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Até que o crime os separe. - 30/09/2007

Jornal Hoje Notícias - Caderno Polícia - Dia 30/09/2007Fernanda Arcanjo

A famosa história de Romeu e Julieta, que se passa em Verona, na Itália, poderia ser comparada a diversos casos ocorridos em Goiás. Mas, embora menos românticos, os "Romeus" modernos, na impossibilidade de permanecerem com as amadas, não usaram veneno, e sim facas e revólveres. Só este ano, a Delegacia de Homicídios de Goiânia registrou 11 crimes envolvendo casais apaixonados. Por trás da maioria, inconformismo com a separação. Só na última semana, foram quatro crimes de motivação passional, todos envolvendo jovens casais.

Um dos casos mais dramáticos deste ano foi o da bancária Michellyne Araújo, 27 anos, morta brutalmente no dia 14 de junho, supostamente a mando do ex-marido, Arlindo dos Santos Fernandes, 40. Ele estaria inconformado com a separação e, segundo os acusados de asfixiar a moça e queimar o corpo no carro dela, Arlindo teria pago R$ 8 mil pela morte da bancária.

Mais recentemente, o agrônomo Alexandre de Oliveira Takeda, de 24 anos, protagonizou outro caso rumoroso. No dia 21 deste mês, ele acertou um tiro na nuca da ex-namorada. Roberta Oliveira Osório da Silva, de 21 anos, estudante de jornalismo, que queria ser repórter de TV, morreu a caminho do hospital. Depois, o rapaz atirou contra a própria cabeça. Eles estavam separados havia dois meses e ela não queria reatar o namoro.

Em outro caso, no dia seguinte, Jesus Ferreira da Rocha, de 26 anos, desferiu golpes de faca contra o pescoço da namorada, de 14 anos. Os dois se relacionavam havia apenas dois meses e ele estaria cismado de perdê-la para o irmão. V.P.G. sobreviveu. No domingo, 24, mais um Romeu enfurecido. Flávio Lindomar de Jesus, de 20 anos deu um tiro na boca da namorada, E.S.A., de 14 anos. Eles namoravam havia um ano. A menina foi operada. Por fim, no dia 25, o músico Thiago Martins Gomes, 30, abalado com o fim do relacionamento de nove meses, invadiu com o carro a casa da ex-namorada, a biomédica Fernanda Messias Pires, 23, pondo em risco a vida dela e da família.

ROMEU E JULIETA

Todos os casos acima relatados lembram, ainda que na temática, o drama shakespeariano, que conta a tragédia de dois jovens que se apaixonam perdidamente e não podem ficar juntos. Os pais não autorizam a união. Julieta e Romeu sofrem com a separação. Para uni-los frei Lourenço arma um plano: entrega a Julieta um frasco com uma poção que a deixará adormecida, por dois dias, aparentemente morta. Tão logo a moça acorde, o casal planeja fugir e viver feliz para sempre. Romeu não sabe do plano. Quando se aproxima de Julieta, supostamente morta, se desespera e toma uma dose de veneno. Julieta desperta e se mata também, com um punhal.

MACHISMO SERIA A PRINCIPAL MOTIVAÇÃO

Qual o motivo de tantos crimes passionais: ciúme, possessão? Por que as desavenças amorosas chegam ao ponto de terminar em assassinatos e tentativas de homicídios? Especialista no assunto, a delegada Miriam Aparecida Borges, delegada da Mulher em Goiânia, aposta no machismo. Ela atende todoso os dias casos de agressões e atentados contra a vida de mulheres e acredita que o homem ainda não se acostumou às conquistas da mulher. "Goiás é um dos Estados mais machistas. A cultura patriarcal predominante faz com que os homens tenham as mulheres como objetos e eles não admitem ser deixados".

Ela cita o exemplo do músico que invadiu a casa da ex-namorada, na semana passada. "Mesmo tendo tomado a iniciativa de terminar o namoro, revelando ter outra mulher, ele não admitiu que Fernanda aceitasse o fato e disse que seguiria a vida dela". Para justificar a reação de destruir o portão, o muro e o carro da família da menina, o rapaz alegou ter depressão e que toma remédios controlados, que naquele dia não haviam sido ingeridos.

Para a psicóloga Mara Suassuna, especialista em relacionamentos e autora do livro Amor na Dose Certa, o caso exemplifica um problema real. "Nunca a sociedade esteve tão doente mentalmente e isso reflete nos relacionamentos. São milhares de pessoas em tratamento contra a depressão, pânico, alcoolismo", diz. Segundo ela, o desequilíbrio emocional influencia diretamente na relação com os mais próximos. "A gente desconta sempre em quem mais ama, na namorada, na esposa, no marido", diz.

A psicóloga concorda com a avaliação da delegada de que o homem ainda está em processo de adequação às conquistas femininas. O mais complicado, diz, é que em muitos casos, a liberdade e a insubmissão das mulheres gera baixa-estima, obsessão e sentimento de rejeição. "A mulher se emancipou. Em todas as classes sociais, ela está mais independente e a forma que o homem tem de demonstrar poder sobre elas está associada à força física. É isso que desencadeia os crimes passionais", explica.

QUANDO OS PROJETOS JÁ NÃO SÃO MAIS OS MESMOS

Se é a relação de poder do assassino com a vítima que desencadeia o crime, ameaçar a namorada de morte foi a forma encontrada pelo corretor de veículos Júlio César Maffra, 54, para evitar a perda da amada. Rosângela Cláudia Silva de Paula, de 39 anos, estava de visita ao Brasil e retornaria na semana seguinte à Suíça, onde morava havia dez anos. No dia 27 de fevereiro, Júlio a matou para impedir o retorno. O abandono também teria sido a causa de outro caso de repercussão ocorrido em Goiânia, em maio passado. A doméstica Kênia Regina de Sousa, 34, foi morta com um tiro na boca pelo ex-namorado, Elisandro Gomes da Silva, 27. Rejeitado, o servente de pedreiros não teria admitido o fim do namoro. No dia do crime, ele entrou na casa onde a vítima trabalhava, no Condomínio Portal do Sol 1, e a assassinou a queima roupa. O rapaz nunca mais foi visto.

Para o filósofo e doutor em sociologia, Nildo Viana, há questões sociais muito fortes por trás desses casos. "Estamos vivendo um período de conflitos muito intensos. Os problemas sociais, cada vez mais, fazem com que as pessoas se apeguem umas às outras por vínculos afetivos fortes, isso cria certa dependência do outro", diz. Para ele, as frustrações nas relações afetivas estão marcadas pela violência também em função de um ideal construído pela mídia. "Os filmes, novelas, reforçam um modelo de amor romântico, que na vida real é difícil se concretizar, e isso desencadeia essas reações", acredita.

TRAGÉDIA ENTRE PRIMOS

O caso dos primos Alexandre e Roberta também se encaixa na análise do filósofo Nildo Viana. O rapaz, que até bem pouco tempo atrás parecia "normal", incapaz de matar. A própria família e a da moça o tinha como um jovem atencioso, pacífico. O problema é que ele idealizava a vida ao lado da prima, o que ela não queria mais. Amigos da menina dizem que, por causa da rejeição, o comportamento de Alexandre tinha se tornado obsessivo nos últimos meses. "Lembro dele na janela da faculdade vigiando-a em sala de aula. Isso não foi uma, nem duas vezes", conta uma das colegas de curso na Universidade Católica de Goiás, que preferiram não se identificar.

A jovem diz ainda que, apavorada com a perseguição implacável do ex-namorado, a menina já vinha alimentando maus presságios. "Ela disse uma vez: pelo amor de Deus, se eu morrer não me enterra junto dele".

O pedido não foi atendido. Por decisão das famílias, os corpos foram velados e enterrados juntos. Mas nem todos concordaram. O pai da moça, por exemplo, sequer se aproximou do caixão do rapaz, perdoado, no entanto, pela mãe - que é espirita. A mesma que ainda tentou evitar o pior, ao pedir à filha, no dia do crime, que fosse tomar banho e que tentaria “dispesar” o rapaz. Em vão. Outro detalhe do destino é que o atual namorado da garota por pouco não foi mais uma vítima. Se estivesse com ela, certamente morreria também.

Ainda segundo amigas da facldade, o rapaz fazia ameaças e torturava psicologicamente a menina. "Ele alimentava o sonho de tê-la de volta a qualquer custo". As amigas desaconselhavam a reconciliação, por considerarem-no "doido". "Ele era agressivo e do tipo: ou você fica comigo ou com mais ninguém", diz a amiga.

MULHER SUSPEITA DE ATEAR FOGO EM CASA

Uma casa situada no Setor Bela Morada, em Aparecida de Goiânia, foi quase totalmente queimada durante a manhã de ontem. Vizinhos afirmam que a própria moradora, identificada apenas como Elisvânia, teria ateado fogo no local para vingar-se do marido, com quem teve um relacionamento tumultuado.

Segundo a revisora Rosângela Cândido da Silva, 32, que mora ao lado da casa atingida, por volta das 10 horas da manhã Elisvânia lhe disse que iria para a casa da irmã, junto com o filho. Pouco tempo depois, Rosângela disse que avistou um foco de fumaça saindo ao lado da casa de Elisvânia, mas que pensou se tratar de uma queimada em um lote baldio que fica ao lado.

"Quando fui estender umas roupas no varal percebi que a fumaça, na verdade, vinha de dentro da casa da vizinha", lembra. Imediatamente a revisora ligou para o Corpo de Bombeiros, que chegou ao local 20 minutos depois. Segundo a Central de Ocorrências da corporação, o fogo consumiu 96% da residência, que possui apenas cinco cômodos.

Avisado por vizinhos sobre o incidente, o dono da casa (ainda não identificado), conseguiu retirar das chamas uma geladeira, um armário e um fogão. Os vizinhos relataram ao Corpo de Bombeiros que Elisvânia teve uma violenta discussão com o marido na noite anterior ao incidente e que ao sair de casa, ontem, levava três malas. As causas do incêndio ainda serão apuradas. (Bruna Mastrella)