Artigos UGOPOCI

SEGURANÇA - 28/08/2007

Jornal O Popular - Caderno Cidades - Dia 28/08/2007

Rosane Rodrigues da Cunha

Eles são homens, jovens, pardos e de baixa escolaridade. A maioria sequer completou o ensino fundamental e muitos têm menos de 25 anos, mas estão atrás das grades, onde a maior parte chegou após cometer furtos, roubos e extorsões e onde deve permanecer por mais de quatro anos. Esse é o perfil da maioria da população carcerária goiana, de acordo com um estudo feito pela Secretaria de Estado da Justiça. A pesquisa avaliou dados como a faixa etária, sexo, grau de instrução, tipo de crime cometido e pena recebida pelos 8.445 presos que estão sob custódia do órgão - eles fazem parte de um universo de 11.362 detentos em Goiás, 2.917 deles sob a responsabilidade das Polícias Civil e Militar.

O secretário Edemundo Dias de Oliveira Filho acredita que o estudo, realizado em julho e divulgado com exclusividade ao POPULAR, mostra o perfil de todo esse universo dominado pelos homens. Dos 8.445 presos avaliados, apenas 432 são do sexo feminino. E mais: muitas delas chegaram ao crime depois de terem se envolvido com o tráfico de drogas por influência dos parceiros. Os pardos compõem 52,2% da população carcerária.

População jovem

Mais da metade dos presos – 58,24% deles – tem entre 18 e 29 anos. “É uma população muito jovem”, observa o secretário, acrescentando que 30,59% dos detentos nem completaram 25 anos. O índice de escolaridade entre a população carcerária é baixo: 6.124 (72,5%) não concluíram o ensino fundamental. Desses, 628 (8%) nem são alfabetizados.

“Há quatro anos, 76% dos reeducandos eram analfabetos” conta Edemundo Oliveira, que explica que esse índice foi reduzido graças à implantação de programas de alfabetização no sistema prisional. O desafio, agora, é ampliar o grau de escolaridade dos presos. “Melhoramos a alfabetização, proporcionando estudo a pessoas que nunca tiveram acesso à educação, mas temos de ir além”, diz, certo de que os estudos contribuem para a recuperação do detento.

O perfil divulgado revela ainda que os crimes contra o patrimônio estão por trás de 49% das prisões, seguidos dos homicídios, com 20,4%, e do tráfico de drogas, com 18%. Quem pensa que autores de crimes contra a administração pública não vão presos, engana-se. A pesquisa mostra que 17 pessoas cumprem pena atualmente em Goiás pelo conhecido “crime do colarinho branco”. Apesar dessas prisões, de acordo com o secretário, o número pequeno reforça o sentimento de impunidade que cerca esses crimes.

Entre os presos da capital e do interior, 3.108 estão em prisão provisória, 3.274 no regime fechado, 1.581 no semi-aberto, 426 no regime aberto e 56 em regime de internação, uma medida de segurança aplicada a reeducandos com transtornos psiquiátricos. O secretário chama a atenção para o grande número de presos em prisão provisória, uma situação que não deveria se estender por mais de 110 dias, mas, por uma demora nos julgamentos, acaba se arrastando por um tempo bem maior. A maioria dos condenados tem entre 4 e 20 anos de pena a cumprir, 169 deles têm entre 30 e 50 anos de condenação, 48 entre 50 e 100 anos e 1 tem pena superior a um século.

Ladrão preso e homicida solto

Julgamentos de crimes contra o patrimônio têm uma tramitação rápida, enquanto casos de homicídios demoram mais para se chegar a um veredicto. O resultado é que assassinos são minoria na prisão

Rosane Rodrigues da Cunha

Para o secretário Estadual de Justiça, Edemundo Dias de Oliveira Filho, o fato de quase metade da população carcerária goiana estar atrás das grades pela prática de delitos contra o patrimônio, enquanto acusados de homicídios estão soltos, revela uma banalização dos crimes contra a vida. Os delitos contra o patrimônio, observa, são julgados em tempo inferior aos casos de assassinatos.

Segundo ele, as vagas nos presídios hoje ocupadas por pessoas envolvidas em furtos simples, de pequeno poder ofensivo, como o furto de fraldas em supermercados ou xampu em farmácias, deveriam ser destinadas a criminosos que representam riscos à sociedade. Os outros casos poderiam ser punidos com penas alternativas, como prevê a Lei de Execução Penal.

3 mil
vagas precisam ser criadas para abrigar os condenados dos regimes fechado, semi-aberto ou aberto

 

Juiz da Vara de Execuções Penais, Wilson da Silva Dias discorda do secretário. Ele explica que os juízes não priorizam os julgamentos de crimes contra o patrimônio, mas, simplesmente, seguem a lei, que prevê um tempo menor para a apuração e julgamento dos casos de roubo, furto e extorsão.

De acordo com o juiz, enquanto em um caso de roubo o julgamento só tem uma fase, em casos de homicídio há dois procedimentos. “As testemunhas são ouvidas pelo juiz de direito e, posteriormente, pelo júri popular”, cita, exemplificando uma das razões de um julgamento por homicídio se estender por anos.

Wilson Dias também observa que o número de crimes contra o patrimônio supera o de homicídios. “Há mais vítimas de furtos e roubos do que de assassinatos”, diz o juiz. Ele explica que a aplicação de penas alternativas tem sido adotada em Goiás em casos de crimes de menor potencial ofensivo, quando o réu é primário e a pena, inferior a quatro anos. “Mas há casos em que a pessoa é reincidente, então é condenada à prisão”, diz, acrescentando que a restrição da liberdade também é imposta quando o réu descumpre a pena alternativa.

Desajuste familiar é comum

Falta de limites e desestruturação familiar. Para o psicólogo Leonardo Ferreira Faria, especialista em Psicologia Jurídica e Criminologia, essa combinação está por trás da expressiva presença de jovens nos presídios goianos. Leonardo, que entre 2001 e 2002 trabalhou no antigo Cepaigo – hoje Penitenciária Odenir Guimarães –, afirma que o comportamento das pessoas na sociedade é reflexo da vida familiar e que o excesso de liberdade e a ausência de atenção e afeto por parte dos pais levam muitos adolescentes a mergulhar no mundo das drogas e dos crimes.

Isso, segundo ele, acontece em todas as camadas sociais, principalmente durante a adolescência, quando meninos e meninas experimentam uma maturação física e biológica nem sempre acompanhada do amadurecimento psicológico. “Se o jovem não respeita as normas que tem em casa, não vai respeitar as leis”, diz o psicólogo, que reforça o coro dos especialistas que insistem na necessidade dos pais imporem limites aos filhos.

“Muitos pais acham normal o filho gritar, xingar, bater e depois estranham quando ele se envolve em um crime”, diz, enfatizando que o que parecia normal já sinalizava o que poderia vir a acontecer. Definindo-se como um pouco pessimista, Leonardo conta não ver saída a curto prazo para a violência que envolve os jovens. Para ele, a solução está na conscientização das famílias e em ações mais efetivas do Estado nas áreas de profissionalização, lazer e educação. “Por trás do crime, muitas vezes há um histórico de fracasso escolar”, diz.

A predominância de jovens entre os presos goianos revelada pela pesquisa preocupou o juiz da Vara de Execuções Penais, Wilson da Silva Dias. “É sinal de que o Estado está sendo negligente com a educação e com projetos sociais para a infância e juventude”, afirma, acrescentando que a criminalidade entre os jovens é fruto da falta de políticas públicas.

ENTREVISTA / Paulo Henrique Souza Dias

‘Quero pro meu filho a família que não tive’

Paulo Henrique Souza Dias, de 19 anos, está preso e condenado a 20 anos por roubo e morte. Há um ano ele cumpre pena na Casa de Prisão Provisória (CPP), engrossando a estatística dos jovens pardos e envolvidos em crimes contra o patrimônio, que compõem o perfil do detento em Goiás. Paulo Henrique, que ao contrário da maioria dos presos concluiu o primeiro ano do Ensino Médio, falou ao POPULAR com tranqüilidade sobre sua trajetória. Uma história parecida com a do irmão mais velho, de 26 anos. “A única diferença é que ele está solto”, diz.

Como você entrou para o crime?
Comecei a usar drogas aos 12 anos. Aos 14, passei a furtar. Aos 16, a polícia me pegou e fui internado. Fiquei até os 18, quando fui trabalhar como educador, em Anápolis, onde morava. Mas perdi o emprego um ano depois e voltei a roubar. Em um assalto, a vítima reagiu, atirei e ela morreu. Fui preso e condenado.

Sua família sabia do seu envolvimento com as drogas, furtos?
Minha família é muito desestruturada. Meu pai abandonou minha mãe quando eu e meu irmão éramos pequenos. Minha mãe viajava muito a trabalho e ficávamos com uma tia, mas crescemos soltos, sozinhos. Quando minha mãe voltava, eu me afastava das drogas para ela não desconfiar.

Você acha que essa desestruturação familiar pesou no seu comportamento?
Claro. Pai faz muita falta. Não tínhamos uma figura masculina em casa e a mãe estava ausente, trabalhando para nos sustentar. Não tive privações financeiras.

O que você espera da sua vida agora?
Vou cumprir a pena, sair e procurar um emprego. Estou casado com uma moça que conheci antes de ser preso, ela está grávida e meu filho nasce em março. Quero dar a ele a família que eu não tive.