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Roriz e a Justiça que o ampara - 17/07/2007

A renúncia de Joaquim Roriz ao mandato de senador pelo Distrito Federal, dia 4 de julho, foi apenas mais um ato de um processo repleto de equívocos. De os todos os atos desse processo, certamente o mais lamentável, triste e vergonhoso foi seu pronunciamento na tribuna do Senado Federal, em 29 de junho. Em sua parte final, tal como que tomado por involuntária emoção, em que pese o texto escrito, aduziu ser vítima da imprensa e do sensacionalismo dado às gravações que o comprometem.

Diógenes Magalhães da Silveira Neto

Como corolário de sua vida pública imaculada, verberou que, não obstante centenas de processos contra si, no decorrer de sua carreira política, jamais fora condenado em um sequer, como se isto fosse prova de inocência. Ora, esta afirmação só demonstra o caos de impunidade por que passa este combalido país. Será que, dessas centenas de processos que alega, nenhum só que seja teria fundamento? Se pensarmos bem, talvez todos o tivessem.

Em verdade, a improcedência dos aludidos processos, proclamada pelo Judiciário, moralmente não o exime de nenhuma responsabilidade, principalmente se aventarmos a possibilidade de que grande parte dessas questões tenham se dado em foro goiano. Ao contrário, só reforça a convicção de seu comprometimento. Dizer, então, que foi inocentado pela Justiça, soa como um tiro no próprio pé.

Em determinado momento de sua infeliz e bisonha intervenção, dirigindo-se aos demais senadores presentes, com a voz embargada, após elogiar o presidente da casa, a quem ombreia-lhe em infortúnio de idêntica matiz, apelou, pateticamente, à comoção de seus pares, numa alusão de que, genericamente, todos naquela casa fossem homens honrados, quando é público e notório que o Poder Legislativo, em matéria de corrupção, só perde para o Judiciário.

Ao repto de que pedir dinheiro emprestado não é crime, derramou elogios a seu amigo de longos anos, o prestativo mutuante Nenê Constantino, proprietário da Gol Linhas Aéreas e um dos maiores, se não, o maior concessionário de serviço público em Brasília, fato este que, por si só, já induz imoralidade, tendo-se em conta que o mutuário é um senador da República, tendo sido, por várias vezes, governador do Distrito Federal.

Falando em Judiciário, que lástima a justiça comum de nosso Estado. Contaminada, talvez, por sua proximidade a Brasília, aqui os problemas éticos chamam a atenção. Juízes e desembargadores aposentados, que hoje advogam, usam de seus estreitos relacionamentos com os que julgam seus processos. Consagrou-se a figura do favor jurídico. O corporativismo é reinante na Corregedoria-Geral de Justiça. De vez em quando aplicam uma pena só para dar uma satisfação a esta sociedade já desacreditada na Justiça.

O Conselho Nacional de Justiça alega não ter competência jurisdicional para investigar e julgar casos de corrupção, apesar de já tê-lo feito em outras oportunidades. Depende de quem requer e de quem é o requerido. Portanto, não há quem dê jeito. Só nos resta apelar para que forças sobre-humanas alentem e minorem as agruras de quem for vítima de nossa Justiça. É torcer para que estas mesmas forças recaiam e aniquilem o mal da corrupção em nosso judiciário, tal como se infere do escólio do maior cronista político em atividade no país, Arnaldo Jabor, e da qual me reporto, pedindo vênia para transcrição de parte de seu texto, de um ano e meio atrás, repisada e publicada neste jornal, em 22 de maio, com algumas modificações, de forma a atualizá-la aos novos escândalos nacionais, o que nos leva a eternizá-la, não só pelo aspecto do continuísmo da vil prática, foco da matéria, como também por ser esta crônica uma obra genial, em todos os sentidos.

Não fosse real o espectro trágico de seu conteúdo, poderia ser tida como uma obra de inequívoco humor, eis que é impossível não se rolar de rir ao lê-la. Arnaldo Jabor sintetiza o caos inexorável. Aflui-se de suas palavras, de extraordinário humor, não nos faltar mais nenhuma esperança contra a corrupção, a não ser, apelar para a maldição. É indescritível o paradoxo, eis que fulgura um misto de júbilo e dor. É muito engraçado, porém, cruel a sua realidade. Eis apenas um pequeno trecho desta crônica inesquecível: “Malditas sejam as caras-de-pau dos ladravazes, com seus ascorosos sorrisos, imunda honradez ostentada, gélido cinismo, baseado na crapulosa legislação que os protege há quatro séculos, por compadriços juízes, repulsivos desembargadores, fariseus que vendilham sentenças por interesses políticos, ocultados por intrincados circunlóquios jurídicos, solenes, lero-leros para compadrios e favores aos poderosos! Que vossas togas se virem em abutres famintos que vos devorem o fígado, acelerando vossas mortes que virão por vossa ridícula sisudez esclerosada com que justificais liminares e chicanas que liberam criminosos ricos e apodrecem pobres pretos na boca-do-boi de nossas prisões”.

Diógenes Magalhães da Silveira Neto é advogado e professor universitário