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Policiais na mira de assassinos - 04/09/2007

 

 

Marjorie Avelar e Luís Augusto Falconi

Ano de 2006. Quatro policiais civis goianos são mortos por bandidos. Uns simplesmente foram identificados como agentes, outros porque, sozinhos, reagiram ao flagar ações de criminosos. No entanto, em todos os casos, os policiais estavam fora do horário de serviço. Diante dessa situação, abre-se um debate: existe diferenciação entre a figura do policial e a do cidadão? Quando a condição de profissional supera a de pessoa comum? A questão surge dois dias depois da morte do agente plantonista Adevanir Alves, de 50 anos, lotado no 15° Distrito Policial de Goiânia.

Após tentativa de assalto, Adevanir Alves foi morto com um tiro na cabeça e outro na nuca, na presença da mulher, Rossana, e da filha Priscila, quinta-feira, na Cidade Jardim. A tentativa de pegar a arma sob o banco foi sinal suficiente para que um dos dois assaltantes atirasse para matar. Adevanir se transformou no terceiro policial civil assassinado este ano.

Amigo da vítima, o delegado José Lindenor Chaves, da delegacia de Senador Canedo, não acredita em execução. “Os assaltantes reagiram porque a atitude do policial os ameaçou”, supõe. Ele não descarta, no entanto, a possibilidade de que, em algum momento, Adevanir tenha sido identificado como policial. Segundo investigações preliminares, o homem que matou o agente veio por trás, sem que ele pudesse vê-lo pelo retrovisor.

Outro caso que comoveu os profissionais da área aconteceu em agosto do ano passado. O jovem Adriano Gontijo Caixeta, de 28 anos, foi morto com sete tiros por assaltantes de um ônibus que fazia a linha Goiânia–Cavalcante (GO). Eles teriam descoberto que o rapaz era policial civil. Caixeta ainda tentou esconder a arma e a carteira de identificação profissional, mas não conseguiu. Foi levado para fora do ônibus, espancado e morto. Os bandidos foram presos poucos dias depois.

RECICLAGEM
Para o presidente da União Goiana dos Policiais Civis (Ugopoci), Ademar Luiz de Oliveira, o desafio para evitar tais casos começa pela reciclagem profissional, principalmente dos agentes mais antigos. Embora possa não ser o caso de Adevanir Alves – que não contava com o “elemento surpresa” –, policiais qualificados sabem o momento certo de reagir, assegura Ademar.

Como exemplo, ele conta a história de um agente que fazia um “bico” como segurança, quando funcionários de um supermercado foram vítimas de assaltantes. Um dos ladrões apontou a arma para a cabeça do caixa, enquanto o outro roubava mercadorias e dinheiro. “O policial não reagiu para não colocar em risco a vida das outras pessoas. Esperou para pegar os bandidos quando eles deixaram o supermercado”, relata.

Há 24 anos na Polícia Civil, Ademar reclama da falta de investimentos na qualificação profissional e da ausência de apoio psicológico para os agentes. “Existem policiais que ficam 5, 10 anos sem reciclagem”, destaca, ao ressaltar que o profissional bem preparado sabe lidar com tais situações de estresse.

Na opinião dele, no caso da morte de Adriano Gontijo, por exemplo, se a vítima soubesse que seria morta teria reagido e não tentado esconder a arma e a identificação profissional. “Quando o policial não reage, é exatamente para preservar a própria vida e a de outras pessoas. Mas se for ameaçado de morte, deve enfrentar os criminosos”, orienta. “Policial civil é policial durante 24 horas do dia”, completa.

ANIMOSIDADE NÃO JUSTIFICA AS MORTES

Sobre as hipóteses que levam policiais a serem assassinados, o delegado Giuliano Lima, de Trindade, revela que sempre existem animosidades entre agentes e bandidos, mas não a ponto de incitar no criminoso o desejo de matar quem o prendeu. Giuliano acrescenta que quase todas as mortes de policiais militares ocorrem no exercício da profissão, em situações de risco fora de serviço, como assaltos, ou envolvimento com bandidos. A última circunstância, ressalta, não pode ser negligenciada.

Jorge Moreira da Silva, da Delegacia de Homicídios de Goiânia, lembra que também na polícia existem bons e maus profissionais. “Se o agente não tiver princípios pode cometer algum deslize, adquirir algum vício”, opina. Ele destaca, entretanto, que a participação de policiais em delitos vem diminuindo em razão do dever de prestação de contas das polícias a entidades como o Ministério Público. “Considerando que existem 17 mil policiais militares no Estado e 5 mil civis, podemos dizer que são casos isolados”, afirma.

Comandante do Policiamento da Capital, Cézar Pacheco também destaca que o número de mortos é muito pequeno comparado ao efetivo da corporação. Por isso, acredita, não é possível traçar um parâmetro dos motivos que levam policiais a óbito. Mas exclui o envolvimento de policiais com a criminalidade e garante que são sempre causas pessoais, como dívidas, ciúme ou outros tipos de rixas particulares as razões de mortes de PMs no Estado.

AUDÁCIA DE BANDIDOS PODE IMPEDIR REAÇÃO

Trindade, quarta-feira, 22 de agosto de 2007. Às 20h50, acompanhado da mulher e de dois filhos, um de 4 anos e outro de 8 meses, Celso Antônio Dias, soldado da 29ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM), guarda sacolas de compras no carro, em frente ao Supermercado Raio de Sol, no Setor Maísa 1. Uma moto com dois homens se aproxima. O garupa, de aproximadamente 30 anos, desce e caminha em direção ao soldado, com um revólver em punho. Sem hesitar, dispara quatro tiros em Celso: três no rosto e um nas costas.

O crime é um mistério. Segundo informações do delegado Giuliano Lima, de Trindade, testemunhas mudaram pontos dos depoimentos e ainda não há pistas dos autores. “Ninguém tem condição de garantir nada”, diz o delegado, que considera o caso inusitado. “O PM estava fardado, ao lado da família. Foi muita ousadia disparar contra ele nessas condições”, avalia. Lima comenta que a audácia dos bandidos impossibilitou qualquer reação do soldado. O caso, de acordo com o delegado, indica que a execução foi muito bem planejada.

Comandante do Policiamento da Capital, o tenente-coronel Cézar Pacheco diz que para um policial, o criminoso se prepara mais, pois sabe que o PM é treinado para esse tipo de contingência. “O bandido chega com temor, mas com sede, e por isso é mais violento. Sabe que se errar em algum momento o policial vai contornar a situação”, pontua.

Ele concorda que a reação só pode ocorrer sob certeza de sucesso. “Se for pego desprevenido e o revólver estiver escondido em parte do corpo de difícil acesso, o melhor é argumentar: dizer que é PM e que porta arma. Com isso, ele pode ter êxito”, afirma. Entretanto, se estiver claro para o policial que o bandido tem a intenção de matá-lo, Pacheco é categórico: a vítima não deve hesitar em responder na mesma medida, matando o criminoso. A PM não dispõe de números sobre mortes de policiais fora de serviços.

VÍTIMAS NA POLÍCIA CIViL
Outubro de 2003 – O agente Paulo Vinícius Domingos, da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), em dia de folga, tentou evitar um roubo no edifício Parthenon Center, no Centro de Goiânia. Baleado por um assaltante, ele morreu no dia 16.

Março de 2006 – O delegado Virgenor Florêncio Ramos foi assassinado por dois homens em uma motocicleta, ao reagir a tentativa de roubo próximo à agência do Banco do Brasil, na Avenida Pio XII, no Setor Cidade Jardim. Um dos acusados, Luiz Antônio de Amorim Neto, foi morto em troca de tiros com Virgenor.

Maio de 2006 – O escrivão Leonor Pereira da Silva morreu baleado na cabeça, durante assalto a sua mercearia, no Setor Mansões Paraíso, em Aparecida de Goiânia. A mulher do escrivão, Antônia Maria Pereira da Silva, conversava com uma vizinha e se preparava para fechar a mercearia, quando dois rapazes entraram e anunciaram o assalto. De acordo com Antônia, um dos ladrões segurou o escrivão e o outro atirou, a menos de dois metros de distância, atingindo-o na testa. Os criminosos foram presos.

Agosto de 2006 – O policial Adriano Gontijo Caixeta foi espancado, torturado e assassinado com mais de seis tiros, por bandidos que assaltaram um ônibus que fazia a linha Goiânia–Cavalcante (GO). Os criminosos foram presos.

Outubro de 2006 – O policial Sidnei Ricardo foi encontrado morto e carbonizado no porta-malas de seu carro, próximo ao Setor Jardim Tiradentes, em Aparecida de Goiânia. Ele foi assassinado com um tiro na cabeça. O crime ainda não foi solucionado.

Fevereiro de 2007 – O policial Antônio Carlos Bastos de Souza foi baleado durante assalto no Setor Dona Íris, em Trindade (GO). Depois de levarem o carro do agente e sem que ele esboçasse reação, a vítima acabou alvejada pelas costas. Antônio foi socorrido e levado para o Hospital São Lucas, mas na madrugada do dia 7 de maio daquele ano, o policial morreu. Dois dos autores do crime estão presos.

Abril de 2007 – O policial Vagner Madeira foi assassinado em frente à própria residência, na cidade de Valparaíso (GO). Segundo testemunhas, ele voltava de uma festa, quando foi surpreendido com um tiro pelas costas. Mesmo ferido, tentou correr atrás dos criminosos até cair no chão. Ao vê-lo, os bandidos voltaram e desferiram outros tiros. Madeira morreu a caminho do Hospital Regional do Gama (DF). Os criminosos foram presos.

Agosto de 2007 – Ao reagir a uma tentativa de assalto, o policial Adevanir Silva foi assassinado em Goiânia. O caso está sob investigação na Delegacia Estadual de Investigações de Homicídios (Deih).