganhar as ruas.


Documento elaborado pelo TCU e repassado às principais autoridades da República em janeiro de 2003 informa: 70% dos 295 mil presos brasileiros são reincidentes.

Os auditores do tribunal desceram aos cárceres. Analisaram dados disponíveis até 2002. Hoje, a população carcerária passa de 420 mil detentos. E a realidade não se alterou. Ao contrário. Agravou-se.

A violência no Brasil não é fruto de improviso. Bem ao contrário. Nossas cadeias são deliberadamente estruturadas como escolas do crime.

Na semana passada, o “Jornal da Globo” levou ao ar reportagens que atestam o aprofundamento do abismo carcerário.

Reiteram-se fenômenos que o brasileiro conhece à saciedade: celas superlotadas, agentes penitenciários corruptos e o drama dos filhos da delinqüência hospedados em cárceres femininos, junto com as mães.

Uma vez mais, restou demonstrado que a clientela dos três “Ps” –pretos, pobres e putas—é tratada como sub-raça, sobra do mercado.

O país ainda os vê como seres que não são, entes que já eram, espermatozóides que, por inviáveis, não merecem a chance de dar certo.

Os detentos são a prova documental da existência de algo que não existe. Números sem cara. O ócio à revelia. A queda sem fim. O caos levado às últimas conseqüências.

A fase do pós-Lula parece exigir a aparição de um bom lote de presidiários chiques. Corruptos e corruptores de alto calibre.

Gente que, recolhida ao calabouço, tenha voz para exigir o aprimoramento das instalações e dos serviços da hotelaria carcerária.

Imagine-se, por exemplo, os efeitos benignos que resultariam da eventual deportação do sem-banco Salvatore Cacciola, hoje recolhido a uma cadeia de Mônaco, com vista pro mar.

Submetido às condições inóspitas de uma carceragem do Rio, Cacciola decerto organizaria um motim de refeitório. Exigiria, além de uma quentinha decente, um cardápio que incluísse vinho de boa cepa.

“Um Borgonha, um Bordô!”, gritaria o ex-dono do Marka. Pode-se prever que, se não vier um habeas corpus relâmpago, as cadeiras brasileiras não tardarão a experimentar um súbito e sensível aprimoramento de gestão. Fonte: Blog do Josias de Souza