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Paradigmas de combate à violência - 04/03/2012

O combate à violência é tema corriqueiro em todas as esferas sociais. Entretanto, as soluções apresentadas, em sua maioria, apontam para o desvio dos paradigmas da justiça ou do Estado democrático de direito. Há o fortalecimento das redes comunitárias de solidariedade como tentativa de resistência à violência, mesmo que tais fenômenos possuam características conservadoras e autoritárias. O discurso baseia-se no fomento do medo, individual ou coletivo, que admite a existência ou preexistência de um imaginário interiorizado, repleto de falsas assertivas acerca de procedimentos, circunstâncias, sentimentos, tipos de vítimas, etc. Portanto, qualquer associação de pessoas amedrontadas, almejando paz e segurança, implanta, sem qualquer embasamento científico, campanhas simbólicas contra a violência e impunidade.


Saliente-se, ainda, que tais campanhas surgem quase sempre após a ocorrência de crimes de grande comoção, capitaneadas pela mídia, acarretando a elaboração e aprovação de leis a “toque de caixa”, que procuram suprir supostas lacunas, que na percepção dos menos avisados estejam possibilitando a impunidade. O que se observa é que tais movimentos não possuem qualquer proposta de promover estímulos ao exercício da cidadania, nem tampouco estão preocupados em discutir as causas da violência. Possuem uma postura de simples denúncia e de exigências repressivo-autoritárias.


Mais uma vez, contata-se que a cidadania é confundida com o ato de denunciar criminosos e proteger vítimas. Não há nestes movimentos nenhum caráter reflexivo ou conciliador, o que afasta, de pronto, o exercício da cidadania como uma das formas de interação social.


O sonho de uma cidade sem crimes é considerado, com naturalidade, uma utopia, o que não impede que a sociedade brasileira encare a criminalidade como um fenômeno social. O sentimento que assola o indivíduo diuturnamente é a angústia, gerando a sensação coletiva de insegurança. Daí, abre-se espaço para a manipulação de ideias e até mesmo de comportamentos, ou seja, o que se nota é um sentimento passivo de vitimização, que reproduz uma visão maniqueísta da sociedade, onde os bons se transformam em vítimas indefesas dos maus, incluídos nesta última categoria os supostos responsáveis pela segurança de todos. Desta forma, o consciente coletivo adota as expressões “impunidade” e “ineficácia das normas e do judiciário”. A sociedade sente-se vítima do bandido e o próprio Estado considera-se incompetente ou pouco opressor.


Neste raciocínio, a sociedade olha para o criminoso com fúria, e como profilaxia para a criminalidade exige soluções que se aproximam das teorias formuladas pelos defensores da pena de morte. Esta visão lembra a teoria da anomia defendida por Émile Durkheim, como um estado onde inexiste objetivo ou identidade definida, provocado pelas grandes transformações na sociedade contemporânea, com rompimento dos valores tradicionais e uma incapacidade de atingir a harmonia entre as comunidades.


Seguindo este raciocínio, os juristas criminalistas Antônio Garcia e Pablos de Molina afirmam que “o delito é visto como um enfrentamento formal, simbólico e direto entre dois rivais – o Estado e o infrator -, que lutam entre si solitariamente, como lutam o bem e o mal, a luz e as trevas. O problema da violência torna-se, neste contexto, peça importante na engrenagem da dominação através do medo, sendo sua existência contínua e alarmante, fundamental para que o medo perpetue a dominação”.


Esta realidade passada pela imprensa, mesmo que repleta de controvérsias, gera o desejo por punições, em especial, por penas mais rigorosas. Nesse contexto, ensina a jurista Maria Lúcia Karan, “tais mecanismos ideológicos, que legitimam o poder punitivo do Estado, propagam a falsa ideia de que a imposição deste sofrimento irracional aos autores das condutas conflituosas ou socialmente negativas, que a lei define como crimes, pode trazer proteção, segurança e tranquilidade.” Alimentam e são alimentados com falsas crenças, partindo fundamentalmente da equivocada identificação da ação individualizada da criminalidade convencional como tradução da ideia de violência, identificação que se constrói através da manipulação de sentimentos provocada por uns poucos crimes mais cruéis que comovem e assustam a sociedade.


Outro ponto culminante é que inexiste a comprovação de que a edição ou adoção de leis mais severas garanta segurança de todos, como também não assegura a cidadania. Segundo O’Donnell, “a realidade necessita ser congruente com as leis, é preciso de fato viver a proteção das leis, receber tratamento justo das agências do Estado e proteção contra a violência delas.” A confiança de que as leis garantem a igualdade de tratamento necessita de que as instituições estejam a serviço dos cidadãos, que ninguém seja “dono” delas.


Para finalizar esta polêmica, é oportuno citar o sociólogo Alessandro Baratta, ao sustentar que “a resposta ao problema da criminalidade e do medo só poderá ser efetiva e não ilusória se os cidadãos deixarem de ser espectadores dos meios de comunicação e da política como espetáculo, para serem atores.”


Conclui-se pela necessidade do fortalecimento da sociedade civil para poder identificar seus reais problemas e a intensidade deles, bem como poder visualizar a forma mais igualitária e menos violenta de resolvê-los. É preciso distinguir que uma coisa é encontrar meios para diminuir a violência, e outra é entender que estes meios jamais poderão sair do paradigma da justiça e da democracia, como justificativa da nossa posição de Estado democrático de Direito. Sem pretensão de esgotar o assunto, fica a reflexão: queremos realmente encontrar a solução para a violência? A quem interessa vencer este paradigma?

Fonte: *Laudelina Inácio da Silva é delegada de polícia, doutora em Ciências Criminais, secretária nacional da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica e Associada da UGOPOCI.