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Os riscos da reforma política - 30/09/2007

Por Ruy Fabiano * 

 

Ao propô-la, não apenas se coloca como instância suspeita: estende a suspeição ao Congresso. Também lá há interesses capazes de contaminar a reforma – ao ponto, inclusive, de não permitir que se realize. Em tese, a idéia de transferir a empreitada a uma instância neutra de combate – a Constituinte – seria perfeita, não fosse o fato de que não há instância neutra em política.

 

As forças partidárias que elegeram o governo e o Congresso irão disputar, nos moldes de sempre, espaço na Constituinte – e para lá transferir a disputa em torno da reforma que se julgam sem isenção de promover. A questão-chave, pois, não é neutralidade.

 

Ninguém é neutro.

 

O problema é que a eleição para a tal Constituinte (se ela vier, claro) se dará sob as mesmas regras viciadas das demais eleições. Por que então o resultado seria diferente? Os candidatos a constituinte seriam financiados pelo método Marcos Valério, tornando-se, uma vez eleitos, reféns políticos de seus financiadores – e não de seus eleitores.

 

O governo, com o poder econômico que dispõe – e sem o desgaste de estar sendo diretamente julgado no pleito -, não terá rival no patrocínio de candidaturas. Tem o apoio de setores antípodas da sociedade. De um lado, a banca nacional e internacional, felicíssimas com a preservação de seus interesses (os lucros do sistema financeiro no período Lula são os mais altos da história).

 

De outro, os movimentos sociais, subsidiados por verbas federais, além da vasta clientela do Bolsa-Família, recém-ampliada com a extensão de seus benefícios a pessoas de até 17 anos.

 

O limite anterior era de 15 anos, mas, como aos 16 anos já se pode tirar título de eleitor, o benefício foi estendido em mais dois anos. Quantos milhões de pessoas esse gesto de aparente benemerência agregou ao curral eleitoral governista? Nenhum oligarca, em tempo algum, concebeu nada semelhante. Por aí se vê que o temor de uma reforma política via Constituinte não é improcedente.

 

Com tal poder, por que o governo deixaria de exercer a influência e o poder de pressão que exerce sobre os legisladores? E há um detalhe: no Congresso, mudanças na Constituição exigem quórum e rito qualificados (três quintos dos votos, em dois turnos, nas duas casas legislativas), enquanto na Constituinte, quórum e rito são reduzidos (o processo é unicameral), o que facilita a composição de maiorias, dando mais eficácia a expedientes tipo mensalão – em pleno vigor, embora com variáveis de rótulo e embalagem.

 

Basta ver as preliminares presentes da votação da proposta de prorrogação da CPMF, já aprovada em primeiro turno na Câmara. Em três dias, o governo gastou a bagatela de R$ 60 milhões, liberando verbas de emendas parlamentares. Depois do segundo turno na Câmara, haverá ainda outros dois turnos no Senado, onde a base governista é menos consistente – ou seja, onde o custo político é bem mais alto. Até lá, quanto ainda sairá dos cofres públicos?

 

O jogo é esse – troca de interesses - e produz, por parte de quem o pratica, frases que não deixem a menor dúvida quanto ao que expressam. Mesmo assim, são proferidas em tom solene e passam como manifestações de sabedoria estratégica.

 

Vejam, por exemplo, esta, de Renan Calheiros, proferida anteontem, em entrevista a uma emissora de TV: “Em política, tudo é possível, desde que as partes conversem”. Que partes, cara-pálida? - pergunta o eleitor, sabendo de antemão que não está incluído.

 

Na mesma linha, o presidente Lula disse no mesmo dia à mesma emissora de TV: “Eu não barganho. Eu faço acordo programático”. Ah, bom. Resta saber em que programa e de qual partido consta a defesa da CPMF. No do PT, com certeza, não, já que o partido não apenas se opôs à criação daquele tributo como o combateu nas vezes anteriores em que foi prorrogado.

 

Via Congresso ou via Constituinte, o que dará consistência e legitimidade à reforma política é a pressão que sobre ela estabelecer a sociedade. Mas, para bem pressionar, como é óbvio, precisa estar informada. E a imprensa, com todas as suas limitações e mazelas, é o canal disponível para suprir, ainda que precariamente, essa demanda.

 

Sintomaticamente, no entanto, tem sido criticada e acusada de golpista pelo governo, o que aprofunda o temor em torno das reais intenções de uma reforma política via Constituinte. Fonte: Blog do Noblat

* Ruy Fabiano é articulista político