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FALSO SEQÜESTRO - 17/04/2007

Jornal Correio Braziliense – Reportagem especial – Dia 15/04/2007

 

Guilherme Goulart e Jorge de Castro - Da equipe do Correio


O homem de voz grossa e agressiva deu o recado: a servidora pública Ana Carolina*, 44 anos, deveria pagar R$ 30 mil caso quisesse ver o filho vivo novamente. A mulher se assustou. Queria saber mais detalhes do seqüestro. Ouviu do outro lado da linha uma criança aos prantos. Tinha certeza de que aquele menino era o filho de 12 anos. Chamou-o pelo nome, mas a ligação caiu. Logo em seguida, uma nova chamada, com o suposto seqüestrador exigindo o resgate. “Fiquei apavorada. Até que meu marido descobriu que ele estava na escola. Era tudo inventado.”

A servidora pública escapou do prejuízo financeiro. Mas não do terror imposto por um crime que se tornou rotineiro no Distrito Federal. Relatório elaborado pela Divisão de Repressão a Seqüestros (DRS) da Polícia Civil do DF revelou que as delegacias brasilienses registraram 80 casos nos dois primeiros meses deste ano — a média é de um a cada 17 horas e 42 minutos. A freqüência dos golpes aumentou em relação a 2006, quando 34 crimes, em média, ocorriam a cada mês. Foram 410 em todo o ano passado. Uma ressalva: as próprias autoridades admitem que esse número é exponencialmente maior — grande parte das vítimas não registra ocorrências policiais.

Os números sobre o falso seqüestro mais do que dobram até mesmo se comparados a cada 30 dias. Em fevereiro de 2007, houve 44 casos contra 19 no mesmo período de 2006. O salto é de 131,7%. “A tendência é de que esse crime se sofistique ainda mais. As pessoas precisam estar bem informadas e desconfiar das fraudes”, diz o diretor adjunto da DRS, delegado Felízio Espíndola.

A polícia listou quatro golpes como os preferidos dos bandidos telefônicos. O mais usado é o do falso seqüestro. Ele aparece em 48% das ocorrências registradas no DF desde 2006. A segunda colocação (46%) ficou com os falsos acidentes de trânsito. O mesmo sofrido pela estudante Maria das Graças*, 27. “Ligaram a cobrar dizendo que eram da Polícia Rodoviária Federal e que uma das vítimas estava com o meu telefone. Preferi ligar para a polícia”, contou a estudante. Os PMs que a atenderam informaram que a polícia ou os bombeiros não ligam a cobrar.

A terceira modalidade de fraude mais usada pelos criminosos é a falsa premiação de programa de televisão ou empresa de telefonia, na qual as vítimas são provocadas a comprar cartões para celulares e a repassar os códigos para quem liga. Esse tipo de golpe foi narrado em 3,7% das investigações. A extorsão pelo celular menos usada pelos bandidos é a do falso pistoleiro. Ela está em 2,3% das histórias contadas pelas vítimas. Nelas, o golpista diz que foi contratado por um inimigo da vítima para matá-la. Ele toparia receber a metade do valor negociado para não executá-lo.
* Nomes fictícios a pedido das vítimas

Bandidos telefônicos concentram chamadas enquanto bancos estão abertos. No DF, Plano Piloto registra 33% dos casos. Polícia reclama das operadoras de telefonia celular

 

Guilherme Goulart e Jorge de Castro - Da equipe do Correio

Os bandidos telefônicos têm hora e local para arriscar os golpes pelo celular. O estudo da Divisão de Repressão a Seqüestro (DRS) concluiu que a maioria das ligações feitas de dentro dos presídios brasileiros ocorre nos horários de funcionamento das agências bancárias: 84% do total de 490 fraudes e tentativas registradas em 2006 e nos dois primeiros meses de 2007 encontraram as vítimas em dias úteis e entre 6h e 17h59 — preferencialmente entre 10h e 16h.

Brasília aparece como a cidade campeã de ocorrências no DF. Só o Plano Piloto registrou 162 dos 490 registros policiais. Concentrou 33% do total de extorsões telefônicas. Para o diretor chefe da DRS, delegado João Kleiber Ésper, nem sempre as vítimas da zona central da capital moram no local do ataque. “Muitas pessoas estão no seu local de trabalho no momento das ligações. Assim, fazem as ocorrências nas delegacias mais próximas, no caso nas das asas Sul e Norte”, explicou Kleiber.

Além de Brasília, o levantamento da DRS aponta que os golpistas preferem atacar moradores ou freqüentadores do Cruzeiro, Taguatinga e Lago Norte. São todas áreas onde circulam trabalhadores e consumidores com poder aquisitivo de médio a alto. A curiosidade fica por conta do Lago Sul. Nenhum morador do bairro nobre registrou ocorrências do tipo em 2007.

A polícia admite dificuldades no combate ao crime. A maior delas surge a partir da origem das ligações. Boa parte das chamadas sai de presídios do Rio de Janeiro, Ceará e São Paulo. Uma das interceptações telefônicas feitas pela DRS, realizada com autorização judicial, revelou que o celular (21) 9155-5513 realizou 3.442 chamadas apenas entre 1º e 15 de maio do ano passado. O criminoso usou o golpe do falso acidente de trânsito em todo o Brasil. Apesar de ter feito vítimas no DF, apenas oito registraram ocorrências.

O sinal monitorado pela DRS revelou ainda o terminal de telefonia móvel gerador das ligações. A torre está instalada na Rua Catiri, no bairro Vila Kennedy, ao lado do Presídio de Bangu no Rio de Janeiro. Entre 2006 e 2007, os investigadores brasilienses descobriram 151 números de celulares usados nas fraudes. “Considerando os dados da interceptação telefônica, em que um único número foi capaz de realizar em 15 dias, 3.442 ligações, chegamos à conclusão que se todos os números identificados forem utilizados com a mesma intensidade, teremos 5.197.042 ligações”, concluiu o relatório.

Investigação dificultada

Outro problema enfrentado pela polícia está na relação tensa com as operadoras de telefonia móvel. Os investigadores sempre recorrem a um mandado judicial para descobrir os responsáveis pela habilitação dos números usados nas fraudes. Só assim as empresas abrem o acesso aos dados dos clientes. “Até que consigamos reunir todos os documentos para enviar ao juiz, a vítima foi extorquida e não há como reaver o dinheiro”, defendeu o diretor chefe da DRS. Para ele, o ideal seria um canal direto entre as operadoras e a Polícia Civil.

O presidente da Associação Nacional das Operadoras Celulares (Acel), Ercio Zilli, disse que as empresas de telefonia atenderam a mais de dois milhões de ordem judiciais no Brasil durante o ano passado. Mas afirmou que a comunicação entre a polícia e as companhias só poderia ser facilitada caso houvesse mudanças na atual legislação. “Como operadora temos que respeitar a lei. E isso significa assegurar o sigilo dos dados e as informações dos clientes. As empresas de celular são responsabilizadas antes de qualquer outro órgão sempre que há a violação desse sigilo”, justificou Zilli.

A alegação da Acel não convence a polícia. “Qual bandido vai entrar com um processo contra as operadoras? Elas perdem uma oportunidade de ajudar a população. Estamos abertos para mostrar aos órgãos fiscalizadores sobre o que está sendo feito com os dados. O pedido estará vinculado a um inquérito policial. Há meios de se controlar”, avalia o delegado Kleiber. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) entende que as quebras do sigilo de dados telefônicos e possíveis gravações das conversas devem ser feitas mediante autorização judicial.

Especialistas

O consultor em segurança pública e do Núcleo de Estudos de Defesa, Segurança e Ordem Pública do Centro Universitário do Distrito Federal (UniDF), George Felipe Dantas, vê o golpe do celular como mais um dos crimes associados à tecnologia. “É apenas o começo dos novos golpes da modernidade. São os mesmos aplicados antigamente. No entanto, fazem parte das sofisticações da modernidade. O marginal sempre soube que é possível aplicar a fraude usando o temor e a boa-fé das pessoas”, afirma.

Para Dantas, os poderes públicos acabam por aprender a lidar com tais delitos à medida que se tornam freqüentes. “Uma das alternativas para solucionar o problema é fazer um cadastro detalhado dos usuários”, avaliou. O sociólogo da Universidade de Brasília (UnB) Lúcio Castelo Branco associa o golpe com o popular conto do vigário, em que alguém usa seguidas mentiras para levar vantagem. “Os golpistas já contam com a tecnologia, diferentemente dos bandidos comuns de antigamente, que não tinham recursos sofisticados para aplicar os crimes”, conclui.

AMEAÇA PELO MSN


De contato virtual a crime real

Pedofilia, crimes de ódio e apologia de homicídio são as denúncias mais freqüentes de ilegalidades praticadas na internet. Polícia reforça equipes de investigação, porém os casos se multiplicam

Quatro rapazes de classe média de Brasília tramaram a morte de um jovem do Guará usando o comunicador instantâneo MSN. Antes que pudessem completar o crime e matar o adolescente de 17 anos, foram impedidos pela polícia. Com a abertura do inquérito, eles serão investigados em pelo menos três possíveis crimes: formação de quadrilha armada, corrupção de menores e ameaça. A trama e a descoberta andam lado a lado no mesmo território: a internet.

A rede mundial de computadores tem se tornado cada vez mais parecida com o mundo real. Se é possível aproveitar as facilidades da tecnologia — como pagar contas, comprar em páginas de comércio eletrônico e encontrar velhos conhecidos — está cada vez mais fácil cair em golpes e sofrer com a violência virtual. “Qualquer crime que não exista contato direto com a vítima pode ser cometido na internet”, afirmou o delegado-chefe da Divisão de Repressão a Crimes Tecnológicos (Dicat) da Polícia Civil, Sílvio Cerqueira.

Ele e outros especialistas em crimes pela internet ouvidos pelo Correio concordam em um ponto: os crimes na rede têm aumentado, assim como a ação da polícia e da Justiça. “A polícia está trabalhando mais, assim como os crimes têm aumentado”, constata o delegado Adalton de Almeida Martins, chefe da Divisão de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal.

Professor de direito da Faculdade Católica de Salvador e presidente da Safernet, ONG que monitora a internet, Thiago Tavares de Oliveira conta que o maior número de denúncias sobre a página de relacionamentos é de pornografia infantil. Entre 2004 e 2006, mais de 44 mil imagens pornográficas de crianças e adolescentes foram publicadas no Orkut. “Depois da pedofilia, vêm os crimes de ódio, apologia a crimes contra a vida, a homofobia, calúnia e difamação”, listou.

Uma mostra que a repressão a crimes no país aumentou vem da própria Justiça. De 1997 para cá, já foram julgados nove mil casos no país. Em Brasília, é significativo o avanço. Em novembro, uma operação de três divisões especiais da Polícia Civil acabou com os ataques virtuais de dois hackers no DF. Investigações policiais apontam que a dupla faz parte de uma quadrilha especializada em golpes pela internet, suspeita de movimentar até R$ 64 mil todos os meses.

No primeiro semestre do ano passado, um morador da cidade foi o primeiro processado por injúria e racismo no site de relacionamentos Orkut. No mesmo endereço, uma gangue de meninas da Asa Sul ameaçou e coagiu outras adolescentes. Elas foram identificadas e localizadas pela Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA). As adolescentes começaram a perseguir uma menina de 13 anos, depois que ela beijou o ex-namorado de uma das acusadas. As garotas criaram uma página só para fazer injúrias e ameaças contra a vítima.

O Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil (Certbr), subordinado ao Comitê Gestor da Internet, constatou que no ano passado houve 197.892 ocorrências, contra 68 mil em 2005. E essas são apenas as notificações voluntárias. Somente de fraudes, como roubo de senhas bancárias, clonagem de cartões e de documentos, foram 41.776 ocorrências em todo o Brasil. “A tendência é aumentar mais o número de crimes”, alertou o delegado da PF.

Se os governos local e federal têm aumentado os investimentos na polícia, os delegados vêem outro problema no aumento de crimes pela internet. O acesso à tecnologia está cada vez mais barato. Além disso, a profusão de locais específicos para acessar a rede mundial de computadores dificulta o trabalho dos policiais. “Essas casas não fazem registros de usuários. Muitas vezes nós chegamos à origem da mensagem, mas não temos como descobrir quem mandou”, relatou Cerqueira.