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Opinião - 12/11/2008

Diário da Manhã - Opinião - Dia 12/11/2008

Manoel Borges de Oliveira*

Vejo com certa preocupação que a Polícia Militar Brasileira, que tem como atribuição constitucional o serviço ostensivo-preventivo e a manutenção da ordem pública, vem realizando em alguns Estados da Federação tarefas que são de competência exclusiva da Polícia Civil, quais sejam: investigar, postular medidas cautelares, etc. Cabe à Polícia Civil a apuração das infrações penais. Enquanto aquela é ostensiva-preventiva, esta é polícia repressiva.

Hodiernamente, as polícias militares de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Alagoas, Rio Grande do Sul, Sergipe e Rio Grande do Norte já estão realizando em suas unidades militares o registro do Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), procedimento criado com o advento da Lei nº 9.099/95, para os crimes de menor potencial ofensivo, inspirada por nossos constituintes de 1988, quando previram no Artigo 98, inciso I, de nossa Carta Política, a criação de Juizados Especiais, para o julgamento e a execução de causas cíveis e penais de menor potencial ofensivo, mediante procedimentos que pudessem dar maior rapidez e celeridade, naqueles casos em que, não raro, eram alcançados pelo instituto da prescrição, que resultavam na impunidade de muitos infratores.

É sabido e consabido que existem outros segmentos que estão de olho no inquérito policial, ferramenta importante que detém a Polícia Civil, com exclusividade, corolário da sua atribuição constitucional. É através dele que se materializa, formalmente, a conduta criminosa e suas circunstâncias, levando os elementos probatórios à livre apreciação do julgador e, bem assim, fornecendo as informações imprescindíveis para que o órgão ministerial proponha a ação penal, por intermédio da denúncia.

Cerca de noventa e nove por cento (99%) das condenações na Justiça Criminal resultam graças a esse importante instrumento.

A minha preocupação, repito, é que, pelo andar da carruagem, não tardará todos esses trabalhos, que são afetos à Polícia Judiciária, aos poucos vão sendo açambarcados por outras instituições e não vejo uma reação mais contundente por parte daqueles que, como eu, defendem, intransigentemente, nossa instituição. Vejo que estamos silentes e sem ação, vendo esse processo, dia após dia, se avançando. A propósito, o ilustre comandante geral da Polícia Militar do Estado de Goiás, Cel. PM. Edson Costa Araújo, a quem muito admiro pela competência e o alto brilho cultural, já ter se manifestado partidário da regulamentação do registro de TCOs, por parte da Polícia Militar goiana, segundo ele, “auxílio” oferecido pela PM.

A meu ver, esse auxílio seria bem-vindo se o comandante adotasse uma postura organizacional mais proativa, ou seja, reduzindo o serviço burocrático de seus comandados e aumentando o contingente policial militar nas ruas, para prevenir e combater, eficazmente, as ações criminosas, realizando, desse modo, a tão reclamada e necessária segurança pública de nossa sociedade e do cidadão.

Sucede, no entanto, que aos poucos aquilo que é de nossa atribuição vai sendo sutil e paulatinamente, digamos, à guisa de “cooperação”, realizado por outros segmentos; logo, a Polícia Civil, em breve, deixará de ser útil, porquanto, o seu mister já poderá ser realizado, sem restrição, por outras corporações. E sendo desútil, não há como subsistir, enquanto instituição. Será o fim desta.

E aqui, sem ferir suscetibilidades, me vem à lembrança um trecho do poema do escritor e poeta fluminense Eduardo Alves da Costa, intitulado Caminhando com Maiakovski, o qual permita-me transcrevê-lo:

“Na primeira noite, eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada.

Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.

E não podemos dizer nada.”


* Manoel Borges de Oliveira é delegado de Polícia - Titular do 8º Distrito Policial e professor da Academia da Polícia Civil