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Furar fila: crime? - 23/06/2014

A atitude de furar fila por espertinhos não é considerada um crime, mas gera revolta nas pessoas, causando polêmica, o que pode acarretar brigas e confusões, e aí, sim, ocasionar como consequência um delito. O desacato é o mais comum. Há quem diga que o mundo é dos espertos. Bancos, casas lotéricas, festas, cinemas, lanchonetes, postos de saúde, estádios, aeroportos, enfim, onde houver fila o malandro quer burlar. Infelizmente, fila é uma condição triste que o brasileiro sempre enfrenta em vários locais, parece fazer parte de nossa cultura. Furar fila em terminais de ônibus é o que mais se faz. Falta fiscalização, e educação o povo não possui.

Há uma lei municipal em Goiânia que regula o tempo de clientes em filas de bancos, cujo descumprimento pode gerar multa para a instituição financeira, além da possibilidade do cliente ser indenizado por danos morais na esfera cível. Para que uma conduta seja tida como criminosa é fundamental sua previsão legal. Há no Brasil um princípio constitucional conhecido como “nullum crimem, nulla poena sine lege”. Esta expressão latina está relacionada com o princípio da legalidade da intervenção penal, e significa que não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita e certa. Inexiste aqui uma Lei Penal Fura-Fila. Segundo a Lei 10.048, quem tem privilégios na fila são idosos, gestantes, mulheres com criança de colo e portadores de necessidades especiais. Essas pessoas têm prioridade e preferência em todas as filas e o direito ao caixa especial em bancos, supermercados e serviços públicos.

Há quem entenda que constitui crime contra a economia popular o ato de vender posições em filas. Prescreve o inciso IX, do artigo 2º , da Lei 1.521/51: “Obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos (‘bola de neve’, ‘cadeias’, ‘pichardismo’ e quaisquer outros equivalentes)”, punido com pena de detenção. Trata-se de delito de menor potencial ofensivo. Por outro lado, há juristas que defendem que o ato de espertamente furar uma fila constitui crime de corrupção. Acho muita forçação de barra em ambas situações reconhecer a prática como delito.

É crime eleitoral, por exemplo, furar fila para votação em dia de eleição. É um tipo especial, mas pouco apurado, embora seja uma prática usual e nojenta nos pleitos. Infelizmente, a prática da malandragem no Brasil e a cultura da lei de Gerson, a de levar vantagem em tudo, tornam-se em conduta perniciosa e nefasta. Muito mais que uma nova tipificação penal tornando prática criminosa o jeitinho brasileiro de furar fila, vale mais a educação, a consciência e a ética. Furar fila não é crime, mas é uma atitude imoral, repugnante, imbecil, idiota, sem educação e de falta de respeito.

 

Jesseir Coelho de Alcântara é juiz de Direito e professor