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Tiros pela culatra - 04/01/2012

Comparando-se a Europa com as Américas, temos o seguinte: na Europa 79% dos homicídios são praticados com arma branca (objetos cortantes 36% e, outros, 43%); 21% foram cometidos com arma de fogo; no continente americano os números praticamente se invertem: 74% dos homicídios são praticados com arma de fogo; 26% em decorrência de arma branca (sendo que 16% representam objetos cortantes e 10% entram na categoria "outros").

No Brasil ocorreram, em 2009, 51.434 mortes intencionais; 36.624 mediante o uso de arma de fogo. Ou seja, 71% dos homicídios do País. Região Norte: 3.241 mortes nessa condição; Nordeste: 13.617; Sudeste: 11.989; Sul: 4.832; Centro-Oeste: 2.945.

Números de mortes ocasionadas por armas de fogo no mundo: 42%. Nas Américas: 74%; na Europa: 21%; no Brasil: 71%. Por que na Europa matam menos com arma de fogo? Porque é difícil ter acesso a uma arma de fogo e porque lá, nos últimos sete séculos, conseguiu-se disseminar a cultura do tabu do sangue (ou seja: respeito à vida).

O Brasil é o vigésimo país mais violento do mundo (terceiro da América do Sul). Dos 20 países presentes nesse nada abonador ranking, nove são da América Central, três da América do Sul e oito da África. Note-se: dentre os vinte países mais violentos do Planeta, nenhum da Europa, nenhum da Ásia, nenhum da Oceania. Nestes últimos é difícil ter acesso a uma arma de fogo.

O documento da ONU diz que não tem como associar estatisticamente o fácil acesso às armas a uma maior taxa de homicídios, pois da mesma forma que um maior acesso às armas pode "potencialmente" aumentar o número de homicídios - já que roubos e assaltos a mão armada têm uma probabilidade maior de finalizarem "mal" (morte) do que crimes com armas brancas -, o acesso às armas também aumenta o potencial de defesa da vítima que ao possuir uma arma pode se defender melhor do agressor e, às vezes, evitar o pior (sua morte ou ferimento).

O argumento é aparentemente falacioso pelo seguinte: segundo o governo norte-americano, "para cada sucesso no uso defensivo de arma de fogo em homicídio justificável, houve (em 2009) 185 mortes com arma de fogo em homicídios, suicídios ou acidentes" (Fonte: Donna L. Hoyert e outros: Deaths: Final Data for 1999 em National Vital Statistics Report 49 , N. 8, 2001; e Violence Policy Center , com dados do FBI - Supplementary Homicide Report , 1999).

Pesquisa da Universidade da Califórnia, coordenada pelo médico epidemiologista Douglas Wiebe, concluiu que, no Estado, "pessoas com armas em casa têm duas vezes mais possibilidades de serem mortas por armas de fogo do que aquelas que não as possuem, e 16 vezes mais chances de cometer suicídio. Mais de 56% das vítimas de arma de fogo conheciam seus assaltantes; destas, 15% durante brigas familiares e 6% por disputas por drogas".

No Brasil, pesquisa do Iser analisou 3.394 assaltos registrados nas delegacias do município do Rio de Janeiro, em março de 1998, e constatou: "Quando se reage com arma de fogo a um assalto igualmente realizado com arma de fogo, a chance de morrer é 180 vezes maior do que quando não se reage. A possibilidade de ficar ferido é 57 vezes maior do que quando não há reação" (Fonte: Cano, Ignácio: Pesquisa sobre Vitimização nos Roubos , Iser, 1999).

Armas de fogo: os tiros estão saindo pela culatra!



Luiz Flávio Gomes é jurista e cientista criminal, fundador e presidente da Rede de Ensino LFG, diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes