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LEI MARIA DA PENHA E SEUS VARIADOS ASPECTOS - 04/04/2007

No dia 07 de agosto de 2006 foi sancionada pelo Presidente da República a Lei nº. 11.340/2006, também batizada simbolicamente de Lei Maria da Penha.¹

Esta lei é resultado de anos de luta do movimento feminista e de debates, audiências públicas e negociações entre governos e o movimento de mulheres. Ela representa um avanço legislativo, construído com a participação efetiva das mulheres brasileiras e da sociedade em geral, por isso, uma vitória democrática.

Houve um longo processo de discussão a partir da proposta elaborada por um consórcio de Organizações não governamentais – ONGs, tais como DVOCACY, AGENDE, CEPIA, CFEMEA, CLADEM/IPÊ e THEMIS. A proposta foi discutida e reformulada por um grupo de trabalho interministerial, coordenado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, e enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional.

Através da relatoria do projeto de lei foram realizadas audiências públicas em assembléias legislativas das cinco regiões do país, ao longo de 2005, que contaram com a intensa participação de entidades da sociedade civil e resultaram em um substitutivo acordado entre a relatoria , o consórcio de ONGs e o executivo federal que terminaria aprovado por unanimidade no Congresso Nacional e sancionado pela Presidência da República.

Com o advento da Lei 11.340- Maria da Penha, o Brasil dá cumprimento aos acordos firmados com a Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (também conhecida como Convenção de Belém do Pará), da OEA, ratificada pelo Estado brasileiro há 11 anos, bem como com a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW)², da ONU.

E, segundo a Ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres - Nilcéa Freire, “Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência”. Sendo este o nosso desejo que deva ser também o nosso compromisso.

O objetivo deste trabalho de pesquisa é apresentar a Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha e seus variados aspectos, inovadores e retrocedentes, como a retirada dos processos da justiça consensuada.

Com o advento da Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006 – Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, também conhecida como “Lei Maria da Penha”, proporcionou-se a este setor da sociedade um “amparo” que há muito se esperava do Estado.

A Lei que trata com maior rigor as infrações penais praticadas contra a mulher no âmbito doméstico, familiar e íntimo, veio para atender aos anseios femininos de que ainda há justiça e que os infratores não mais serão beneficiados pelos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95, conforme prevê o art. 41 da nova Lei.

Esta Lei veio dar uma resposta contra a sensação de impunidade despertada na maioria da sociedade, principalmente a menos abastada econômica e culturalmente, pois, com a aplicação da Lei 9.099/95, que visa a oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, bem como a conciliação e a transação, não conseguiu-se agilizar a máquina judiciária, no sentido da pronta repressão das infrações penais menos graves³.

A Lei 9.099/95 tem por objetivo a reparação dos danos causados pela infração penal e a aplicação da pena não privativa de liberdade (art. 62) por intermédio da composição e transação (art. 2º), o que leva à famosa aplicação de “cestas básicas”, que são meras medidas paliativas.

O que a Lei 9.099/95 contribuiu para o evento da Lei Maria da Penha foi com a sua ineficácia ou ineficiência ao aplicar pena de multa ou cestas básicas, o que não é e jamais será solução, pois na maioria das vezes, não se faz justiça, aumentando, assim, o sentimento de impunidade e, foi com esse sentimento que a sociedade, precária de políticas sociais, alcançou um dos seus objetivos, a Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a qual em seus artigos 17 e 41 refutam qualquer incidência da Lei. 9.099/95.

A Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher trata com maior rigor as infrações penais praticadas com violência contra a mulher e, fora do contexto doméstico e familiar, mesmo que haja violência contra a mulher, serão invocadas outras espécies normativas.

As formas de violência doméstica e familiar previstas nesta Lei são, a violência física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral, as quais estão previstas e conceituadas no art. 7º.

Há que se esclarecer que para diagnosticar a autoria da infração penal praticada com violência doméstica e familiar contra a mulher, deve-se levar em conta o “vínculo” doméstico, familiar ou íntimo, podendo ser os cônjuges ou companheiros, amásios, concubinos4, namorados ou amantes, os filhos, pais, avós, irmãos, tios, sobrinhos, enteados, padrastos, padrinhos etc.

De conformidade com a nova Lei, os órgãos competentes para processar e julgar os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher são os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal (art. 14).

Com a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (art. 14), pelos Estados e no Distrito Federal, a lei abrangerá as metas traçadas pelo legislador, que teve a intenção de acabar com a violência doméstica e familiar que até então era uma realidade muito triste e desesperadora, pois todos os mecanismos que foram criados para coibir essa violência não vieram a contento responder aos anseios da sociedade.

Um dos aspectos mais discutidos da Lei 11.340/2006 trata-se de seu artigo 41: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995”.

Em razão desse dispositivo, o marido que agride a esposa ou o pai que agride a filha, nas condições dos tipos incriminadores, nelas provocando lesões corporais leves, não tem direito a transação penal, ao acordo extintivo da punibilidade e à suspensão condicional do processo, embora a pena mínima seja de 3 (três) meses de detenção (art. 129, § 9º., do CP).

O problema é que essa mesma regra não pode ser aplicada quando a vítima da violência doméstica é do sexo masculino, uma vez que, no âmbito penal, está proibida a analogia in malam partem. De modo que a esposa que agride o marido ou o pai que agride o filho, nas circunstâncias da figura típica, produzindo-lhes lesões leves, pode obter a suspensão condicional do processo e a aplicação dos outros institutos benéficos.

Coloca-se, então, a questão: a diferenciação estabelecida na nova lei fere o disposto no inc. I do art. 5º da Constituição Federal, o qual expressamente determina que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”5

Segundo Damásio de Jesus, a resposta é afirmativa.

Em primeiro lugar, há de se ressaltar o grave equívoco do legislador ao mencionar, no intróito e no art 1º da Lei nº. 11.340/2006, que a referida lei tem a finalidade de regulamentar o § 8º do art. 226 da Constituição Federal, no que tange à criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher. Com efeito, esse dispositivo da Carta Magna determina que o Estado deve coibir a violência doméstica no âmbito da família “na pessoa de cada um dos que a integram”. Não se compreende, portanto, por qual razão a Lei nº. 11.340/2006 resolveu tratar seus dispositivos tão-somente dos integrantes da família do sexo feminino.

Por sua vez, não se pode aceitar o argumento de que não existe inconstitucionalidade porque o sujeito ativo do crime pode ser homem ou mulher, já que em verdade, a punição do sujeito ativo, nos termos da nova lei, passa a variar de acordo com o sexo da vítima, o que não atende o reclamo constitucional.

Para tanto, bastaria que a Lei 11.340/2006 fosse alterada, trocando-se a expressão “violência doméstica e familiar contra a mulher” por “violência doméstica e familiar contra a pessoa”, de modo a cessar o tratamento desigual e garantir a legislação que visa coibir a violência doméstica contra qualquer integrante da família, conforme aliás, expressamente exige o § 8º do art. 226 da Constituição Federal.

No que diz respeito às medidas cautelares e protetivas de urgência, segundo Luiz Flávio Gomes, “a nova lei representa um avanço impressionante. No que concerne, entretanto, ao âmbito criminal, a opção polícia feita pelo legislador da Lê. 11.340/2006, retrata um erro crasso. Ao abandonar o sistema consensual de Justiça (previsto na Lei. 9.099/95), depositou sua fé (e vã esperança) no sistema penal conflitivo clássico (velho sistema penal retributivo). Ambos, na verdade, constituem fontes de grandes frustrações, que somente poderão ser eliminadas ou suavizadas com a terceira via dos futuros Juizados, que contarão com equipe multidisciplinar (mas isso vai certamente demorar a acontecer; os Estados seguramente não criarão com rapidez os novos juizados). De qualquer modo, parece certo que no sistema consensuado o conflito familiar, por meio do diálogo e do entendimento, pode ter solução mais vantajosa e duradoura; no sistema retributivo clássico isso jamais será possível”.6

E, segundo, ainda, Luiz Flávio Gomes, “tudo quanto acaba de ser descrito nos autoriza concluir que dificilmente se consegue, no modelo clássico de Justiça penal, condenar o marido agressor. E quando ocorre, não é incomum alcançar a prescrição. Na prática, a indústria das prescrições voltará com toda energia. O sistema penal clássico, que é fechado e moroso, que geram medo, opressão etc., com certeza, continuará cumprindo seu papel fonte de impunidade e, pior que isso, reconhecidamente não constitui meio hábil para a solução desse tenebroso conflito humano que consiste na violência que (vergonhosamente) vitimiza, no âmbito doméstico e familiar, quase um terço das mulheres brasileiras.

No título IV da Lei 11.340/2006 estão descritos os procedimentos, ou seja, a forma como se deve proceder mediante esta lei.

Artigo 13, “Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as

normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta lei”.

E, no título VI da Lei, o legislador deixou claro que se dê preferência aos fatos de violência doméstica e familiar contra a mulher, mais precisamente em seu artigo 33, parágrafo único.

O rito adotado pela Lei 11.340/2006 é o sumário, tendo em vista que em seu artigo 41, veda por completo a aplicação da Lei 9.099/95 que procede em rito sumaríssimo, agilizando a aplicação da lei, o que certamente não ocorrerá com a nova lei, tendo em vista que o Judiciário está abarrotado de processos pendentes e, assim como a Lei 11.340/2006, tem prioridade a criança, o adolescente, o idoso, sem nos esquecermos de outras tantas espécies que, conforme entendemos, são tão importantes quanto os já citados, pois cada pessoa que procura o Judiciário, quer ter resolvido o conflito em que se encontra e de preferência a seu favor.

Por outro lado, entendemos que o legislador ao prever a criação dos juizados especializados na violência doméstica e familiar contra a mulher, quis dar uma certa agilidade no julgamento dos processos e, ainda, dar a ela um suporte, um tratamento mais humano, mais direcionado, tendo em vista a previsão das chamadas medidas protetivas de urgências, previstas nos artigos 18 a 24.

Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Jufams) terão competência “cível e criminal” para conhecer e julgar “as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher” (art. 14). Enquanto não criados tais juizados, essa tarefa será das “varas criminais” (arts. 29 e 33).

No futuro, quando criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a competência deles não terá por base o atual critério dos juizados (infrações penais até dois anos). A competência será definida em razão de critérios próprios. Qualquer delito contra a mulher, praticado no âmbito doméstico ou familiar, será da competência dos Jufams. 7

A violência doméstica e familiar a que se refere esta Lei, está descrita no seu art. 5º que diz: “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Mas não se pode deixar de esclarecer que para que se aplique esta Lei, há de ter o agressor um vínculo doméstico ou familiar com a vítima, que só poderá ser Mulher.

Quanto às ações penais públicas condicionadas a representação, nesta lei há previsão em seu artigo 16 que a ofendida poderá renunciar à representação, mas só perante o juiz, com audiência designada para este ato específico e que deve ser antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Ao renunciar, a ofendida está abdicando, desistindo do direito de representar, o que torna-se um tanto questionável o previsto no artigo 16 desta lei, pois, a renúncia é ato unilateral que ocorre antes do oferecimento da representação e no caso deste artigo, ocorre depois da representação e antes do oferecimento da denúncia, sendo ouvido o Ministério Público, mas o legislador deve ter levado em conta que desde a lei dos juizados criminais, não mais se questiona a renúncia ao direito de representação.

O artigo 16 da Lei 11.340/2006, não fez menção à retratação, que é feita depois da representação, vez que oferecida a denúncia, torna-se irretratável a representação, conforme dispõe os artigos 102 do Código Penal e 25 do Código de Processo Penal.

De acordo com Fernando Célio de Brito Nogueira, em seu artigo Notas e reflexões sobre a Lei 11.340/2006, que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher: “...O que quis a lei 11.340/06 foi, acima de tudo, vedar os benefícios da Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, mas não proibiu a lavratura de termo circunstanciado, nem tampouco a aplicação do rito procedimental dos arts. 77 e seguintes da Lei 9.099/95. E não tornou vias de fato e lesões corporais dolosas leves 9arts. 21 da LCP e 129, § 9º, do CP) infrações de ação penal incondicionada, pois não dispensou a necessidade de representação”.

Segundo Damásio de Jesus, diante das disposições dos artigos 16 e 41 da Lei 11.340/2006, há de indagar-se: “ a ação penal por crime de lesão corporal resultante de violência doméstica ou familiar contra a mulher é pública incondicionada ou pública condicionada à representação?

Haverá duas posições:

1ª) a ação penal por crime de lesão contra a mulher, resultante de violência doméstica ou familiar, é pública incondicionada, tendo em vista que o art. 41 da Lei n. 11.340/2006 excluiu, nesse caso, a aplicação da Lei n. 9.099/95 , em que se inclui o art. 88, que previa a representação como condição de procedibilidade.

2ª) trata-se de ação penal pública condicionada à representação (nossa posição)”.

E, ainda, segundo referido estudioso, “ a Lei n. 11.340/2006 não pretendeu transformar em pública incondicionada a ação penal por crime de lesão corporal cometido contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, o que contraria a tendência brasileira de admissão de um Direito Penal de Intervenção Mínima e dela retiraria meios de restaurar a paz no lar. Público e incondicionado o procedimento policial e o processo criminal, seu prosseguimento, no caso de a ofendida desejar extinguir os males de cestas básicas situações familiares, só viria piorar o ambiente doméstico, impedindo reconciliações.

O propósito da lei foi o de excluir da legislação a permissão da aplicação de penas alternativas que considerou inadequadas para a hipótese, como a multa como a única sanção e a prestação pecuniária, geralmente consistente em “cestas básicas” (art. 17 ) 8. O referido art. 88 da Lei n. 9.099/95 não foi revogado nem derrogado. Caso contrário, a ação penal por vias de fato e lesão corporal comum seria também de pública incondicionada, o que consistiria em retrocesso legislativo inaceitável. Além disso, de ver-se o art. 16 da Lei n. 11.340/2006: não teria sentido falar em renúncia à representação se a ação penal fosse pública inconcidionada.

A Lei Maria da Penha inovou muito com a criação das chamadas “medidas protetivas de urgência”, onde o Ministério Público ou a ofendida poderão requerê-las e o juiz conceder tantas quantas forem necessárias para garantir a proteção da vítima e de seus dependentes, podendo, também, serem substituídas ou revistas a qualquer tempo por outra de maior eficácia, ou acrescentadas às já concedidas anteriormente, para complementar a proteção.

Quais as inovações da Lei nº 11.340/2006?

- Tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher (artigo 5º);

- Estabelece as formas da violência doméstica contra a mulher, como sendo: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral (artigo 7º);

- Determina que a violência doméstica contra a mulher independe de orientação sexual (parágrafo único do artigo 5º);

- Retira dos juizados especiais criminais (lei 9.099/95) a competência para julgar os crimes de violência doméstica contra a mulher (artigo 41);

- Veda a aplicação de penas alternativas(cestas básicas) ou outras prestações pecuniárias, bem como substituição da pena que implica em pagamento isolado de multa (artigo 17);

- Programa a criação dos Juizados especializados de violência doméstica e familiar contra a mulher, os quais terão competência cível e criminal para abranger todas as questões (artigo 14);

- Determina que enquanto não criados os juizados da violência doméstica e familiar contra a mulher, que as varas criminais acumularão as competências cíveis e criminais (artigo 33);

- Prevê um capítulo específico para o atendimento pela autoridade policial para os casos de violência doméstica contra a mulher, dentre elas: fornecimento de transporte para a ofendida e seus dependentes para o abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida, bem como o acompanhamento da ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; o poder de requerer ao juiz, em 48 horas, a concessão de medidas protetivas de urgência para a mulher em situação de violência (artigos 10, 11 e 12);

- Prevê a renúncia da ofendida à representação, somente em juízo e em audiência especialmente designada para este fim, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público (artigo 16);

- Prevê que a ofendida não mais poderá entregar a intimação ao agressor (parágrafo único do artigo 21);

- Possibilita a prisão em flagrante, que poderá ser decretada em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal e até de ofício pelo juiz (artigo 20);

- Altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execuções Penais (artigos 20, 42, 43, 44 e 45);

- Prevê a notificação da ofendida dos atos processuais, especialmente sobre a prisão e a soltura do agressor (artigo 21);

- Prevê que a mulher será acompanhada de um advogado ou defensor em todos os atos processuais (artigo 27);

- Estabelece medias protetivas de urgência em relação ao ofensor e à ofendida, destacando-se o afastamento do lar, proibição de determinadas condutas (aproximação da ofendida, fixando limite mínimo de distância entre esta e o agressor, proibição de contato com a ofendida por qualquer meio de comunicação, restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, prestação de alimentos etc) (artigos 22 e 23).

O Ministério Público do Estado de Goiás, através do Centro de Apoio Operacional Criminal, Execução Penal e Combate ao Crime Organizado- CAOCRIMINAL, coordenado pelo Dr. Fernando Braga Viggiano, em mesa de estudo sobre a Lei 11.340/2006, chegou ao seguinte consenso:

1. Os feitos em tramitação e as infrações penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher, ocorridas até o dia 21 de setembro, serão processados e julgados nos Juizados Especiais, em face da irretroatividade da lei penal nesses casos, aplicando-se as medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/2006;

2. Pode ser sujeito ativo das infrações penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher o homem (à unanimidade de votos) e a mulher (por maioria);

3. O sujeito passivo dessas infrações somente poderá ser a mulher, independentemente de sua orientação sexual;

4. O cadastro dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher 9artigo 26, inciso III) será feito mediante arquivo das denúncias oferecidas em pasta própria separada das Promotorias de Justiça. De igual maneira, será sugerida à Corregedoria-Geral do Ministério Público a alteração do relatório estatístico mensal, a fim de incluir os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher;

5. A retratação da representação pela vítima somente poderá ocorrer em audiência, antes do recebimento da denúncia e ouvindo-se previamente o Ministério Público. Durante a audiência, o Promotor de Justiça prestará esclarecimentos à vitima acerca das medidas protetivas de urgência da lei e analisará os motivos da retratação, não podendo prosseguir caso ela assim não deseje;

6. Tendo a mulher informado ao Juiz de Direito (por petição ou em cartório) que desejava se retratar da representação formulada e designada a audiência para tal fim, caso ela não compareça, não poderá ser determinada a sua condução coercitiva, devendo o feito prosseguir naturalmente, desconsiderando-se a retratação;

7. Das decisões proferidas pelo Juiz quanto às medidas protetivas de urgência, caberiam, conforme o caso, recurso de agravo ou apelação criminal com fulcro no artigo 593, inciso II, do Código de Processo Penal (se a decisão não for terminativa) para a Câmara Criminal, cuja competência é fixada em razão da matéria;

8. São infrações de menor potencial ofensivo, a partir da vigência da Lei n. 11.340/2006, todas as contravenções penais e todos os crimes com pena máxima não superior a 2 anos, salvo aqueles baseados no gênero 9artigo 5} da Lei n. 11.340/2006);

9. Os artigos 13 e 41 da Lei n. 11.340/2006 vedam a aplicação da lei n. 9.099/95 às infrações penais cometidas com violência doméstica e familiar contra a mulher. Desse modo, não se aplica mais o modelo de justiça consensuada nos crimes baseados no gênero. Ou seja, não cabem transação penal ou processual, composição civil extintiva da punibilidade, exigência de representação como condição de procedibilidade nas lesões corporais dolosas leves e procedimento sumaríssimo.

Diante do que foi exposto, a conclusão a que se chega é que a legislação brasileira avançou muito com o advento da Lei n. 11.340/2006, pois trata-se de uma lei ousada, com grandes inovações, apesar das normas programáticas contidas na mesma.

A Lei n. 11.340/2006 é um verdadeiro “antídoto” para o mal que é a violência doméstica e familiar contra a mulher, violência esta que já existia desde os primórdios dos tempos, mas que só agora e principalmente depois da promulgação desta Lei é que vem à tona explicitamente, pois até então, a mulher, vítima rotineira da violência doméstica e familiar não tinha respaldo para colocar a público o mal que sofria. Mas há que se levar em conta que para surtir efeito, esse “antídoto” deve ser aplicado na medida certa, na proporção do mal e, ainda, fazendo com que sua aplicação chame atenção para a questão da prevenção que também deverá ser feita através de políticas voltadas para o social, como a questão da educação, ou seja, formar um cidadão e imprimir na sua cultura a não violência em termos gerais e especificamente a doméstica e familiar, não somente contra a mulher, mas contra qualquer pessoa.

A Lei n. 11.340/2006 é uma belíssima obra de arte que fora criada pelos nossos legisladores com a participação de várias entidades feministas e que tem objetivos louváveis, mas não podemos nos esquecer que para que seja aplicada com êxito, se faz necessário o Estado se empenhar na criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e que seja proposta a reestruturação do sistema prisional do país, o qual está falido e inoperante.

Tendo em vista que até a criação dos Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais terão competência cível e criminal para conhecer e julgar os processos que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher e com a aplicação da nova lei ocorrerão mais prisões e devido à deficiência carcerária porque passa o País, poderá tornar a aplicação da lei ineficiente e, diante deste possível aspecto, entendemos seja necessária uma interpretação mais direcionada do que diz respeito às palavras “doméstica e familiar”, pois se estendermos os dois termos a ambientes que não seja o lar, ampliaremos a aplicação da lei e com isso aumentaremos a população carcerária, causando o caos no sistema.

Esperamos que nada obste a aplicação da Lei Maria da Penha e que as mulheres deste país tenham a certeza de que depois de tanta luta travada, possam se livrar da violência doméstica e familiar que sofreram até 21 de setembro de 2006, sem perspectiva de justiça, data que jamais será esquecida por aquelas que tiveram que se calar mediante a violência no lar.

Toda mulher, como ser humano que é, deve ter seus direitos resguardados e respeitados.

Notas:

¹ Maria da Penha é uma homenagem simbólica à cidadã brasileira que vivenciou no corpo e na alma a violência doméstica e familiar. Por duas vezes fora vítima de tentativa de homicídio, o que causou-lhe lesões irreversíveis, como a paraplegia. Diante da tragédia que a vitimou, Maria da Penha travou inúmeras lutas, representando a mulher brasileira, vítima da violência doméstica e familiar, alcançando com êxito seus objetivos- A Lei Maria da Penha.

² CEDAW- Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women- Em 1994, tendo em vista o reconhecimento da Constituição Federal Brasileira de 1988 da igualdade entre homens e mulheres, em particular na relação conjugal, o governo brasileiro retirou as reservas existentes a alguns dispositivos e ratificou plenamente o texto.

³ Fonte de Pesquisa – Jus Navigandi- Notas e reflexões sobre a Lei nº 11.340/2006.

4 Concubinos- trata-se de uma sociedade doméstica de fato. Ver: Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1998.

5 Fonte de Pesquisa - Complexo Jurídico Damásio de Jesus- Artigos- A inconstitucionalidade do art. 41 da Lei nº 11.340/2006 (Lei da violência doméstica ou familiar contra a mulher).

6 Fonte de pesquisa – Jus Navigandi- Aspectos Criminais da Lei de Violência contra a Mulher.

7 Fonte de Pesquisa- Revista Jurídica Consulex – Ano X- nº. 233 – Competência Criminal da Lei nº 11.340/06

8 Nesse sentido: Fernando Célio de Brito Nogueira: Notas e reflexões sobre a Lei n. 11.340/2006, que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Autora: Raquel Marques Rodovalho, escrivã de polícia, lotada atualmente na DERFRVA. É bacharela e direito e especialista em Direito Penal e Processual Penal.