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Segurança - 03/12/2008

Diário da Manhã - Opinião - 03/12/2008

José Elias Fernandes*

O avanço da criminalidade nos últimos anos quebra todos os paradigmas do que os atuais agentes de segurança aprenderam nas faculdades durantes os cursos regulares. A banalização da brutalidade vai se generalizando na proporção em que a mídia transforma tudo em espetáculo público. Se continuar assim, daqui há pouco, haverá até concurso com prêmio para quem cometer a atrocidade mais cruel, o crime mais misterioso, sofisticado e de difícil elucidação, para render maior número de capítulos, como nas outras novelas.

Urge que se dê um basta nas formas de punir e também de divulgar os horrores que se tornam rotina. Do contrário, as novas gerações verão como natural a sordidez de pais atirando filhos pelas janelas, netos estuprando avós, madrasta puxando enteada pela língua com alicate, filhos matando os pais dormindo para furtar, ou assaltante rindo para as câmaras, depois de dar o tiro de misericórdia na vítima. Diante desse caos, quase todo relacionado com o que já se chama de guerra do tráfego, tão valorizada pelos veículos de comunicação, cada organização buscará seu meio de tirar proveito. No tumulto, a própria polícia não terá pejo de receber propina em dólar nem de formar esquadrões de extermínio. Ainda bem que seus novos titulares adotam o rigor que de há muito se esperava, pois só na Auditoria da Polícia Militar existem quase dois mil processos em andamento. Como confiar nos bons policiais se a instituição tolera tantos maus em suas fileiras?

Afirmei em artigo anterior que hoje é rara e privilegiada a família que não sofra algum problema, mesmo com os vícios mais tolerados, como o alcoolismo. Com tal abrangência, não há como tratar a questão das drogas apenas como caso de polícia. A complexidade do assunto exige o estabelecimento de uma ampla política de Estado, começando pelas escolas, estendendo-se à iniciação esportiva, passando pelas unidades de saúde, os conselhos tutelares e comunitários de segurança, até chegar à polícia e ao Judiciário, como últimas instâncias. O trabalho da mídia também merece ser questionado. Quem vivencia a situação avalia dessa forma e me gratificou a identidade de pensamento do delegado Marcos Martins Machado, em recente entrevista. O ex-diretor-geral da polícia considera inclusive como um dos agravantes a descriminalização do uso, o que, sem dúvida, limita a ação repressora. Além do mais, algumas categorias irradiam um certo charme de glamourização do vício, contribuindo para sua disseminação entre seus fã-clubes.

Com sua experiência de advogada, minha mulher, Mara Nei N.R.Elias, detesta campanhas de artistas em favor da paz ou disso e daquilo, quando os próprios acabam servindo como péssimos exemplos. “Só há tráfego porque existem usuários” – pondera. Avalie-se o caso de um ator da estirpe de Fábio Assunção, no topo dos noticiários, por causa do incontrolável vício. Figurasse algemado na capa das revistas, haveria um constrangimento inibidor, capaz de envergonhar, indignar e até revoltar muita gente, em se tratando de pessoa tão bem-sucedida; ao invés de apenas comover o público, estimulando piedosa simpatia e compaixão, que fazem é aumentar o faturamento das publicações e dos traficantes.

A avassaladora guerra do tráfego já envolve a condolência de artistas, a conivência de policiais, a cobertura exagerada da mídia, dentre outros incentivos. A continuar nesse ritmo, daqui há pouco, aparecerão até patrocinadores exclusivos para os crimes que se classificarem como mais hediondos, nessa saga que envergonha os Estados e a própria Nação.


* José Elias Fernandes é Jornalista, ex-presidente da Câmara de Goiânia, ex-deputado e ex-prefeito de Aragarças