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GESTÃO POLICIAL, DESMOTIVAÇÃO E IDENTIDADE PROFISSIONAL - 27/06/2012

Toda instituição policial, norteada pelo lema internacional “Servir e Proteger”, visa combater a criminalidade, buscando sua redução a níveis aplaudíveis como forma  de uma resposta  satisfatória para a sociedade. No entanto, as instituições encarregadas pela aplicação da lei, quaisquer que sejam, atualmente perdem batalhas sucessivas para um inimigo invisível, mas extremamente forte, qual seja, a desmotivação profissional.

Façamos então algumas considerações acerca de determinadas medidas que são comumente tomadas pelas administrações policiais, que sob uma ótica profunda, podem ser consideradas ações paliativas. A começar pela mais clássica e óbvia gratificação de risco, que no caso da Polícia Civil do Estado de Goiás não existe mais, pois foi incorporada ao salário, transformado em subsídio. Ora, a função de Encarregado pela Aplicação da Lei é de risco, uma vez que a única certeza desse profissional é a de que se levanta para desempenhar sua missão, sem saber no entanto se concretizará seu maior desiderato, o de retornar para o seio familiar.

Outra medida é o pagamento de horas extras. Normalmente, no decorrer de sua vida profissional, o policial ora desempenha sua atividade em regime de expediente, ora em regime de plantão, com cargas horárias pré-determinadas que justificam sua remuneração. Extrapolando-se a carga horária ( que normalmente ocorre ), dever-se-ia incidir a hora extra, logicamente respeitando o intervalo de descanso. Tal medida não é incentivo, é direito que se faz jus proporcionalmente as horas extraordinariamente prestadas.

 As gratificações de ensino, por exemplo, existem em função de uma atividade ímpar, que é a de multiplicar conhecimentos que foram absorvidos arduamente, e em algumas ocasiões com sofrimento físico ou psicológico, seja através da experiência profissional cotidiana ou intercâmbio docente/discente com outras instituições.

Muitas são as “recompensas” pecuniárias percebidas por profissionais de segurança do cidadão em função  de uma prestação aditiva à principal e não obstamos a essas remunerações. Todavia, esse tipo de profissional que diariamente arrisca-se a ser inopinadamente extirpado do convívio familiar, carece  de outras formas  de incentivos. Incentivos esses que nas mãos de administradores focados no desenvolvimento de lideranças, são transformados em verdadeiras ferramentas/tecnologias de gestão.

Aspectos organizacionais afetam diretamente a motivação profissional, consequentemente, o desempenho e a satisfação no trabalho. Todo policial cerca-se de expectativas em relação aos seus superiores hierárquicos, que se não dominarem novas metodologias de administração serão pela sua equipe considerados como desqualificados para desempenharem seus misteres.

No meio policial muito se fala  em gratificações e planejamentos operacionais, todavia, se questionarmos agora oficiais em postos de comando ou nossos colegas delegados sobre Gestão por Competências, Gestão de Pessoas, Provisão  e Manutenção de Recursos Humanos, Liderança Coach, Blanced Scorecard ou sobre a ferramenta 5W2H, infelizmente veremos uma quase totalidade de olhares duvidosos se entrelaçando. Uma coisa é ser chefe, outra é ser líder. Chefe manda. Líder busca conhecimento, assimila, administra, transforma a realidade, inova, orienta, prestigia. Líder é parte da equipe.

Expliquemos um pouco. Na Gestão por Competências, o líder administrador analisa e define o perfil profissional de cada integrante de sua equipe ( inclusive o próprio perfil ), com o intuito de otimizar a produtividade e alcançar resultados satisfatórios. Com esta ferramenta de gestão identifica-se os pontos fortes  e os pontos vulneráveis e o saneamento eficaz.

Na Gestão de Pessoas um líder busca a seleção de integrantes, aplicação de recursos humanos com ênfase em integração e análise de funções, treinamento e desenvolvimento organizacional.

Com a Provisão e Manutenção de Recursos Humanos busca-se além de do recrutamento, atrair  e conquistar benefícios sociais  relativos as relações trabalhistas pertinentes aos cargos ou funções desempenhadas.

A Liderança Coach é uma ferramenta extremamente importante, pois desenvolve confiança mútua entre os integrantes da equipe. O líder incentiva o desenvolvimento de novas habilidades focando-se na adaptação profissional face a realidade encontrada. A assimilação de novas habilidades pelos profissionais dá a equipe um status de alta performance, com resultados altamente satisfatórios.

O Balanced Scorecard é uma técnica que visa a implementação de uma estratégia, com a monitoração das decisões tomadas  e suas consequências. É importante que haja integração e balanceamento de todos os principais indicadores de desempenho existente na instituição ou segmento dela, desde os financeiros/administrativos até os relativos aos processos internos, determinando metas a serem atingidas para melhorar a qualidade de funções, consequentemente resultados.

A ferramenta 5W2H recebe esse nome em virtude de sete questionamentos realizados em inglês, dos quais cinco começam com a letra ”W” e dois com a letra “H”.

Questiona-se o seguinte: what..., why..., where..., when..., who…, how… e how much…. Destarte, traduz-se assim: O que será feito? Por quê será feito? Onde será feito? Quando será feito? Por quem será feito? Como será feito? Quanto custará fazer?

Poderíamos ainda discorrer sobre Empowerment, Desenvolvimento Organizacional, Programa QVT, Planos de Benefícios, Intercâmbio Avaliativo etc. Mas muitos poderão pensar que esse conjunto de técnicas ou ferramentas administrativas não se aplicam as instituições policiais. Se assim pensarem, incorrerão em equívoco, ou, no mínimo limitarão suas capacidades de proatividade.  

Toda instituição funciona por meio de pessoas que dela fazem parte e que desempenham funções em seu nome.  E para se ter uma idéia de como elas se valoram basta perguntá-las o que elas são. A grande maioria das pessoas responderá genericamente que é funcionário público. No caso específico da Polícia Civil encontramos uma aberração fruto de um relacionamento pessoal antagônico e conflitivo, a identidade profissional. Perguntado a três pessoas se são policiais, verificou-se três respostas que desenham esse contexto. O primeiro respondeu: “Não! Sou delegado”. O segundo, sorrindo ironicamente: “Sou escravão”. O terceiro, ofendido com a pergunta: “Sou agente, um investigador”. Pelas respostas ninguém se considera policial, ou, acham que fazem parte cada um de uma polícia diferente.

A Organização das Nações Unidas e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha reconhecem as polícias do mundo inteiro como Responsáveis pela Aplicação da Lei. Se assim somos vistos, por que assim não nos reconhecemos? Infelizmente, tanto nossa instituição, quanto nós mesmos enxergamos os policiais como recursos para desempenharem uma tarefa e não como parceiros, colaboradores em busca de um objetivo recíproco.

Hoje, infelizmente nossa polícia tem: funcionários públicos isolados nos cargos, preocupação com normas e regras, subordinação cega ao chefe, fidelidade à organização, dependência de chefia, ênfase na especialização e executores de tarefas. No entanto, nossa polícia precisa de: colaboradores agrupados em equipes, metas compartilhadas, preocupação com resultados, atendimento e satisfação da sociedade, vinculação à missão e à visão, interdependência com colegas e equipes, participação e comprometimento, ênfase na ética e na responsabilidade, implementadores de atividades, ênfase em conhecimento e inteligência e talento. Em suma  “se a estrutura é flexível e adaptável, os cargos também serão maleáveis, ajustáveis e abertos, com elevado índice de interação com o ambiente que o circunda.” ( CHIAVENATO, 2004, p.188)

Muito interessante seria se os delegados que se consideram líderes, desenvolvessem projetos ou ações que motivassem suas equipes, na busca de um objetivo comum. E aos agentes e escrivães, como parte dessa equipe, auxiliassem com a construção de planejamentos participativos com características otimizantes e prospectivas. Nada adiantando, então talvez fosse o momento para reformular as grades curriculares desses profissionais. Presidir inquéritos é uma coisa. Administrar instituições é totalmente outra.

 

REFERÊNCIAS

 

CHIAVENATO, Idalberto. Recursos Humanos: O Capital Humano nas Organizações. São Paulo: Ed. Atlas, 2004.

 

_______. Introdução à Teoria Geral da Administração. Rio de Janeiro: Elsevier/Campus, 2004.

 

_______. Gestão de Pessoas: E o Novo Papel dos Recursos Humanos nas Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

 

ITTNER, Chrissopher D.; LARCKER, David F. “Quando os indicadores  de desempenho não-financeiro deixam a desejar”. Harvard Busniness Review. Vol.81, nº11,2003.

 

KOTLER, Philip. Administração de Marketing: Análise, Planejamento, Implementação e Controle. São Paulo: Atlas, 1996.

 

Autor: Leandro Luz e Silva, Agente de Polícia, é servidor da Polícia Civil a mais de dez anos, bacharel em Direito, passou por Delegacias Distritais, Especializadas, GT3 e atualmente é Instrutor de Armamento e Tiro e Cursos Operacionais, lotado na Gerencia de Ensino Policial Civil.