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Crônicas - 29/07/2007

Brasigóis Felício *

Nas cidades há tribos que se repartem em crimes, como em guerra de guerrilhas. Vão como vândalos, dentro da noite da violência, as hordas dos novos bárbaros. Se muitas são invisíveis, outras saltam à vista. Mas a cada dia se amplia o rol das vítimas. Orar e vigiar não é o bastante para escapar. Os bárbaros estão em todos os lugares, e assumem infinitos disfarces.

É preciso estar atentos e fortes. E também contar com uma boa dose de sorte. Se nossa sorte acaba, estamos perdidos. Muitos dentre os bárbaros das novas hordas, serão convidados para o almoço de domingo. Outros virão por conta própria, pois fazem parte de nosso círculo íntimo.

O perigo é não saber de onde vêem ou quando chegam os Aliens sinistros. Não é descartado que sejam criações monstruosas de nossa alma inocente. Os bárbaros estão por toda parte, e o que os faz invencíveis é que se tornaram um estado de espírito.

Demônios da garrafa

Noite alta, noite adentro, na cidade das águas calientes, a partir da praça principal, carros-buate, como estupidez ambulante, espancam o silêncio da madrugada. O clube da cachaça só fecha aos primeiros albores do dia. Alguns bêbados ainda resistem a voltar para suas casas. Gostariam que fosse eterna a noite de sua inconsciência auto-sustentada. Ou talvez ela já o seja.

Para muitos, que já vivem como mortos, não há nenhuma diferença entre o dormir, e o se manterem despertos, uma vez que é sempre a mínima a consciência que têm de si mesmos. Luz alguma pode alcançar a Consciência auto-anulada dos que são bárbaros para si mesmos, a estreitar, com seus erros, as vastidões da alma. Daí o desespero dos que adentram o inferno deserdados de toda esperança. Pois é mais que certo: quando o Diabo tira um anjo para dançar, suas penas saem voando pelo ar.

P.S. "Desce/rebola sem parar/depois desce/piriri piri/piriri/piri/ piriqueti". Eis a pobre poesia, que um carro-buate sai a impingir à cidade, a ferir o coração da madrugada, neste tempo acanalhado. Eu ia escrever "avacalhado", mas seria ofender as vacas. Vacas não agridem nem degradam os iguais da sua espécie. Só o decadente Homo Sapiens, que só sabe prestante para o que não presta.

Brasigóis Felício é jornalista e escritor. Tem dezenas de livros publicados, entre poesia, conto, romance, crônica e crítica literária. Nasceu em Aloândia (GO), em 13 de janeiro de 1950. Fonte: Jornal Tribuna do Planalto de 29 de julho a 4 de agosto de 2007