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Razões da Greve - 26/03/2009

Diário da Manhã – Opinião – Dia 26/03/2009

 

Carlos José Ferreira de Oliveira*

 

A imprensa tem divulgado erroneamente que a paralisação dos policiais civis do Estado de Goiás é em virtude de um aumento salarial. Não, não é. O movimento grevista iniciou-se, porque o governo do Estado, conforme estabelecido em lei, deixou de pagar a data-base referente aos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008 e o resíduo salarial. Outra luta deste movimento é o desvio de função e as péssimas condições de trabalho dos policiais civis.

 

Existe, por parte da Polícia Civil, uma Instrução Normativa 001/2004 da DGPC, que, entre outros atos, veda ao escrivão de polícia praticar quaisquer atos privativos do delegado. Informa também que não é atribuição do agente de polícia registrar boletim de ocorrência e demais atos do escrivão de polícia e deixa claro que é obrigação da autoridade policial (delegado) ditar o auto de prisão em flagrante, assentamento de testemunhas, vítimas e interrogatórios em fase de instrução do inquérito policial.

 

Porém, na prática, a história é outra. Não por vontade dos policiais civis, mas por necessidade, por falta de servidores. Existem escrivães usurpando a função que é privativa do delegado de polícia; agentes de polícia exercendo a função restrita do escrivão, além da guarda e vigilância de presos, outra função inerente aos seus conhecimentos.

 

E as condições de trabalho? Alguém sabe como elas estão? A delegacia de polícia, também conhecida por distrito policial, é uma unidade policial para atendimento ao público em geral, principalmente os que foram vítimas de algum tipo de crime ou de contravenção penal. Serve também de base para operações policiais, investigações criminais e detenção temporária.

 

No entanto, as delegacias estão abarrotadas de presos. Há uma superpopulação carcerária, pois a a quantidade de vagas na CPP ou nas cadeias públicas goianas não atende à demanda das execuções penais que exigem a aplicação de penas em regime fechado. Dessa forma, os presos ficam nas delegacias, de forma ilegal, aguardando uma vaga no sistema prisional.

 

Para ilustrar o problema da superpopulação carcerária e os perigos que dela acarretam, o delegado Manoel Borges de Oliveira, titular da 8ª Delegacia de Polícia de Goiânia, encaminhou ofício ao então superintendente de Polícia Judiciária, dr. Aredes Correa Pires, comunicando das constantes fugas, vulnerabilidade e falta de segurança das celas. Como medida, o nobre delegado sugere “a imediata interdição definitiva das mesmas e a remoção dos presos remanescentes para outra congênere que esteja em condições de custodiá-los”.

 

Não é mais possível admitir que continue se agravando o problema da superlotação carcerária nas delegacias do Estado. Só existe uma saída: a construção de novos presídios atrelados à contratação de pessoal habilitado, via concurso, para a sua funcionalidade. Nas delegacias, os presos deveriam permanecer apenas por um curto período de tempo, apenas para a lavratura do flagrante ou então até o final de alguma investigação em curso.

 

Outro grave problema enfrentado pelos policiais civis é com relação à quantidade de materiais apreendidos nas delegacias sem destinação, principalmente as máquinas caça-níqueis, verdadeiros criadouros do mosquito da dengue.

 

Cabe esclarecer à população que as leis processuais determinam que as máquinas caça-níqueis, assim como os demais produtos ilícitos apreendidos, devem ser encaminhadas, juntamente com o procedimento pertinente, ao Poder Judiciário, que, alegando a mesma falta de espaço para abrigá-las, se recusa a recebê-las.

 

Só para se ter uma noção da gravidade, se os agentes do 20° DP, no Setor Sudoeste, quiserem tomar um café na cozinha da delegacia terão que disputar espaço com parte das centenas de máquinas caça-níqueis que se espalham pelo distrito. Elas estão também na sala de espera, na porta da sala de reconhecimento, tomando o espaço de veículos no estacionamento. Além de dificultar a mobilidade de funcionários e vítimas que vão até a delegacia registrar ocorrência, Édson Carneiro Caetano, delegado titular do 20° DP, aponta como outro grande problema provocado pelo acúmulo de caça-níqueis nos DPs de Goiânia a possibilidade de as máquinas se transformarem em criadouros do mosquito da dengue, como já ocorreu em anos anteriores.

 

No 1º e 8º DPs, a situação do espaço interno ficou tão prejudicada que as máquinas estão do lado de fora. Hoje essas máquinas dividem espaço, no estacionamento, com as viaturas da polícia, veículos de funcionários e das pessoas que eventualmente precisam ir até a delegacia. É inadmissível, em pleno século XXI, aceitar que o Estado trate com descaso uma área tão importante que é a da segurança pública.

 

Existe uma máxima que a lei é para ser cumprida, e, não, questionada. Então, uma pergunta: Por que o governo não cumpre o que determina a Lei n° 14.698, de 19 de janeiro de 2004 e a Lei n° 16.036, de 27 de abril de 2007?

 

Cabe ao deputado estadual o ato de legislar e manter-se como guardião fiel das leis e dogmas constitucionais estaduais, inclusive podendo propor, emendar, alterar, revogar, derrogar leis, leis complementares e emenda à Constituição estadual, além de outras competências previstas em leis. Partindo desse pressuposto, como pode um deputado estadual, que atualmente é o secretário de Segurança e Justiça, aceitar que o governo do Estado não obedeça às leis que ele próprio, quando no exercício de seu mandato, ajudou a elaborar?

 

Preceitua a Lei n° 14.698/2004, conhecida como Lei da Data-Base, em seu art. 1º que “as remunerações e os subsídios dos servidores públicos, civis e militares do Poder Legislativo, incluindo os Tribunais de Contas, do Poder Judiciário, do Poder Executivo, das autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo poder público estadual, dos secretários de Estado e de seus equivalentes hierárquicos, e do Ministério Público, serão revistos, anualmente, no mês de maio (grifo nosso), sem distinção de índices, extensivos aos proventos da inatividade e às pensões”.

 

No artigo 2º, inciso I, desta mesma lei, a revisão de que trata o art. 1º observará os seguintes requisitos: ocorrência de perdas salariais resultantes de desvalorização do poder aquisitivo da moeda, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), verificadas no exercício anterior ao da revisão.

 

Apesar da existência da lei, o governo estadual esquiva-se de cumpri-la. Só para se ter uma noção da gravidade aqui apresentada, o artigo 5º, incisos I, II e III, preceitua que o chefe do Poder Executivo instituirá órgão colegiado, de natureza consultiva, com a participação de representantes do governo e das entidades representativas dos servidores públicos, com a finalidade de: avaliar a ocorrência dos requisitos previstos no art. 2º desta lei; sugerir índices de revisão geral anual da remuneração e dos subsídios dos servidores públicos estaduais e recomendar a adoção de medidas que visem a alcançar a melhoria das condições de trabalho dos servidores, bem como da qualidade dos serviços públicos.

 

No entanto, apesar das reivindicações da categoria, até o presente momento, esse colegiado não foi criado. Para agravar a situação, além de não pagar a data-base, o governo está deixando de cumprir também o que determina a Lei n° 16.036/07, conhecida por Lei do Resíduo Salarial.

 

Preceitua a referida lei, no artigo 4º, que fica assegurado ao pessoal de que trata esta lei o pagamento da diferença entre o valor percebido a título de vencimento ou subsídio, já adicionado dos acréscimos pagos em parcelas mensais, iguais, sucessivas e cumulativas fixadas no anexo único desta lei, cujos valores a eles se integrarão durante os períodos e para os correspondentes grupos ocupacionais, cargos, postos ou graduação constantes do mencionado anexo. Informa ainda que a diferença seja paga a partir do mês de maio de 2008.

 

Diante do impasse criado pelo próprio governo e da gravidade que o caso requer, as entidades e sindicatos, representantes dos policiais civis e da Polícia Técnica decidiram entrar em greve por tempo indeterminado. É importante ressaltar que não se trata de um movimento paredista em prol de aumento salarial. É um movimento que busca o cumprimento integral, por parte do governo, das respectivas leis criadas para atender os acordos firmados em épocas pretéritas.

 

 

* Carlos José Ferreira de Oliveira é agente de polícia de primeira classe e diretor da União Goiana dos Policiais Civis (UGOPOCI)