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Dependência química é doença complexa - 01/06/2012

PERFIL:
Ronaldo Ramos Laranjeira  é médico psiquiatra formado pela Escola Paulista de Medicina e Phd em Psiquiatria pela Universidade de Londres. Atualmente, é professor titular do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Tem experiência na área de Psiquiatria, com ênfase em alcoolismo e dependência de outras drogas. As principais áreas de pesquisa são: tratamento da dependência química, o impacto das políticas públicas do álcool e outras drogas, bases biológicas da dependência e avaliação epidemiológica do uso de substâncias. Na área de treinamento, coordena vários cursos de pós-graduação lato sensu em dependência química (cursos de especialização presencial e virtual). Professor orientador do programa de pós-graduação do Departamento de Psiquiatria da Unifesp. Coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad) da Unifesp. É o investigador principal do Instituto Nacional de Políticas do Álcool e Drogas, um dos recém-criados Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do CNPq.

 

O senhor vai falar sobre redes sociais e tratamento. Como funciona isso e o que temos hoje no País?

Inicialmente, é preciso criar redes de tratamento para estabilizar a pessoa. Atualmente, só temos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), mas os pacientes precisam também de moradias assistidas e comunidades terapêuticas para ficar por um tempo. Muitas pessoas, além da dependência química, têm outros transtornos psiquiátricos. Precisamos criar também o que chamamos de reabilitação psicossocial, onde entram as redes sociais. No Brasil, não temos nenhum dos dois.

 

Em Goiás, a maioria das comunidades terapêuticas faz um trabalho ligado a igrejas e mais de voluntariado. O que o senhor acha disso?

Não conheço a situação de Goiás, mas essas clínicas, em geral, não têm capacidade técnica para lidar com pessoas que, além da dependência química, têm outros transtornos psiquiátricos. Isso não pode ser considerado tratamento.

 

Qual é a incidência de transtornos psiquiátricos entre os dependentes químicos?

Na comunidade em geral, nas pessoas que se vê nas ruas, em casa, varia de 40% a 50%. Nas clínicas, entre os que estão internados, essa prevalência chega a 70%, 80%. O paradoxo é que os casos mais graves vão para as comunidades terapêuticas, que não têm capacitação. Temos hoje estudos muito consistentes sobre comorbidades. Dependência química é doença complexa.

 

O senhor defende a internação de pacientes? Faltam leitos de internação?

Há uma grande enganação nessa área no Brasil. O governo federal falou em R$ 2 bilhões para investir contra o crack. Anunciaram, fizeram campanha publicitária. Mas quanto chegou desse dinheiro? Nem um tostão. Isso não é apenas descaso, é enrolação, despreparo. Faltam investimentos também dos governos estaduais. Por isso, esse assunto está na pauta há anos e anos e vai continuar.

 

O que o senhor acha da internação compulsória?

Temos três tipos de internação no Brasil: voluntária, involuntária, que é decidida entre a família e o médico, e compulsória, que é determinada pelo juiz sem necessariamente intervenção médica. Hoje, quem tem dinheiro e vê o filho usando crack, se matando, vai interná-lo. Atualmente, 10% das internações em clínicas especializadas são involuntárias. É um procedimento legal. A polêmica existe porque se falou em fazer internação compulsória pelo SUS e o ministério, com a política que tem, se recusa a fazer qualquer internação.

 

Muitos pacientes precisam de internação?

Entre os dependentes de álcool, uma minoria. Já entre os usuários de crack, a maioria vai precisar em um momento ou outro. Deveria haver um sistema de tratamento ambulatorial muito bem articulado, com várias opções, mas só temos os Caps, a maioria com profissionais com pouca capacitação técnica. O Ministério da Saúde vai continuar insistindo nessa política, mesmo vendo que ela não está funcionando.

 

Pelo que o senhor falou, os pacientes ricos têm tratamento e os do SUS só têm os Caps, que, segundo sua avaliação, não funcionam?

A perspectiva é ruim para os pacientes do SUS, para onde recorrem as pessoas que têm parentes dependentes e não possuem dinheiro. Elas vão ficar desamparadas, apesar da propaganda enganosa do Ministério da Saúde, que fala que está investindo todo esse dinheiro no combate e no tratamento do crack. Se havia tanto dinheiro assim, onde ele está?

 

Qual seria a situação ideal?

Defendemos que regiões com 2 milhões de habitantes tenham, no mínimo, uma clínica para estabilização de 30 dias dos pacientes. É isso o que estamos fazendo em São Paulo. Para cada região, deveria haver pelo menos dez Caps com estrutura e uma comunidade terapêutica. Se não houver uma rede, as pessoas vão continuar usando drogas, a criminalidade continuará aumentando e haverá sempre más notícias.

 

Como são essas moradias assistidas?

Depois do tratamento de um mês, o paciente fica em uma casa, onde se recupera. Ele se compromete a não mais usar drogas e nós fazemos o monitoramento, por exames de urina. Se ele usar, tem de sair. Ele também assume o compromisso de participar de reuniões dos Narcóticos Anônimos. Há pessoas reconstruindo suas vidas. Temos essa experiência em São Paulo, que vou mostrar em Goiânia.

Fonte: Jornal O Popular