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Opinião - 20/11/2008

Diário da Manhã - Opinião - Dia 20/11/2008

* Manoel Borges de Oliveira

Além do óbice legal, a Polícia Militar defrontará com outros óbices inexpugnáveis, que dificultarão sobremaneira, por parte daquela, a consecução na lavratura do TCO; alguns destes, passo agora a enumerá-los.

O primeiro óbice – que a Polícia Militar vai encontrar, na hipótese de alcançar o seu grande desiderato, que é tornar-se feitora de TCO – é quando se fizer necessária a requisição de perícia, como diligência complementar do procedimento, aliás, muitos são esses casos.

A requisição de perícia é ato próprio da Autoridade Policial ou Judiciária (Art. 178 - CPP), porque implica em exigência legal para com aquele que encontra-se a esta subordinado, no caso, os Peritos-Oficiais, e é evidente que os senhores peritos-oficiais não vão atender requisições inquinadas de nulidades, porquanto emanadas de autoridade incompetente.

O segundo óbice, ainda mais evidente, trata-se da inquirição de testemunhas e das partes envolvidas no TCO, ocorrentes sempre que o representante do Ministério Público, para formar a opinio delicti, devolve o procedimento à delegacia de origem, para tal finalidade.

Embora em sede de TCO, não há que falar em inquirição de testemunhas e das partes, uma vez que tais diligências são realizadas perante o juizado especial criminal competente (§ 3º, Art. 78 da Lei nº 9.099/95), a Polícia Civil do Estado de Goiás vem colaborando com o Ministério Público, sem opor resistência no cumprimento das cotas requestadas, nesse sentido.

Ora, é cediço que à luz do Código de Processo Penal, são duas as únicas autoridades que têm poder de coerção sobre pessoas e coisas, que dispõem de poder de polícia. A primeira é a Autoridade Judiciária; a segunda, a Autoridade Policial, por delegação do Estado-Administração, podendo estas, discricionariamente, restringir certos bens jurídicos alheios, como ordenar prisões, buscas, apreensões, arbitrar fianças, intimar testemunhas, inquirir, reinquirir, expedir mandado de condução coercitiva, no caso de recalcitrantes, requisitar exame pericial, etc., evidentemente, sob o pálio da lei.

Pergunta-se: como vai ser possível o policial militar, desvestido de tal prerrogativa estatal, proceder na confecção de TCO, na sua plenitude, se lhe é defeso exercer esse poder de coerção? O crucial é que, somando-se a isto, lhe falta conhecimento técnico-jurídico, indispensável para elaboração adequada de TCO, que mais tarde servirá de instrução do possível Processo Penal.

Demais disso, os fatos geradores de TCO, previstos na Lei nº 9.099/95, considerados crimes de menor potencial ofensivo, mormente os de ameaça, injúria, difamação, danos materiais, importunação do trabalho e sossego, vias de fato, etc, raramente o autor é encontrado em situação de flagrante, resultando daí que as vítimas acabam por recorrer às delegacias, para o registro do TCO, sendo o autor intimado, posteriormente, pela Autoridade Policial, a fim de ser qualificado; assinar o Termo de Compromisso, para comparecimento em audiência preliminar e, se quiser, apresentar sua versão. O ilustre Cap. PM Gladstone dos Santos Albernaz, na sua ótica simplista e por, certamente, desconhecer a dinâmica nesses procedimentos de TCOs junto às delegacias, sugere na sua missiva do dia 18 último, sob a rubrica Registros de TCO, que é possível resolver tudo isso na rua, a céu aberto, por ocasião da abordagem. Ledo engano, pode ser até humanamente compreensível a sua molição, contudo, é funcionalmente impossível, descabido e despropositado este “adjutório” que, generosamente, a nossa co-irmã quer emprestar à Polícia Civil.

Ora, é no mínimo ilógico o raciocínio daqueles que são partidários deste mister, por parte da Polícia Militar, em admitir que tal procedimento seja feito na rua por policiais militares, sem qualquer qualificação técnico-profissional. É um desrespeito ao cidadão, que já é espoliado por pesados tributos. O contribuinte deve merecer do Poder Público o mínimo de dignidade naqueles serviços que são essenciais ao Estado, como a Segurança, a Saúde Pública e a Educação. A propósito, como vai a Saúde Pública neste País? Esse é tema para um outro artigo.

Voltando ao eixo central da questão, infelizmente o alto prócere da Polícia Militar brasileira, na busca obstinada para conseguir legitimidade na confecção de TCO, deixa passar aos olhos da sociedade a falsa percepção de que a Polícia Civil tem sido intransigente em não aceitar esse “adjutório” pela co-irmã, em detrimento daquela, o que não é verdade.

A realização de TCO pela Autoridade Policial – e aqui, por Autoridade Policial entende-se Delegado de Polícia – resulta de injunção legal (Art. 69 da Lei nº 9.099/95).

Os princípios norteadores do TCO, quais sejam celeridade, simplicidade, oralidade e informalidade, não são sinônimos de Termos Circunstanciados de Ocorrências incompletos, mal instruídos, não circunstanciados e confeccionados na rua por autoridade incompetente. O que a sociedade espera e aspira é ver reduzido o índice da violência e da criminalidade, que aflige, amedronta e nos tira a possibilidade e a perspectiva dos tão bons e decantados dias com que todos nós sonhamos.

Como Autoridade Policial, mas, antes, como cidadão que sou, membro desta sociedade, aspiro e espero, outrossim, que inobstante isto, há de prevalecer a convivência harmoniosa e a política de integração entre ambas as corporações, que fazem de Goiás exemplo modelar para os demais Estados da Federação.

* Manoel Borges de Oliveira é Delegado de Polícia, Titular do 8º Distrito Policial e professor da Academia da Polícia Civil