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Auxiliar de Autópsia: Servidor Invisível - 13/10/2011

O serviço realizado pelo Auxiliar de autópsia é um trabalho que gera constrangimento ou desconforto às pessoas, esse constrangimento e desconforto está explícito na fala dos trabalhadores nas frases por eles pronunciadas. Os trabalhadores iniciam seus depoimentos enfatizando que o serviço que executam é "normal", como se previssem que o interlocutor pudesse estar considerando tal trabalho "anormal".

O auxiliar de autópsia trabalha cotidianamente no Instituto médico Legal e apesar de realizar um serviço de alto grau de responsabilidade  poucas pessoas realmente sabem o que faz um auxiliar de autópsia.

Somos os responsáveis pela remoção dos corpos, estejam onde estiverem, hospitais, casas, prédios, ruas, matas, córregos, etc. Também somos responsáveis pela realização de “abertura (necrotomia) e sutura (necrorrafia) nos cadáveres”, ledo engano de quem pensa que é o médico legista que realiza essas atividades.

Como ser valorizado, visto, lembrado se nosso ofício é lidar cotidianamente com dores, perdas, sofrimento e morte?É natural que as pessoas queiram “esquecer”, apagar” etc situações ruins, e junto com essas lembranças está o serviço do auxiliar de autópsia. Quem quer lembrar do ente querido, baleado, acidentado, violentado, encontrado numa mata e sendo colocada no “rabecão”?

Quando chega a viatura da PM ou do corpo de bombeiros o cidadão se sente aliviado, quando somos nós em nossas viaturas não há esse sentimento.

Quando falamos que trabalhamos no IML e o que fazemos ouvimos e vemos ora o asco ora admiração por realizarmos um serviço que alguns dizem que não fariam por dinheiro nenhum.

Hoje sabemos que não basta só o dinheiro já que alguns aprovados no concurso não conseguem, por questões físicas e psicológicas, lidar com os cadáveres, outros não suportam as péssimas condições de trabalho e não estamos só falando da falta de condições físicas do prédio ou do escasso equipamento individual de proteção que é contado e deve ser mendigado.

Ostracismo!Querem nos impor o silêncio dos mortos!Só que não estamos mortos! Só que aqui eles possuem mais direitos.

Se assim o diz o cidadão comum que recebe e se beneficia com nosso labor imaginem como somos tratados e esquecidos pela Administração Pública.

E se falarmos em cadáveres putrefados?Aqueles que nem os familiares suportam a proximidade devido ao forte odor.

Há 41 anos dentro da polícia e a margem dela. A polícia civil nesse período teve várias mudanças para beneficiar seus servidores, citamos duas importantes: mudança de escolaridade e possibilidade de reequadramento e promoção observando os 3 (três) anos de estágio probatório devidamente trabalhados mas que foram descontados no computo do período trabalhado. Inventaram uma Polícia a técnico-Científica.

Serviço penoso já que carregamos cadáveres de qualquer “tamanho” e “peso”, só  a cuba para remoção pesa mais de 15 Kg. Salientamos que a maioria de nós somos mulheres, só que ninguém se importa com isso, ninguém vê...nem sempre encontramos pessoas dispostas a nos ajudar já que não são obrigadas a fazê-lo.

Agora proibiram os motoristas de Goiânia de ajudarem o auxiliar, antes ia na remoção apenas um auxiliar e o motoristas os outros ficavam  realizando outras atividades, agora é obrigatório 2 auxiliares irem as remoções, o que corresponde só a um aumento de serviço o que já aconteceu naturalmente com o aumento da violência e os acidentes de trânsito.

Em muito Estados quem faz esse tarefa de remoção é a defesa Civil (corpo de Bombeiros), homens do corpo de bombeiro não só dirigem as viaturas oficiais, como também executam o serviço, ou seja, são pessoas que  pertencem ao quadro da Secretaria Pública e Justiça e não estranhos a este.

Ao chegarmos temos que que iniciar a segunda parte do trabalho e a que requer mais atenção e cuidados, tanto na busca de informações como na tentativa de não se ferir como a instrumentação perfuro cortante.

Em ambas as fases demonstradas encontramos condições prejudiciais, como por exemplo, agentes químicos potencialmente tóxicos, agentes físicos como ruídos intensos, temperaturas extremas e agentes biológicos, como bactérias, fungos, vírus e outros...

Onde encontrar tranquilidade para executar o labor diante do risco de se lesionar como um instrumento perfuro cortante repleto de líquidos corpóreos e se contaminar?

Embora haja o uso de EPIS (jaleco, macacão, luvas), com exceção da mascara de gás individual para a realização de necropsia dos cadáveres em decomposição que não existe na instituição, apenas esse tipo de proteção não  basta. Ela se torna muito limitada à medida em que surge preocupação com as várias formas de contaminação, quer seja no buscar o corpo, quer na sua manipulação para realização do exame cadavérico.

Um trabalho que se torna mais penoso quando envolve um cuidar do corpo humano afetado em sua integridade.

Nesse sentido, DEJOURS (1987) atenta para dois aspectos que implicam carga de trabalho: carga física e carga mental, assinalando que, envolvendo a carga mental, teríamos ainda uma ordem de fenômenos de natureza neurofisiológica e psicológica. A dificuldade apontada por esse autor é a de estabelecer um nexo causai entre determinadas condições de trabalho e a emergência de algum sintoma ou doença mental a elas diretamente relacionadas pois, mesmo sendo intenso o sofrimento, ele é razoavelmente controlado pelas estratégias defensivas, visando impedir que se transforme em patologia. Esse mesmo autor organizou um seminário interdisciplinar para discutir o sofrimento e o prazer no trabalho, assinalando três linhas fundamentais na sua psicopatologia: o medo, o tédio e a tristeza.

Estamos na busca de melhores condições de trabalho só que quando se fala nisso pensa-se somente em condições físicas (prédio, material de trabalho...) se esquecem de quem realiza o serviço o ser humano que segura o bisturi.

Vejamos o que diz FISCHER e Cois (1989), ao discorrerem sobre a melhoria das condições de vida e trabalho, lembram que é preciso observar a estrutura organizacional, bem como os elementos que compõem as tarefas a serem realizadas pelos trabalhadores. Nesse sentido pontuam as formas como as tarefas são realizadas, as posturas necessárias, durações e períodos de trabalho, condições do ambiente físico (iluminação, ruídos, vibrações). Propõem também discussão das questões ligadas às responsabilidades, conflitos e remuneração, enquanto interferentes no processo saúde-trabalho.

Temos nossas reivindicações ignoradas apesar de nos considerarmos pilares desta instituição assim não somos vistos ou considerados, afinal o que queremos?Já ficou claro que ninguém se importa com isso...

Por  hora bastava o que foi dado aos Investigadores e escrivães da Polícia Civil: exigência de nível superior, mudança na momenclatura do cargo de Auxiliar de autópsia e Técnico em necrópsia, facilidade, dentro da Lei, para promoção e progressão, aumento no quantitativo de servidores, tendo em vista, a mudança no procedimento das remoções para não sobrecarregar estes.

Voltamos a afirmar há vida nos necrotérios!!!!Não sepultem os nossos direitos!

Autora: Andréa Lúcia Batista Lopes - Auxiliar de Autópsia