Artigos UGOPOCI

Crise do estado de Goiás - 21/01/2007

Jornal Opção – Entrevistas – Dia 24/12/2006



JOSÉ MARIA E SILVA

Assim como os demais Estados brasileiros, o Estado de Goiás já foi um menor infrator. Podia gastar à vontade porque a mamãe União era quem lhe pagava as contas. Goiás desprezava completamente uma lei incontornável da economia — a de que não se deve gastar mais do que se tem. Valendo-se da inflação estratosférica, que servia para empurrar indefinidamente o ajustamento das finanças públicas, Goiás era um Estado perdulário, que, a exemplo dos outros, investia o mínimo à custa de endividar-se ao máximo. Coube ao presidente Fernando Henrique Cardoso acabar com a inconseqüência fiscal dos Estados brasileiros, incluindo Goiás. Aprovada em 4 de maio de 2000, a Lei Complementar nª 101, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, é o Estatuto da Criança e do Adolescente da política brasileira. Mas, ao contrário do Estatuto (que fez da menoridade penal um salvo-conduto para o crime), a Lei de Responsabilidade Fiscal acabou com a menoridade administrativa dos Estados e municípios — desde que ela entrou em vigor, governadores e prefeitos incorrem em crime caso façam despesas maiores do que a receita de seus respectivos Estados e municípios.

O ano de 2006 será um marco na história das finanças públicas brasileiras. Pela primeira vez, os governadores que estão deixando o cargo vão completar todo o mandato sob a égide da Lei de Responsabilidade Fiscal. Daí as dificuldades que os governos estaduais estão tendo para fechar suas contas de acordo com o que determina a lei. Goiás é um exemplo. Como não acontecia há mais de sete anos, desde que Marconi Perillo tomou posse como governador do Estado em 1º de janeiro de 1999, o funcionalismo público voltou a receber com atraso. Somente na semana passada, praticamente às vésperas do Natal, foi quitada a folha de novembro. Mesmo se conseguir finalizar o pagamento de todo o 13º salário na próxima semana, para os aniversariantes deste mês, como está previsto, o Estado ainda ficará devendo toda a folha de dezembro. E dificilmente conseguirá quitá-la até o quinto dia útil do mês seguinte ao mês trabalhado, como manda a legislação. Além disso, o Estado tem dívidas com fornecedores e com a União, que, mensalmente, cobra a parcela que lhe cabe no programa de ajuste fiscal feito com os Estados.

O atraso de pagamento dos servidores públicos é apenas a face mais visível da crise nas contas públicas. Por trás dela, fermenta-se uma crise política nas hostes do Tempo Novo, entre partidários do ex-governador Marconi Perillo e correligionários do governador Alcides Rodrigues. Se o Estado está em dificuldade financeira, de quem é a culpa? Como sempre, é claro, a culpa é do outro. Partidários do senador eleito insinuam que Alcides não está sendo suficientemente criativo para administrar uma dificuldade passageira, enquanto correligionários do governador insinuam que Marconi deixou uma herança maldita para seu sucessor. A rigor, uns e outros estão errados. Não porque estejam mentindo, mas porque não estão falando a verdade inteira. De fato, Alcides Rodrigues recebeu um Estado com dívidas. Mas com um crédito popular que lhe possibilitou ser reeleito. E esse crédito, obviamente, se deve aos mais de sete anos do governo do Tempo Novo. Ou é possível acreditar que Alcides Rodrigues se elegeu sozinho, contrapondo os méritos de uma gestão de sete meses aos deméritos de uma administração de sete anos? Os goianos sabem que não. Inclusive porque, na própria campanha majoritária, Alcides era quase indissociável de Marconi.

O que está acontecendo no Estado é o que acontece no resto do Brasil. Os governos estaduais e municipais ainda não aprenderam a lidar com a Lei de Responsabilidade Fiscal. O próprio povo não consegue compreendê-la. Até os formadores de opinião — jornalistas, juristas, professores, intelectuais, entre outros — têm uma visão um tanto mágica das contas públicas. Por um lado, se regozijam quando sabem que um governante está sendo processado por não ter cumprido a Lei de Responsabilidade Fiscal; por outro, amaldiçoam a lei sempre que seu cumprimento inibe os gastos públicos. Num país em que “público” não significa “de todos”, mas “de ninguém”, podendo ser apropriado por “quaisquer”, o Estado é visto apenas como provedor da nação, jamais como seu gerente. O Plano Real estabilizou a economia e derrotou a inflação, mas, nesses doze anos de sua vigência, ainda não houve tempo para que a classe política fosse reeducada para a verdadeira economia de mercado, que exige a perfeita adequação entre receitas e despesas na gestão das contas públicas. E a razão é simples: o próprio povo não assimila esse rigor. Os brasileiros, indistintamente, cobram milagres do poder público. Todos nós — ricos e pobres, empresários e trabalhadores — esperamos que o Estado providencie maná do céu.

Vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 1976, o monetarista norte-americano Milton Friedman (que morreu no mês passado, aos 96 anos) disseminou a frase “não existe almoço grátis” (apesar de não tê-la criado), para ironizar aqueles que defendem um Estado paternalista. Suas teses influenciaram a economia contemporânea, contribuindo para formar o atual perfil dos Bancos Centrais de todo o mundo. E foram muito bem-sucedidas no Chile de Pinochet, por intermédio de discípulos do Nobel de Economia, como também na Inglaterra de Margaret Thatcher, de quem Friedman foi assessor econômico. Mas, no Brasil, a máxima de Friedman ainda não encontrou tradução prática. Dos programas de inclusão social às políticas de incentivos fiscais, compete ao Estado subsidiar toda a vida social. Em contrapartida, ele sente-se no direito de escravizar o cidadão com uma das mais altas cargas tributárias do mundo. Não para prestar-lhe serviços, mas para obrigá-lo a custear a máquina administrativa, sempre maior do que deveria ser.

 

Em Goiás, o Tempo Novo mudou parcialmente essa realidade, ao criar um novo conceito de serviço público, que incorpora o dinamismo da iniciativa privada. O Vapt-Vupt é a face mais visível dessa notável melhora nas relações entre poder público e cidadão comum. A capacitação de servidores e a contratação de gestores públicos são outros exemplos do empenho do governo do Tempo Novo em melhorar os serviços que o Estado oferece à sociedade. Na sexta-feira, 22, o governador Alcides Rodrigues publicou, no Diário Oficial do Estado, a nomeação das 2.633 pessoas selecionadas em concurso para os cargos de gestor, analista e assistente de gestão administrativa. A partir de terça-feira, 26, imediatamente após o Natal, os 291 gestores, 242 analistas e 2.100 assistentes de gestão administrativa começam a tomar posse de seus respectivos cargos em vários setores da administração pública estadual, numa prova de que o Estado não parou. O concurso de gestor público, disputado por concorrentes de vários Estados, foi realizado neste ano, o que mostra a disposição do governador Alcides Rodrigues em cumprir com seus compromissos. (Convocar os aprovados ainda neste ano era um deles.)

O dinamismo da administração pública impresso pelo Tempo Novo se fez sentir até mesmo em áreas eminentemente clientelistas como a assistência social. Ao trocar a distribuição de cesta básica em cima de caminhões pelo repasse de uma renda mínima através da rede bancária, o governo do Estado pensou não somente na fome das famílias carentes, mas também em sua dignidade. Entretanto, a considerável melhoria no tratamento que o Estado dispensa ao cidadão não significa que o clientelismo tenha sido erradicado de Goiás. Ao contrário, ele continua muito vivo e se alimenta de eleições. De dois em dois anos, se quiser sobreviver politicamente, todo homem público tem de se render ao populismo, prometendo o que não pode cumprir e fazendo obras que não pode pagar. Ninguém escapa. O populismo é um imperativo categórico das nações de Terceiro Mundo. Nem mesmo Fernando Henrique Cardoso (talvez o presidente mais avesso a povo — para o bem e para o mal — que já administrou o país) conseguiu escapar dele. No auge do Plano Real, ele não hesitou em usar eleitoralmente o dólar artificial que criou.

A Lei de Responsabilidade Fiscal procura evitar que o governante se deixe tentar pela sedução das urnas e acabe negligenciando as contas públicas. Em seu artigo 42, ela é clara: “É vedado ao titular de poder ou órgão, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito”. O objetivo da lei é muito claro: ela não quer que o governante contraia dívidas para o seu sucessor pagar. Todavia, a lei se esqueceu dos casos em que o governante, por ser candidato a outro cargo e não à reeleição, é obrigado a se desincompatibilizar um mês antes de completar o primeiro quadrimestre de seu último ano de mandato. É o caso do ex-governador e senador eleito Marconi Perillo. As dívidas que, porventura, ele tenha contraído até 31 de março de 2006 (quando deixou o cargo de governador do Estado para pleitear o mandato de senador da República) ficaram para Alcides Rodrigues pagar.

E ficaram dívidas do governo Marconi para o governo Alcides? Sim. Segundo o “Demonstrativo VI”, da Secretaria da Fazenda (disponível no sítio do órgão na Internet), o montante de restos a pagar do governo do Estado, no primeiro bimestre de 2006, chegava a 832 milhões de reais. Com o cancelamento de algumas despesas e o pagamento de outras, Alcides Rodrigues herdou de Marconi Perillo restos a pagar no valor de 577 milhões de reais, segundo o referido demonstrativo assinado pelo próprio Marconi Perillo, em seu último dia de governo, e também por José Carlos Siqueira (secretário da Fazenda à época) e Luiz Carlos da Fonseca (chefe do Gabinete do Controle Interno). Esses valores variam conforme as fontes e podem chegar 900 milhões de reais, em relatos orais de algumas delas. Como Marconi Perillo deixou o governo faltando um mês para completar o primeiro quadrimestre do exercício de 2006, é possível que esses dados não estejam consolidados e que os débitos herdados por Alcides Rodrigues sejam um pouco maiores. Mas, dificilmente, seriam 900 milhões de reais, como, oralmente, chega-se a comentar.

 

Um relatório resumido de execução orçamentária relativa ao segundo bimestre de 2006, assinado pelo governador Alcides Rodrigues em 30 de maio último, contabiliza restos a pagar no valor de 715 milhões de reais no final do primeiro quadrimestre, ou seja, em 30 de abril, apenas um mês depois de Marconi Perillo ter deixado o cargo de governador. O documento (também assinado por Oton Nascimento Júnior, secretário da Fazenda, e Luiz Carlos da Fonseca, chefe do Gabinete de Controle Externo), contabiliza uma receita acumulada no primeiro quadrimestre de 2,3 bilhões de reais. Todavia, o total de despesas empenhadas no mesmo período superou a casa de 3 bilhões de reais, daí o déficit de 715 milhões de reais que ficou para ser quitado no quadrimestre seguinte. Esse montante é compatível com o volume histórico de restos a pagar que vinham sendo rolados ano a ano. Segundo levantamento do secretário de Planejamento do governo Alcides, José Carlos Siqueira (que também foi secretário da Fazenda e Planejamento do governo Marconi Perillo), em 31 de dezembro de 2005, os restos a pagar do governo estadual somavam 602 milhões de reais.

Seja 577, 602 ou 715, o certo é que esses números, seguidos de meia dúzia de zeros, fazem muita diferença em qualquer orçamento e significam uma grande dor de cabeça para qualquer administrador. Todavia, um estudo do secretário José Carlos Siqueira ajuda a relativizar o peso deles nas finanças do Estado. Em 31 de dezembro de 1998, quando o governador Helenês Cândido (substituindo Maguito Vilela e Naphtali Alves) encerrou o ciclo de poder do PMDB em Goiás, o Estado contabilizava restos a pagar no montante de 702 milhões de reais. Entretanto, a receita do Estado naquele ano (sem contabilizar o dinheiro da venda de Cachoeira Dourada) tinha sido de 3,4 bilhões de reais. Ou seja, os restos a pagar deixados pelos governos do PMDB para o governo do Tempo Novo significavam 27,49 por cento da receita do Estado. Já os 602 milhões de restos a pagar deixados por Marconi Perillo no final de 2005 representavam apenas 7,83 por cento da receita de 7,6 bilhões de reais do Estado no ano passado. É com base nessa comparação, entre outras, que o secretário do Planejamento de Alcides Rodrigues garante que as finanças do Estado estão sob controle e que as dificuldades de caixa são momentâneas. [Leia entrevista de José Carlos Siqueira na página A-9.]

Um dos fatores que podem complicar a vida do novo governo de Alcides Rodrigues é o impacto nas contas públicas dos planos de cargos e salários recentemente aprovados. Em 8 de junho último, o governador sancionou as leis que regulamentam os planos de cargos e salários de 13 órgãos estaduais, beneficiando cerca de 12 mil servidores. Os planos sancionados por Alcides Rodrigues se somam aos outros 12 planos de cargos e salários que foram implantados no Estado desde 1998 por Marconi Perillo, beneficiando um total de 125.728 servidores, segundo dados da Agência Goiana de Administração. Nos planos recém-criados, foram estabelecidas 12 referências para a progressão funcional, o que significa, em cada uma delas, um acréscimo de 5 por cento sobre o vencimento do servidor. O crescimento vegetativo da folha de pagamento do funcionalismo, decorrente dos benefícios que os servidores de carreira acumulam ao longo dos anos, será mais intenso com a implantação desses planos.

Em 2005, o total da folha de pagamento (soma dos 12 meses) ficou em 3,418 bilhões de reais. Em 2006, o montante da folha subiu para 4,123 bilhões, o que representa um acréscimo de 704,9 milhões de reais. Os dispêndios com o Fundo de Previdência Estadual também cresceram, passando de 799 milhões de reais em 2005 para 928 milhões de reais em 2006. A folha da Secretaria de Educação, a maior de todas, cresceu 183,6 milhões de reais, passando de 658,5 milhões em 2005 para 842,1 milhões em 2006. A folha da Polícia Militar (a segunda maior do Estado, mesmo sem contabilizar o Corpo de Bombeiros) cresceu 69,9 milhões de reais, passando de 283,1 milhões de reais para 353,1 milhões de reais. Já a folha de pagamento da Secretaria da Saúde passou de 179,8 milhões para 224 milhões, com um acréscimo de 44,1 milhão de reais.

As tabelas nesta página mostram os reajustes de salários concedidos aos servidores e os impactos dos planos de cargos e salários nas despesas de pessoal do Estado. O impacto acumulado em 2005 e 2006 soma quase 74 milhões de reais a mais, quando contabilizada a segurança pública, beneficiada com os maiores percentuais de reajuste exatamente no período entre 2005 e 2007. Como a despesa com pessoal consome a maior fatia da receita, o Estado terá que continuar crescendo acima da média nacional para manter seu equilíbrio financeiro. Mas o potencial de crescimento de qualquer economia tem um limite. Por isso, o Estado também precisará cortar despesas.

ENTREVISTA/JOSÉ CARLOS SIQUEIRA

 
“O Estado está com as contas equilibradas e consistentes”


O secretário de Planejamento do governo Alcides Rodrigues, José Carlos Siqueira garante que as contas do governo de Goiás estão equilibradas. “E equilibradas de maneira consistente”, assevera. A melhor prova disso, segundo ele, é a relação entre dívida externa do Estado e sua receita corrente líqüida. “Em 1998, a dívida representava 3,35 vezes a receita. Hoje, essa proporção caiu para 1,85”, compara. O secretário, que também ocupou as pastas do Planejamento e da Fazenda no governo Marconi Perillo, recebeu a reportagem do Jornal Opção no final do expediente de quarta-feira, 20, e fez um breve balanço das contas do Estado. Confira.

As contas do Estado de Goiás vão mal?

As contas do Estado estão equilibradas. Trata-se de equilíbrio consistente. Ainda que, pontualmente, possa apresentar algum nível de dificuldade financeira. O que importa é que o Estado melhorou, sensivelmente, nos últimos oito anos, em termos de infra-estrutura econômica, infra-estrutura social, qualidade de serviços e realização de programas sociais. As contas públicas não podem ser lidas como se lêem as contas de uma empresa. Numa empresa, o que interessa é o lucro. Na administração pública, o mais importante é atender as demandas da sociedade.

O Estado conseguirá cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal?

Não tenho dúvida. Vamos cumprir rigorosamente a Lei de Responsabilidade Fiscal. Em países onde há uma profunda demanda por serviços públicos, como é o caso do Brasil, não é possível pensar em contas públicas sem imaginar algum grau de dificuldades, como está ocorrendo agora. As demandas são muitas, mas os recursos são escassos.

Como está o pagamento dos salários dos servidores?

Cerca de 80 por cento dos servidores do Estado receberam o pagamento de novembro dentro do mês trabalhado. O pagamento do restante está sendo concluído hoje [quarta-feira, 20]. Os servidores que aniversariam no mês de dezembro também receberão o seu 13º provavelmente até a próxima sexta-feira. Marconi Perillo e Alcides Rodrigues receberam o Estado, em 1998, com dois meses e meio de atraso. O governo não apenas conseguiu pôr o salário em dia, como passou a pagá-lo dentro do mês trabalhado. Além disso, investiu fortemente na capacitação do servidor público, implantando plano de cargos e salários para quase todos os servidores.

E as dívidas com os fornecedores?

A dívida dos fornecedores que devem receber dentro do exercício totaliza cerca de 70 milhões de reais. Esse montante será pago até 31 de dezembro. Alguém pode se perguntar porque não utilizamos esse dinheiro para pagar mais algumas folhas de servidores. Isso não é possível. A lei não permite.

A arrecadação tende a crescer?

A receita total do Estado para 2007 é de 10,3 bilhões de reais. Ela tem crescido entre 8 e 10 por cento. Para 2007, adotamos uma estimativa de crescimento conservadora, de 4,6 por cento. Mas o crescimento deve ser bem maior.

Mesmo com a crise do agronegócio?

Ela refletiu em 2004, quando tivemos um crescimento menor do que o que vínhamos tendo no Estado desde 1999, exatamente em função desse desequilíbrio no setor agrícola. Mas, pelas informações que temos do IBGE, esse problema foi totalmente superado. Em 2005, Goiás cresceu acima da média nacional e a tendência é continuar crescendo no mesmo ritmo em 2006. O governo está fomentando, de modo muito consistente, a economia. O governador Alcides Rodrigues anunciou, em menos de dez dias, um investimento de 5 bilhões de reais no Estado. Já no primeiro trimestre de 2007, a Hyundai será inaugurada em Anápolis. E novas indústrias estão sendo implantadas no Estado.

O Estado deve antecipações de receita?

No presente momento, o Estado de Goiás não cumpre nenhuma obrigação relativa à antecipação de receita. Mesmo porque não é possível trabalhar com antecipação de receita no último ano de mandato sem cumpri-la dentro do exercício. A antecipação de receita mais longa que havia estava parcelada em 3 milhões de reais por mês e foi quitada no mês de novembro.

As dificuldades de caixa não comprometem os programas sociais?

O Estado investe, aproximadamente, 36 milhões de reais por mês nas políticas de inclusão social, como a Renda Cidadã e a Bolsa Universitária. Acredito que é possível manter esse nível de investimento. Claro que, na medida do possível, temos que continuar investindo na inclusão efetiva dessas pessoas, para que elas saiam da condição de beneficiárias desses programas e ingressem efetivamente no mercado. Isso tem acontecido através do Banco do Povo, ainda que num percentual baixo. O Estado tem que continuar investindo na porta de saída dos programas sociais.

Ajuste fiscal salvou o Brasil da sangria dos Estados


A última eleição presidencial deseducou o povo brasileiro. Ao eleger o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como seu principal adversário, demonizando a necessária venda das empresas estatais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva consolidou, na população, o sentimento atávico das Capitanias Hereditárias — a crença num Estado paternalista que tudo provê e nada exige. Começando, claro, por subsidiar as elites, que menos precisam dele. A rigor, a política de privatizações do governo passado foi a salvação do Brasil. Sem ela, o Plano Real teria feito água como todos os planos que o antecederam e o país ainda estaria às voltas com a inflação. Se Fernando Henrique merece críticas, elas têm de ser dirigidas à sua incapacidade de romper com o fisiologismo e aprofundar a consolidação da economia de mercado no país.

A Lei de Responsabilidade Fiscal — que o PT combatia ferozmente — é um prenúncio da maioridade administrativa que o Brasil nunca teve. Historicamente, os governantes brasileiros nunca se preocuparam em gastar só aquilo que o Estado tem condições de arrecadar. Quando não recorriam a empréstimos externos, imprimiam moeda para fazer frente aos gastos, gerando inflação. A reforma do Estado brasileiro, que teve início no governo de Fernando Collor, com o Programa Nacional de Desestatização, criado em 1990, consolidou-se no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, com a privatização da telefonia, a venda de estatais do setor elétrico e a intervenção do governo federal nos bancos estaduais. Depois de adotar uma série de medidas que tinham como objetivo ajustar as contas dos Estados, o governo federal conseguiu aprovar a Medida Provisória 1.560, em 19 de dezembro de 1996, criando o Programa de Ajuste Fiscal dos Estados. Desde então, esse programa passou a ser o bode expiatório de todo governador com dificuldade para fechar o caixa.

Ao se queixarem do ajuste fiscal, os governadores repassam à população uma visão equivocada do governo federal. É como se os governadores fossem operar milagres em seus respectivos Estados com o dinheiro que são obrigados a destinar à União. Todavia, isso não é verdade. Antes do ajuste fiscal, quando tinham estatais e bancos, não havia dinheiro que chegasse para os governadores. Além de esvaziarem os cofres de seus bancos, ainda contraíam empréstimos no exterior, em dólares. No fim, os credores externos acabavam cobrando os débitos da União. O Programa de Ajuste Fiscal do governo Fernando Henrique Cardoso pôs um fim nessa menoridade administrativa dos governos estaduais. A União assumiu o montante das dívidas dos Estados, — que totalizava 101,9 bilhões de reais, — e, em contrapartida, exigiu da parte deles um comprometimento mensal da receita com o pagamento dessa dívida. A União faz com os Estados o que o FMI faz com o Brasil — ensina o gestor público a ser previdente, gastando o que pode e pagando o que deve.

É claro que os governadores nunca aprendem. Todos eles, sem exceção, recorrem à demagogia para criticar o ajuste fiscal. E enumeram os quilômetros de estradas pavimentadas que iriam fazer com esse dinheiro. Como crianças crescidas, os governadores parecem querer que a União assuma a dívida, acreditando, com isso, que ninguém precisará pagá-la. Se não existe almoço grátis, alguém terá de pagar o que for perdoado dos Estados. Como esse “alguém” não é o presidente da República, que obviamente nao irá pagá-la de seu bolso, a dívida acabará sendo “socializada” pela União com todos os brasileiros, através de uma carga tributária cada vez mais pesada. Goiás, por exemplo, gastou, de 1998 a 2006, mais de 5 bilhões de reais com os serviços e juros da dívida, graças ao ajuste fiscal com a União. Horrorizados com esse valor, como se ele fosse uma apropriação indébita, políticos e técnicos alegam que esse dinheiro daria para fazer 12 mil quilômetros de estradas pavimentadas. Ora, e quem iria fazer a manutenção dessas rodovias? O Banco Mundial, com novos empréstimos, como sempre acontece cada vez que os governos estaduais precisam tapar buracos das estradas?

Os governantes brasileiros precisam assumir a maioridade fiscal que a lei lhes impõe. Em Goiás, o Tempo Novo deu início a esse processo de maturidade administrativa no Estado e, sem dúvida, melhorou as contas públicas (em que pese assumir despesas que não são suas, como o eleitoreiro asfalto urbano nos municípios). A Resolução nº 40 do Senado Federal, de 20 de dezembro de 2001, estabelece que, ao final do exercício de 2016, as dívidas dos Estados não poderão ultrapassar duas vezes o valor de suas receitas correntes líquidas. Goiás conseguiu atingir essa meta com 10 anos de antecedência. Em 1998, quando Marconi Perillo assumiu o governo, o Estado devia 3,35 vezes o montante de sua receita. Em junho de 2006, essa relação caiu para 1,89. Essa é a maior prova de que a crise do Estado é passageira. (José Maria e Silva)