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Deputado Donadon e os 6 pês - 02/07/2013

Depois da redemocratização (1985), o deputado Donadon é o primeiro político a ser preso (no caso, por peculato e formação de quadrilha). Quem olha desavisadamente o poder punitivo real, no Brasil, conclui que ele é mesmo adepto do direito penal mínimo, que só atua como ultima ratio, em casos excepcionais, porque muitos mais políticos poderiam estar encarcerados.

 A Justiça criminal sempre funciona seletivamente. Para a cadeia (que faz parte do sistema de controle social, que é guiado pela ordem econômica e financeira) os juízes somente mandam gente dos 5 primeiros pês: pobres, pardos, pretos, prostitutas e policiais. Cruzando os dados do IBGE (Censo de 2010) com os do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias de 2011, Alberto Carlos Almeida (Valor Econômico de 30, 01 e 02 de dezembro) evidenciou o seguinte: a população branca no Brasil é de 48%; a população branca na prisão é de 35%; pessoas de cor preta são 8%; nos presídios os pretos são 16%. Pretos e brancos são criminosos, mas para a cadeia preferencialmente vão os pretos. Ricos e pobres cometem crimes, mas para a cadeia somente vão os últimos. Assim sempre funcionou a Justiça criminal, desde que ela foi “colonizada” (Foucault) pelos poderes fáticos (do dinheiro).

 Eliane Castanhêde (Folha de S. Paulo de 23.10.12, p. A2), comentando o mensalão, escreveu: “Mais que condenar réus tão emblemáticos, o STF mandou um recado ao país e aos poderosos (…) os criminosos de colarinho branco que se associarem para desvios e assaltos aos cofres públicos estarão juridicamente nivelados aos PPP (pobres, pretos e prostitutas) que, historicamente, habitam nossas cadeias”.

 No artigo, quatro são os “pês” reconhecidos: pobres, pretos, prostitutas e políticos. A esses temos que agregar dois mais: pardos e policiais. A prisão de Donadon fechou os seis pês.

 A rigor não é novidade a condenação (esporádica) de gente graúda ou famosa no Brasil: Roger Abdelmassih, Eliana Tranchesi, Suzane von Richthofen, Nicolau dos Santos, Edemar Ferreira, Guilherme de Pádua, Harah Jorje Farah, Cacciola, Pimenta Neves etc. O que não tinha ainda ocorrido, depois da redemocratização, era a prisão de um político.

 O tempo dirá se essas condenações dos poderosos são passageiras ou expressão de uma nova tendência criminal, que estou chamando no nosso Populismo penal midiático (Saraiva, 2013) de disruptiva. Ela veio para ficar ou não? Mais ricos irão para a cadeia, ou não?

 A bandeira do populismo penal disruptivo é a universalização (ou democratização) da persecução penal, ou seja, todos devem ser perseguidos criminalmente (não somente os marginalizados). Ator desse movimento é o legislador disruptivo que, fundado no princípio da igualdade, tende a aprovar leis com os mesmos rigores punitivos tradicionalmente reservados para as classes de baixo (underclass) (I Saborit: 2011, p. 85). Também essa modernização do direito penal, que retrata a expansão extensiva do direito penal, vem acompanhada de mais punitivismo. Caso ganhe força e sistematicidade o populismo penal disruptivo tem suficiente energia para universalizar para todos a incidência do poder punitivo estatal, gerando o encarceramento não só dos tradicionais 5 pês (pobres, pardos, pretos, prostitutas e polícias),  senão também dos políticos (que arrastam com eles alguns comparsas orbitais como banqueiros, bicheiros, construtores etc.).

Autor: LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e coeditor do portal atualidades do direito. Estou no luizflaviogomes@atualidadesdodireito.com.br