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Suicídio - 15/02/2013

CAMILO FERREIRA BOTELHO CASTELO BRANCO, conhecido por Camilo Castelo Branco, nasceu em Lisboa, aos 16 de março de 1825 e morreu em São Miguel de Seide, com 65 anos de idade.

Obsediado, pessimista, dono de grande inteligência e cultura, um dos maiores escritores português, foi atingindo por uma doença nos olhos que, o levou a cegueira completa. Consultou vários médicos e, no dia 1º de junho, de l890, foi consultado, em sua própria residencia, por renomado especialista.

Sem poder arrancar do médico, a verdade sobre a doença, Camilo ficou a escuta, enquanto o oculista dava sua opinião à sua esposa, Ana Plácio. Aí, o escritor ficou sabendo que sua cegueira se tratava de um caso perdido. Voltou ao quarto e deu um tiro no ouvido.

A ideia de suicídio perseguia Camilo fazia tempo e, prova disso, é a carta que deixou, datada de 3 anos antes! Eis trechos de sua extensa carta de adeus;

“26 de novembro de 1886

Meus padecimentos estão se complicando e levando-me ao suicídio. Esta vontade de me matar vem de longe. E acredito que o momento supremo, não terei a firmeza suficiente para escrever estas linhas. Escrevo-as hoje, antecipando-me a hora final.

Minha vida foi muito feliz e quem me conhece, não deve chorar minha morte.

Quando se ler este papel, já estarei gozando as primeiras de repouso.

Não deixo nada. Deixo um exemplo.

Seja bom e virtuoso, quem o puder ser.

Camilo Castelo Branco.”

Mas, longe de encontrar o repouso que a si mesmo prometera, o pobre escritor encontrou remorsos, sofrimentos, dores, visões aterradoras, um cenário infernal, sem o mínimo descanso. Mais de vinte anos depois da morte, depois de sofrer no horripilante local onde padeceu as mais negras misérias, passou a mandar mensagens psicografadas para a Terra. Eis um trecho de uma de suas cartas:

“Peço aos que me lerem, que acreditem no que digo, sem experimentar. O desastre será irremediável, se fizerem o mesmo que fiz. Aceitem a vida tal como ela é. Aceitem as dores, a cegueira, as deformações, os aleijumes, o desespero, a desgraça, a fome, a desonra, a lama. Tudo, tudo de mau, de injusto que a Terra possa dar são coias excelentes em comparação ao que terão, no caminho do suicídio.”

Estes textos que agora passarei a transcrever é um resumo das primeiras 56 páginas do livro espirita denominado Memorias de um suicidas que possui 568 páginas – psicografia de Yvone A. Pereira, tendo como autor o espirito de Camilo Castelo Branco.

Assim, cumpre-me informar ao leitor que o sofrimento deste romancista português vai além, basta conferir na leitura completa da obra citada em suas 568 páginas.


DEPOIS DO O SUICÌDIO....

“ É bem possível que haja quem duvide da verdade que vai escrita nestas páginas. Dirão que é fantasia. Não os convidarei a crer. Não é assunto que se imponha à crença. Mas se sabem raciocinar, que o façam! Eu os convido desejando, ardentemente, que não queiram conhecer essa realidade através dos canais do suicídio – canais cheios de trevas aos quais me expus eu mesmo...” Camilo Castelo Branco.

“Quem se atira no suicídio espera livrar-se dos sofrimentos considerados insuportáveis.

Também eu pensei assim...

Enganei-me porém – e sofrimento milhões de vezes maiores me esperavam dentro do túmulo, onde me escondi, pensando escapar às dores do corpo físico.

As primeiras horas depois do meu suicídio foram passadas como se eu estivesse dormindo. Meu espírito ficou como desmaiado. Não ouvia, não sentia coisa alguma, a não ser a sensação da morte, que acabara de buscar. Era como se aquele tiro maldito – que até hoje ainda ouço – tivesse esparramado cada uma das células que compunham meu corpo.

A linguagem humana ainda não inventou palavras que possam contar as impressões que se sente o suicida, logo depois do desastre que ele cometeu. Para entender tudo o que se passa, só outro espírito que houvesse cometido a mesma loucura!

Nessas primeiras horas – que se fossem só elas, jáseriam um inferno grande demais para qualquer um – sente-se dolorosamente machucado, nulo, arrebentado em cada uma das moléculas. Perde-se no vácuo... e apesar disso, sente-se medo, acovarda-se, sente-se a profundidade apavorante do erro cometido, na certeza que se ultrapassou os limites permitidos.

Pouco a pouco, fui me sentindo acordar.

Sentia frio, muito frio. Tremia. Tinha a impressão que minhas roupas eram de gelo e estivessem grudadas na minha pele. Faltava-se o ar. Sentia um mau cheiro muito grande, tão grande, que me causava náseas. Sentia uma dor muito aguda na cabeça, partindo do ouvido. Levei a mão ao ouvido direito e percebi o sangue escorrendo do buraco feito pela bala do revólver que usei para o suicídio. O sangue manchou-me as mãos, a roupa, o corpo.

(Obs. O espírito quando permanece sintonizado com a matéria, acompanha o frio experimentado ao cadáver. Daí se explica o contato que temos, quando em sonho, com pessoas tidas como mortas e elas nos apresentarem o toque frio. Com relação a dor que o espirito afirma sentir é o reflexo ( dor moral) na forma de comparativo da sua conduta, enquanto encarnado).

Feita esta observação, voltemos a narrativa de Camilo.

E eu nada enxergava...

Devo esclarecer que o motivo que me levou ao suicídio foi a revolta por haver ficado cego. Pensei que o sofrimento da cegueira fosse grande demais. Com eu estava engando!

E, ao acordar na morte, sentia-me ainda, cego! E além de cego, agora estava ferido. Mas eu acreditava estar apenas machucado – e não morto! Sim, a vida continuava em mim, não havia sido suficiente para matar-me. Imaginei estar deitado em algum leito de hospital, ou em minha própria casa mas, nada conseguindo ver, era impossível reconhecer o lugar.

As dores, a incerteza sobre onde estava e a solidão, começaram a me angustiar. Chamei por meus familiares, por amigos _ mas o silêncio continuava em torno de mim.

Cheio de mau humor, gritei por enfermeiros, médicos que, possivelmente, estariam me assistindo. Bradei por por qualquer pessoa que pudesse abrir as janelas daquele aposento em que me achava. Eu precisava de ar puro, de cobertores quentes que afastassem de mim, aquele frio intenso. Queria que fizessem um curativo na ferida do ouvido; que me trouxessem alimento e água, pois tinha fome, sentia sede!

Mas o que ouvi, horas depois, foi um vozerio que começou ao longe e foi se fazendo mais claro, mais próximo. Era um coro sinistro de vozes confusas e desnorteadas, como uma assembleia de loucos. Estas vozes não falavam entre si, não conversavam. Blasfemavam, queixavam-se, lamentavam, reclamavam, gritavam. Gemiam, choravam um pranto de horror, suplicavam socorro e piedade.

Aterrado, sentia-me ligado, não sei de que forma. Aquelas pessoas que gritavam. Aquelas vozes infundiam-me tão grande pavor, que tentei levantar-me! Aliás, mesmo que o pudesse, como sairia dali, se estava a esvair em sangue? Como andar, se estava cego, em lugar que não sabia qual era?

Cheio de covardia, me pus a chorar, aquele som de loucos parecia fazer estranho coro comigo, como se tivéssemos algo em comum.

Depois de grande esforço, consegui me levantar. O corpo estava frio, os músculos retesados, sentia o corpo inteiro formigando. Quando fiquei em pé, o cheiro repugnante de sangue e carne podres fizeram-me tão fortes, que senti náuseas. O mau cheiro partia do ponto em que estivera deitado. Não entendia como poderia cheirar tão mau, a cama em que me achava. E o sangue continuava a correr, manchando minhas roupas; eu estava inteiro coberto por este sangue empastado que não parava de sair do ferimento que eu mesmo fizera.

Com surpresa, percebi estar vestido com minhas melhores roupas, como se fosse a uma festa, apesar de estar preso a um leito de dor. E não entendia também, como de um machucado até pequeno, pudesse sair tanto sangue – e porque não havia ali perto, alguém para fazer curativos e trocar os panos.

Inquieto, vaguei pela escuridão, procurando uma porta de saída. E tropecei. Tropecei num monte de destroços e me abaixei, querendo examinar, com as mãos, quais coisas eram aquelas que estavam à minha frente.

Então, ah, Deus! Descobri que o montão de destroços era nada menos a terra de uma sepultura, recententemente fechada!

Não sei como, se estava cego, pude ver, no meio da escuridão, o que existia em volta. Eu estava num cemitério.

A loucura se apoderou de mim. Comecei a gritar, a uivar como um demônio enfurecido _ e agora, era eu quem fazia coro àquelas vozes malditas que não se calavam e pareciam se aproximar mais.

O que eu fazia num cemitério? Como havia ido parar ali , assim ferido, sozinho, fraco e doente? Era verdade que eu tentara me suicidar _ mas não havia conseguido. Eu dera o tiro, mas estava vivo... Eu quisera morrer, mas...

E, devagar, a consciência me falou me falou coisas que eu não queria nem pensar: _ “Não quiseste o suicídio? Pois aí o tens...

Como assim? Como poderia ser? Eu não havia conseguido morrer... Acaso não estava ali, vivo e andando?

No entanto, nem havia acabado de fazer estras perguntas, quando me vi a mim próprio! Vi-me como em frente a um espelho: morto, atirado num caixão, já com as carnes apodrecendo, no fundo de uma sepultura _ justamente aquela sobre a qual, acabava de tropeçar!

Fugi dali, desejando me esconder de mim mesmo, cheio de horror.

E, como louco que agora estava, corria, tendo sempre a minha frente, o meu corpo apodrecendo no túmulo, coberto por lesmas nojentas e famintas, que brigavam entre si, para devorar aquele corpo que era eu mesmo!

Ah, que vontade de morrer! Que vontade morrer de verdade, pois mesmo querendo me matar, continuava vivo igual antes _ ou mais ainda!

Na fuga desesperada, consegui chegar a cidade; fui entrando em todas as portas que encontrava abertas, a fim de me esconder. Vagava pelas ruas tropeçamdo, caindo, escorando-me nas paredes, sofrendo sozinho ali, naquela mesma cidade onde eu sempre fui respeitado, onde meu nome era endeusado como um gênio.

Consegui chegar à minha casa. Ali, percebi grande desordem. Meus objetos de uso pessoal, meus livros, manuscritos, apontamentos, nada encontrei nos seus lugares de costume. Senti-me estranho dentro da minha própria casa! Nem amigos, nem parentes me dedicavam ao menos uma palavra de conforto.

Dirigi-me a consultórios médicos, tentei ser acolhido a um hospital, pois sentia febre, dor e amargura. No entanto, apenas a indiferença era o que eu encontrava. Em vão, apresentava-me; ninguém ligava importância quando eu dizia o meu nome, quando eu dizia quem era, o que havia feito, meus títulos, minhas qualidades pessoais _ orgulho tolo, pois ninguém me olhava sequer!

Aflito e sentindo muitas dores, não encontrava alivio em parte alguma.

E o meu corpo morto me atraia para o túmulo onde se encontrava, como se poderoso imã me chamasse com força. Era tão grande a tração exercida pelo meu cadáver e, não encontrando lugar algum onde pudesse ao menos descanar, voltei ao local de onde viera; o cemitério...

Debrucei-me soluçando sobre a sepultura que guardava meus miseráveis restos, sentindo uma fúria diabólica, compreendendo que me suicidara, que estava sepultado mas que, apesar disso, continuava vivo e sofrendo mais, muito mais que antes.

Durante alguns meses, vaguei sem rumo. Ligado à carne que apodrecia, não podia me ausentar dali. Apesar da minha cegueira, vi fantasmas perambulando pelo cemitério e, iguais a mim, estavam chorosos e aflitos.

Numa das vezes em que eu ia e vinha, tropeçando pelas ruas, ao dobrar uma esquina, deparei com certa multidão _ uma porção de individualidades, entre homens e mulheres. Era noite _ ou pelo menos eu achava que era, pois estava sempre envolvido pela escuridão da cegueira. Essa multidão era a mesma que vinha me aterrando com seus lamentos, desde que acordei na morte.

Tentei recuar, fugir, ocultar-me; porém, logo me vi envolvido por aquelas pessoas que uivavam desesperadamente. Fui levado de roldão, empurrado, arrastado e era tal a aglomeração, que perdi-me dentro dela. Aquele bando de dementes era conduzido por soldados _ que agora conduziam a mim também. A cada momento, juntava-se a multidão outro vagabundo, como acontecera comigo que, mesmo querendo, não poderia mais se afastar da turba barulhenta.

Pensei que estivéssemos sendo conduzidos à prisão. Protestei. Em altas vozes bradei que não era um criminoso, enumerando meu nome, titulos e qualidades _ mas os guardas, se me ouviam, nem tiveram o trabalho de responder.

A caminhada foi longa. O frio era cortante e enregelava a todos. Misturei minhas lagrimas e meus lamentos ao coro de vozes horripilante, participando eu também, da triste sinfonia de dor.

Finalmente, começamos começamos caminhar por um vale profundo. Caminhamos muito, muito.

Cavernas surgiram de um lado e de outro, numa espécie de ruas que nada mais eram que estreitas gargantas entre montanhas sombrias. Não se via terra no chão _ tudo eram pedras, lamaçais, pântanos, sombras. Entrávamos cada vez mais naquele abismo. Finalmente, no centro de grande praça encharcada, os soldados fizeram alto e, com eles, estacou a multidão.

Fizemos silêncio até percebermos que a soldadesca se retirava. Eles se afastaram, abandonando-nos ali. Sem sabermos o que significava aquilo, corremos atrás deles, procurando nos retirar também. mas foi em vão! Os pântanos, as cavernas, as ruelas eram tantas, que nos perdíamos num labirinto pois, para quaisquer lados onde olhássemos, para onde nos dirigíssemos, o cenário era sempre o mesmo. Estranho terror se apossou de todos nós.”

Uruaçu, 16 de dezembro de 2011.


Autor: NATALÍCIO CARDOSO DA SILVA é Delegado Regional da Polícia Civil de Goiás e espirita convicto.