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A Máquina de Votar - 03/10/2009

A Máquina de Votar

Mariana Rios Pereira*

O Brasil conheceu a democracia antes mesmo da república. Ainda no período colonial havia eleições locais para os administradores dos primeiros núcleos de povoamento, tradição herdada dos portugueses. No Império, ela também aparecia como meio de eleger os deputados. Mas essa era uma democracia fraca, incapaz de andar com as próprias pernas. Em 1889, com a proclamação da república, as eleições ganharam uma nova força. Mas isso não significou uma democracia de fato. O voto não era para todos, era aberto e possibilitava uma infinidade de meios para fraude e coação.

Em 1930 criou-se o primeiro Código Eleitoral do Brasil e, em 1932, surgiu a Justiça Eleitoral, o que significou um marco para a segurança, limpeza e transparência do sistema democrático. Foi instituído o voto secreto, o voto feminino e a regularização do sistema de partidos políticos. Esse código já previa o uso de uma “máquina de votos”.

A “máquina de votos”, que só veio a ser efetivamente utilizada na década de 90, mais de 60 anos depois, passou a ser uma meta para o nosso governo, sendo vista como uma maneira de promover a moralização desse processo, historicamente fraudulento e conturbado.

A partir dos anos 60, houve sistemáticas tentativas de criação de um mecanismo de automação por meio dos diferentes TREs (Tribunais Regionais Eleitorais). Na década de oitenta, eram usados diversos sistemas eletrônicos para cadastro e processamento de informações, mas somente nas eleições de 1996, a tão sonhada “máquina de votar”, ou para nós, a conhecida urna eletrônica, entrou em cena. Seu uso foi aumentado progressivamente, até que, em 2002, nas eleições municipais, atingiu-se a meta da eleição completamente informatizada, valendo-nos o título de sistema eleitoral mais moderno do mundo.

Esse magnífico equipamento totalmente nacional vem sofrendo constantes ajustes para adequar-se à modernização da tecnologia disponível. O disquete foi substituído por um moderno cartão de memória e foi criada a possibilidade do uso de fones de ouvido para deficientes visuais. O equipamento ainda passou por um “teste de confiabilidade”, em 2004, que consistia na impressão dos votos para a conferência dos resultados. A conclusão foi a melhor possível

No dia 11 de setembro de 2009 o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) deu início à sua mais nova estratégia para aperfeiçoamento da segurança das urnas eletrônicas. Foi aberto um concurso convocando hackers - aos quais o TSE dá o nome de investigadores - para tentar burlar a segurança das urnas eleitorais. O objetivo do projeto é tentar identificar falhas nesse sistema. As melhores contribuições serão premiadas.

A estratégia do TSE constitui-se em uma interessante tentativa de usar o conhecimento considerado periférico e não institucionalizado, para criar uma maior proteção do nosso sistema eleitoral. Ele visa testar a aparente segurança oferecida pela informatização, que não pode ser de fato garantida devido ao enorme crescimento na área do conhecimento tecnológico. Porém ela pode representar um risco ao qual o sistema é exposto.

Ao abrir o concurso, o TSE aceita fornecer esse acesso a inúmeras pessoas. Mesmo com o processo sendo feito dentro de sua sede, e todos os relatórios de progresso devendo obrigatoriamente ser repassados ao tribunal, ainda existe, mesmo que pequena, a possibilidade de um “vazamento” de informações que prejudiquem a integridade do método que utilizamos. Isso poderia ser reforçado pelo organismo político, ainda corrupto e com resquícios de seu passado fraudulento, que poderia oferecer, por informações úteis, um valor muito superior ao prêmio oferecido pelo TSE, que equivale a cerca de um terço do salário médio de um prefeito em uma cidade de grande porte, para o primeiro colocado.

Essa estratégia do governo traz um risco pequeno em vista das possibilidades que abre. Esse projeto cria a possibilidade de ampliar – e muito- os conhecimentos que já temos sobre essa tecnologia exclusivamente nossa, e que deixa para trás muitos países, como os Estados Unidos, que até hoje sofrem com a insegurança gerada pelas eleições manuais, que frequentemente requerem uma recontagem dos votos, tornando o processo demorado e árduo. Além disso, possibilita uma democratização dos meios de segurança para a eleição dos representantes, clamando para o fato de que não se trata meramente de uma obrigação institucional. É uma visão “fresca” e livre dos vícios burocráticos dos quais estão impregnados os nossos órgãos oficiais.

*Mariana Rios Pereira é goiana, tem 16 anos e atualmente estuda no 2° ano, na Escola Sesc de Ensino Médio – ESEM, no Rio de Janeiro.