Jornal Opção - Destaques - De: 29 de junho a 05 de julho de 2008
HÉLMITON PRATEADO - Em Brasília
Carlos Gandra/CLDF |
Eliana Pedrosa, deputada distrital do DEM: "Durante todo ano de 2007 não foi feita qualquer fiscalização nas funerárias" |
A empresa Campo da Esperança, que tem a concessão para administrar os seis cemitérios do Distrito Federal poderá perder o serviço por irregularidades cometidas. A retirada da concessão deverá ser sugerida pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Legislativa do DF que investiga os serviços de óbitos em Brasília.
Para o deputado distrital Rogério Ulisses, presidente da CPI, esta deverá ser uma sugestão natural da comissão e um processo natural de depuração do "mercado da morte" no DF. Ele faz uma ressalva para a retirada da concessão: "o fim da terceirização concedida à Campo da Esperança deverá acontecer em um nível que não provoque qualquer obrigação de indenização ao GDF, pois não há o menor cabimento a sociedade ainda ser obrigada a indenizar essa empresa, o que seria uma premiação."
Uma das alternativas para que a concessão seja sumariamente cassada poderá ser a comprovação de que a empresa sonega tributos, omitindo seu real faturamento. A CPI está em investigando em parceria com o Tribunal de Contas do DF e a Secretaria da Fazenda as suspeitas de que a empresa Campo da Esperança não declarasse integralmente o faturamento com os serviços nos cemitérios e em função disso a arrecadação da alíquota de 5 por cento não fosse recolhida corretamente. O faturamento estimado da Campo da Esperança é de 16 milhões de reais ao ano.
A composição da CPI é heterogênea, mas a maioria é composta de opositores ao governo. Além do presidente Rogério Ulisses (PSB) estão na comissão os deputados José Antônio Reguffe (PDT), Érica Kokay (PT) e os governistas Brunelli (DEM) e Benício Tavares (PMDB). Essa correlação provocou o retorno da deputada Eliana Pedrosa (DEM) à Câmara Legislativa. Ela deixou a Secretaria de Desenvolvimento Social para falar à CPI na condição de deponte, depois que foram levantadas suspeitas contra ela de inoperância na fiscalização dos cemitérios e funerárias, além de fortes suspeitas de corrupção envolvendo seus auxiliares diretos na Secretaria.
A autora requerimento para que Eliana fosse convocada a depor, Érica Kokay, contava com o voto do deputado Reguffe e sabia que teria a oposição dos dois emissários do governador Arruda na CPI. O presidente Rogério Ulisses avisou que se fosse necessário proferir seu voto de desempate seria para manter a convocação de Eliana Pedrosa. Um deputado da base do governo comentou que o governador José Roberto Arruda manifestou desejar que Eliana comparecesse à CPI na condição de deputada e não de integrante do governo.
Sociedade
Eliana Pedrosa deixou a secretaria e reassumiu sua cadeira na Câmara Legislativa e na segunda-feira, 23, foi inquirida pela CPI. Ela confirmou que fazia parte da composição societária da Dinâmica que integrou o consórcio vencedor da licitação para administrar os cemitérios. Entretanto, disse ela, sua participação era minoritária e que não tinha ingerência sobre os negócios da empresa. Eliana saiu pela tangente em seu depoimento ao não explicar a razão da Campo da Esperança, da qual a Dinâmica fazia parte, ter assinado o contrato de concessão com um capital de apenas 10 mil reais, em inteira afronta ao edital da licitação. Os deputados argumentaram que faltou transparência ao gestor público que permitiu isto e aos sócios que sabiam da burla à legislação.
Outras informações prestadas pela deputada revelaram incoerência na atuação. Ela disse que sua atuação à frente da Secretaria de Desenvolvimento Social se primou pela fiscalização aos serviços funerários e cemitérios, inclusive pela regulamentação do setor. Entretanto, foi sob sua administração que ocorreram os maiores desmandos da Campo da Esperança, como remoção de sepulturas perpétuas e ossários clandestinos. Sob sua gestão as funerárias agiram sem qualquer fiscalização, principalmente na chamada "máfia dos hospitais", que consistia em parcerias das funerárias com pessoas de hospitais para informar óbitos tão logo acontecessem para que os serviços fossem captados sem dar chance às famílias de escolher qual empresa cuidaria dos preparativos para sepultamento.
A CPI descobriu também um comércio macabro de caixões que eram doados para entidades filantrópicas e depois de desviados eram vendidos, bem como a comercialização clandestina de órgãos para cursos técnicos da área de tratamento de cadáveres. Tudo sob a "fiscalização" da Secretaria comandada por Eliana Pedrosa.
Antes que deixasse a secretaria Eliana Pedrosa viu seus poderes serem retirados pelo governador. Primeiro a atribuição de políticas de trabalho e renda que foram destinadas a uma secretaria criada para esse fim. Na última semana em que ocupou o cargo Eliana teve o dissabor de não ser mais responsável pela fiscalização dos cemitérios, por ordem do governador Arruda. De sócia a fiscalizadora inerte ela passou a mera espectadora do "mercado da morte", sem qualquer atribuição.
Quando perguntada pelo deputado Reguffe sobre fiscalização da Secretaria de Desenvolvimento Social nas funerárias em 2007 a resposta de Eliana Pedrosa foi reveladora: "Em 2007 não foi feita nenhuma fiscalização". As razões segundo a deputada foram a falta de regulamentação do setor, a equipe de fiscais reduzida e que optaram por chamar os empresários um a um para "trazê-los à legalidade". Se havia ilegalidade e a Secretaria deveria fiscalizar o mais fácil era fechar as que estavam irregulares e até sem alvará. A falta de vontade da secretaria comandada por Eliana Pedrosa em 2007 foi tamanha que nenhuma multa foi gerada para as funerárias, como ela mesma confessou na CPI.
Contas
Na quinta-feira, 26, a CPI teve sua última sessão ordinária antes do recesso legislativo de julho. Foi feita uma prestação de contas, como classificou o deputado Rogério Ulisses, presidente da CPI, para que a sociedade de Brasília tomasse conhecimento das graves irregularidades que vinham sendo cometidas nos serviços de funerárias e cemitérios do DF.
Alguns resultados práticos começaram a surgir com as investigações da CPI. O corregedor-geral do Distrito Federal, Roberto Giffoni na quinta-feira, 12, que o governador Arruda decidiu intervir na questão para conter os abusos. "Será formada uma força-tarefa com representantes do Procon-DF, Anvisa, Receita Distrital e consultores diversos para apurar todas as denúncias". Se comprovadas as irregularidades a empresa Campo da Esperança poderá até mesmo perder a concessão.
No cemitério do Gama, onde os deputados descobriram um depósito clandestino de ossos, o governo decidiu retirar a gestão da Campo da Esperança e nomear um interventor. O objetivo é evitar o desaparecimento de provas das irregularidades e cessar de imediato os abusos.
O setor de funerárias, que nunca teve qualquer regulamentação no DF, desde a construção de Brasília, deverá passar por uma depuração agora. Com prazo marcado para a primeira semana de julho deverá ser publicado o edital de licitação para concessão dos serviços.
O GDF anunciou também que serão construídos três novos cemitérios no DF para normalizar o sistema. O governador José Roberto Arruda manifestou através de seu secretário a intenção de atender três regiões distintas do DF que não contam ainda com esses serviços: Recanto das Emas, Ceilândia e Paranoá.
Os trabalhos da CPI serão retomados em agosto, mas se surgir algum fato novo os distritais poderão se reunir mesmo durante o recesso e continuar os trabalhos.
Para o deputado Rogério Ulisses a principal conseqüência dos trabalhos da CPI deverá ser uma regulamentação dos serviços de cemitérios e funerárias no DF. "Considero que já existam elementos para construir um conjunto de normas que regulamentem o setor e que possam melhorar esses serviços. Isto será um marco na efetividade de comissões de inquérito".
A maior presença fiscalizadora do poder estatal também deverá ser mais sentida com os trabalhos da CPI. Ulisses considera que a grande parte dos abusos cometidos pelas empresas do "mercado da morte" aconteceu justamente porque ficou um vazio de fiscalização estatal.
Outro deputado com destacada atuação na CPI, José Antônio Reguffe, também considera que o governo tenha sido omisso na fiscalização das funerárias e na terceirização dos cemitérios. "No setor de funerárias, em especial, há uma anarquia, com cada um fazendo o que quer. Há um alto índice de sonegação de impostos, já que ninguém fiscaliza por isto ninguém paga e há uma total falta de regulação. Quem é prejudicado com isto é a população".
Reguffe considera também que o Distrito Federal ainda está longe de desbaratar a máfia de advogados e donos de funerárias nos desvios de seguros do DPVAT, o seguro pago para vítimas de acidentes automobilísticos. "Esse mercado criminoso funcionava sem qualquer conhecimento da população. A CPI teve papel preponderante para desmascarar isto e permitir que as autoridades intervenham fazendo cessar esse abuso".
Em um dos depoimentos colhidos pela CPI os deputados descobriram que um único advogado tinha em seu poder cerca de 300 procurações para receber o valor pago pelo seguro, que é de 13.500 reais. Com esse dinheiro ele pagava a despesa da funerária e de sepultamento e ficava com o restante, a título de "honorários advocatícios".
O deputado Brunelli disse que a Câmara Legislativa, através da CPI, está "resgatando uma dívida histórica com a sociedade" e fazendo com que o Estado cumpra sua função de agente regulador de um serviço essencial. Brunelli quer que os deputados visitem outros Estados para conhecer a política pública do setor de funerárias e cemitérios e sugerir que seja implantado no DF um serviço de excelência.