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A lei deve ser o limite da ação policial - 05/09/2009

Diário da Manhã - Opinião - Dia 05/09/2009

 

A afirmação “policial que mata bandido merece uma medalha”, do deputado estadual José Nelto (PSDB), vice-presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa, causou-me perplexidade e profunda indignação. Tais depoimentos só contribuem para instilar o pânico, a insegurança e a revolta na sociedade civil, favorecendo tão-somente o aumento do preconceito e estigmatização de pessoas que vivem à margem da sociedade.

 

A declaração do ilustre deputado me pareceu pouco acertada, deixando claro seu total desconhecimento da lógica da dignidade da pessoa humana, inscrita como fundamento da República Federativa do Brasil, no art. 1º, inc. III da Constituição Federal de 1988, que, neste ano, comemora seus 21 anos de história.

 

O deputado não tem consciência de que, se tal ação policial (absurda e arbitrária) fosse legitimada, as grandes vítimas seriam negros, pobres e jovens na faixa etária entre 16 e 20 anos. Sua visão acerca da Segurança Pública é sectária e fascista.

 

A violência policial amparada pelo parlamentar se configura no patrocínio de um Estado violento; seria, a rigor, a institucionalização da violência. Outrossim, que não se perca de vista, a pena injusta ou desproporcional aterroriza, não intimida, desacredita o sistema e comumente produz efeitos nefastos e irreparáveis.

 

O crime é um doloroso problema social e comunitário, cuja prevenção interessa ao Estado. O problema criminal deve ser abordado com critério e cautela pelo viés da prevenção, isto é, da intervenção eficaz nas causas e raízes últimas do problema. Isso sugere um novo modelo de Justiça Criminal.

 

Nesse aspecto, observa-se que, nos últimos anos, vários segmentos da sociedade organizada têm empenhado em promover políticas públicas que tendam humanizar a ação policial na tentativa de reverter esse perfil de policia violenta, contrário senso, o que se vê é a consolidação da truculência e da execução sumária em uma ação institucionalizada.

 

Esta equivocada a concepção de segurança pública expressa pelo distinto parlamentar. Significa acreditar que a violência é um problema que está posto no indivíduo. Uma concepção de vida, individualista e totalmente preconceituosa, que não reconhece, nem considera os fatores de exclusão social, de desemprego e de não acesso aos benefícios sociais, e nem acesso ao que se produz socialmente. Esta lógica perversa é simples, culpabiliza-se o pobre pela sua pobreza e se exime de uma análise mais profunda que remeta a tomada de decisões que possam vir a resolver de fato os problemas de exclusão social, ou mesmo, minimizá-los. É o patrocínio de uma política de desordem social, impunidade, corrupção, mandonismo e violência.

 

O poder de uso da força legítima ou violência legal, concedido pelo Estado aos seus agentes da segurança pública, é preceito constitucional. Com efeito, o art. 144 da Constituição Federal preceitua que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos órgãos policiais. Assim, a polícia representa o aparelho repressivo do Estado que tem sua atuação pautada no uso da violência legítima. Nesse contexto, quando age em dissonância com sua competência, atuando arbitrariamente e usando excessivamente da força e da violência, o policial não só macula sua imagem e da corporação, como também vai de encontro ao Estado democrático de direito, onde a lei é o limite da ação.

 

Nesse passo, a limitação da ação dos agentes estatais, logicamente estendido ao trabalho policial, possui fronteiras constitucionalmente delimitadas, onde o respeito à integridade física e à dignidade humana não pode ser afrontado sob pena de colocar em desvalia a prevalência universal do princípio dos direitos humanos, em sua plenitude, sob pena de voltarmos a um estágio de barbárie.

 

É preciso estar atento às nossas palavras e sentimentos. O Estado, enquanto organização governamental com princípios e objetivos que normalmente se pautam pela defesa dos valores humanos e pela paz, deve optar por uma postura diplomática, mas firme. No Estado de natureza, em Hobbes, é a “guerra de todos contra todos”, e está associado, segundo ele, “a certos traços da natureza humana”. Porém, enquanto algumas propriedades da natureza humana empurram para a guerra, existem outras categorias que levam, pelo contrário, à invenção de um acordo pacífico. Inventemos a paz, sejamos sensíveis.