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Ficha suja engavetada - 06/05/2010

Subscrito por mais de 1,5 milhão de pessoas e entregue ao presidente da Câmara no dia 29 de setembro de 2009, o projeto de lei que proíbe o registro eleitoral dos políticos ficha suja ainda patina nos escorregadios corredores do Congresso e não deve ser votado a tempo, sinalizando que nas próximas eleições o processo eleitoral continuará contaminado pela indesejável presença desses maus políticos.

Esses políticos tentam torpedear a proposta, sob o argumento da sua inconstitucionalidade, por, no dizer deles, ressuscitar o regime de exceção ao princípio da inocência e supressão de direitos políticos assegurados nos artigos 14 e 15 da Constituição.

O argumento é deveras duvidoso, até mesmo porque o próprio STF não conseguiu formar um consenso unânime, quando julgou a célebre ADPF 144, ajuizada pela valorosa Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

A inscrição de cláusulas pétreas na Constituição, vedando a cassação ou suspensão de direitos políticos, a não ser por decisão judicial transitada em julgado, é tema caro e fruto da luta árdua de grandes patriotas, muitos deles hoje à frente dessa nova trincheira representada pela proposta de lei que cria restrições aos ficha suja.

Nós, da sociedade civil e da Igreja, que combatemos o regime de exceção, jamais imaginamos que os direitos e garantias fundamentais pudessem um dia servir de escudo aos maus políticos, para proteção da iniquidade.

A pergunta que se impõe é: por que a sociedade e a Igreja reuniriam hoje quase 2 milhões de assinaturas para patrocinar um projeto de lei que, em última análise, romperia com direitos e garantias fundamentais?

O fato é que o projeto reflete a indignada inconformidade de milhares de cidadãos e cidadãs diante de um Congresso que nada fez pela transparência na biografia do candidato a cargo eleitoral e da morosidade do Judiciário, que conserva, em suas empoeiradas gavetas, milhares de ações de improbidade e outras contra políticos que, impunes, continuam com livre acesso ao pleito eleitoral.

Os deputados se escudam no argumento de que tais ações, por não terem sido julgadas, não podem produzir o efeito da supressão de seus direitos políticos. Com a inércia da Justiça que não conclui o julgamento dessas ações, tem-se premiado largamente a iniquidade.

A solução dessa lamentável apatia do Judiciário passa por uma urgente reforma das leis de organização Judiciária dos Estados, que já caducaram no tempo, entre outras medidas urgentes.

Veja, por exemplo, o caso de Goiás, cujo Código de Organização Judiciária é de 1981. Em Goiânia, as ações de improbidade, populares e delitos contra a responsabilidade fiscal são julgadas pelos juízes das varas de fazenda pública. As três varas de fazenda estadual estão atulhadas com mais de 23.518 processos, dos quais mais da metade são constituídos por execuções fiscais – o restante refere-se a mandados de segurança contra atos de autoridades, questões previdenciárias, tributárias e de relação de vínculo dos servidores com o Estado e suas autarquias, entre outras.

Mergulhado num cipoal de ações outras, o julgamento das causas que poderiam resultar em sanções aos políticos vem sendo indefinidamente postergado, por conta do emaranhado provocado por um código de organização judiciária ultrapassado.

A solução é, sem dúvida, a criação de vara especializada para o julgamento de casos de improbidade, de ilícitos contra a responsabilidade fiscal e administrativa, de crimes contra a fazenda pública e ações populares entre outras, viabilizando, por meio da especialidade, a solução rápida e eficiente desses litígios, de modo a permitir uma célere apuração da conduta dos políticos.

Urge, portanto, a ação consciente do Conselho Nacional de Justiça para que os Estados adotem medidas urgentes e o aparelho judiciário finalmente destranque suas empoeiradas gavetas e delas retire, para urgente julgamento, as ações contra os políticos ficha suja.

Se nada for feito, é inevitável que a Justiça, cuja inércia levou a sociedade e a Igreja a encaminharem o projeto de lei ao Congresso, assuma também o ônus de trancar, na mesma gaveta, o sonho de impedir a atuação dos maus políticos, sobretudo se um dia vier acolher a tese destes, de inconstitucionalidade do projeto que, a rigor, é um clamor do povo também contra a inoperância do Judiciário.

D. Tomás Balduino é bispo emérito da cidade de Goiás e conselheiro permanente da Comissão Pastoral da Terra (CPT)