Artigos UGOPOCI

Adam Smith e a corrupção - 16/06/2007

Jornal Opção – Opinião – De: 10 a 16 de junho de 2007

* Gonçalo Armijos Palácios

Talvez não exista melhor homenagem para um pensador que mostrar como, apesar do passo do tempo, suas idéias continuam atuais. É o caso de um pensador único, possuidor de uma das mais brilhantes mentes filosóficas e científicas, cujo aniversário comemoramos nestes dias. Adam Smith nasceu na Escócia, em 5 de junho de 1723. Muitas pessoas me perguntam a relação entre a filosofia e os eventos que nos interessam como seres humanos. A pergunta se explica pela idéia falsa que a maioria tem de filosofia. Pensa-se que, de tão abstrata, ela não tem nenhuma relação com as coisas que nos preocupam como seres humanos práticos, concretos, com necessidades imediatas, com desejos, paixões. Imaginam que a filosofia se preocupa só com o sublime, identificando ‘sublime’ com alguma coisa etérea ou que está além do tempo. Pensam, assim, que nada do que nela se faça tem relação com os homens de carne e osso, com as pessoas normais e com o que ocorre ao nosso redor, nas nossas vidas.

Um dos filósofos que de forma mais clara permite deitar por terra essa imagem falsa que as pessoas possuem da filosofia é, precisamente, Adam Smith. Pois o pensador escocês não simplesmente parte para suas reflexões de uma constatação da natureza humana, como funda uma ciência nessa constatação. As idéias de Adam Smith se baseiam na tese de que os seres humanos tendem a buscar o prazer e o que entendem por felicidade. Nesse sentido, a força última que os motiva é o próprio interesse. Não fazemos nada, segundo essa visão, que, em última instância, não imaginemos que irá redundar no nosso benefício. Idéias como essas já tinham sido defendidas antes por outros pensadores, um deles, Hobbes. Com base na tese do egoísmo, Hobbes, no entanto, desenvolveu uma teoria sobre o Estado em alguns pontos completamente oposta à que está implícita nos textos de Adam Smith. Pois, para Hobbes, o Estado tem de limitar ao máximo as liberdades do cidadão, para poder controlar a matilha de lobos que somos. Já Adam Smith pensa que, naturalmente, se deixados para agir livremente, de alguma forma nossas ações em sociedade terminam beneficiando a maioria. Mas, para que isso ocorra, pensava Adam Smith, o Estado deve interferir pouco.

Em 1751, Adam Smith foi nomeado professor de Lógica na Universidade de Glasgow, assumindo, no ano seguinte, a cátedra de Filosofia Moral. Foram suas idéias desenvolvidas no âmbito da moralidade humana que levaram Smith à sua famosa A Riqueza das Nações, publicada em 1776. As idéias que Adam Smith desenvolve nessa obra permitem que as pesquisas econômicas passem a ser consideradas como parte de uma ciência, uma ciência com métodos precisos e com um objeto abrangente: a economia mundial. Com efeito, na maioria das obras que se preocupa com o início da economia, ou com a constituição da economia como ciência, cita-se A Riqueza das Nações como seu ponto de partida. Nela há uma passagem que muito me marcou e sobre a qual já tenho me manifestado em vários artigos. É aquela em que Adam Smith adverte sobre os “conluios e conchavos” dos empresários para reduzir salários e, assim, aumentar seus lucros, prejudicando os trabalhadores. Quem sempre sai perdendo, diz Adam Smith, são os trabalhadores. Além disso, deixa claro que as leis sempre protegem os empresários, que têm condições para agüentar greves por muito mais tempo que os operários. Além disso, eles sempre estão aliados ao poder político, que os protege.

Vemos como isso é verdade no Brasil atual. Juízes, deputados e políticos em conluios e conchavos com empreiteiros, com donos do jogo organizado e, numa palavra, envolvidos em relações vergonhosas com o crime organizado.

Há uma década, mesmo depois da queda do Muro de Berlim e do fim do chamado socialismo real, ainda acreditava na moralidade e nas boas intenções dos que diziam defender os trabalhadores e o povo. Ledo engano. Parece que todos não passamos de um bando de interesseiros que dizemos defender os interesses da maioria oprimida. Mas é só aparecer um pouco de dinheiro fácil para estremecer nossa ideologia. Além de interesseiros e ambiciosos, hipócritas. É vivendo para aprender.

* GONÇALO ARMIJOS PALÁCIOS, filósofo e professor da UFG, é articulista do Jornal Opção.