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A culpa é de todos - 23/12/2007

Por Antonio Vital*

O caso da adolescente de 15 anos mantida em uma cela de delegacia durante 26 dias na companhia de 20 homens no Pará, período no qual foi torturada e violentada, dominou parte do noticiário no último mês. Os culpados foram apontados imediatamente e seguem a ordem hierárquica de comando a partir da pequena cidade onde isso ocorreu: a delegada, a juíza e a governadora.

 

No programa Expressão Nacional, da TV Câmara, o padre Gunther Zgubic Alois, coordenador nacional da Pastoral Carcerária, aumentou a lista. Além do Executivo, ele jogou o holofote das responsabilidades sobre o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público.

 

Ele debateu a situação das mulheres presas com Elisabete Pereira, diretora da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres; o deputado Neucimar Fraga (PR-ES), presidente da CPI do Sistema Carcerário; e a deputada Cida Diogo (PT-RJ), sub-relatora da CPI para o caso da situação feminina nas carceragens país afora.

 

"Onde estão os juízes e promotores?", perguntou o padre. “E os defensores públicos?” E acrescentou: "As leis que permitem esse tipo de situação saíram daqui". Ele se referiu à falta de emendas ao orçamento destinadas ao sistema prisional e, especialmente, à Lei dos Crimes Hediondos, que, segundo ele, agravou o problema de superlotação dos presídios ao impedir a progressão de pena dos condenados. Nesse aspecto, o coordenador da Pastoral Carcerária divergiu da posição do presidente da CPI. Neucimar Fraga defendeu a construção de mais presídios.

 

"Tudo isso é inconstitucional. Sou contra construir mais presídios. Em 15 anos teremos três vezes mais presos", disse o padre Gunther. "Para reduzir o número de presos, precisamos reduzir a criminalidade. Não podemos produzir leis para esvaziar cadeias. Temos que produzir leis para condenar culpados", reagiu o deputado.

 

A adolescente L. foi violentada repetidas vezes, passou fome, teve os cabelos cortados a faca para não ser reconhecida, pediu socorro às pessoas que passavam pela rua e ainda foi ameaçada de morte, junto com a família, depois de libertada – o que só aconteceu depois que uma denúncia anônima chegou ao Conselho Tutelar da pequena Abaetetuba, a 100 km de Belém.

 

Há 25 mil mulheres presas no Brasil, muitas vezes sem direitos que não são negados aos detentos homens. Elisabete Pereira, que representava a ministra Nilcéa Freire, coordena um grupo de trabalho interministerial destinado a propor soluções para os problemas das detentas. "Temos que criar presídios dignos. Temos projeto arquitetônico próprio para presídios femininos. Serão 250 unidades com biblioteca, berçário, espaço para lazer, ambulatório e espaço ecumênico", disse.

 

No primeiro momento, a ministra foi muito criticada por ter afirmado, a jornalistas, que não sabia de casos como o de L.. Elisabete admitiu que o grupo não detectou o problema. "Nos presídios em que estivemos não encontramos menores. Mas a realidade não nos surpreende", disse.

 

O que aconteceu com a adolescente apenas deixou à mostra o drama das mulheres presas, praticamente ignorado pela população. Pré-natal para as grávidas? "Praticamente não existe", disse o padre Gunther. Ele relatou o caso de duas grávidas de seis meses internadas com infecção generalizada. Elas perderam os bebês. Só 11 estados aderiram ao Programa Nacional de Saúde para Presos, instituído em 2003. E apenas 30% das unidades presidiais são conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS). E as presas que dão à luz na cadeia? Não há onde abrigar os filhos.

 

O descaso institucional vai além da questão da saúde. A deputada Cida Diogo, que é médica, falou da dificuldade que a CPI enfrenta para obter informações junto aos órgãos governamentais. "Nós mandamos requerimentos a 27 unidades da federação pedindo informações sobre a situação carcerária nos presídios femininos. Apenas três responderam", disse.

 

Números oficiais demonstram que o episódio L. pode estar se repetindo em outros estados. O grupo interministerial criado pelo governo concluiu que 25% das presas (6.522 mulheres) estão detidas em locais não apropriados, como presídios masculinos, cadeias, delegacias e distritos. E tem aumentado o número de mulheres nas cadeias. Estudo publicado em fevereiro pela Pastoral Carcerária e mais 11 entidades mostra que aumentou 135,37% o número de mulheres presas entre 2000 e 2006. O índice é maior que o crescimento do número de homens, que foi de 53,36%.

 

Outras situações

 

"Encontramos presos que esperam julgamento há dez anos. Não tem advogados para pobres. Não tem promotores. Não tem juízes", disse o padre, um austríaco que chegou ao Brasil em 1988 mas conhece os porões do sistema prisional mais que a maioria dos brasileiros.

 

"As mulheres presas não têm acesso nem a absorvente íntimo. Chegam a usar miolo de pão" (Cida Diogo).

 

"Em Belém, há casos de presas que engravidaram de detentos" (Neucimar Fraga).

 

Os telespectadores podem enviar perguntas ou sugestões pelo e-mail expressaonacional@camara.gov.br ou então pelo telefone gratuito 0800 619 619. Se estiver havendo sessão do Plenário da Câmara, o programa é transmitido ao vivo na internet ( www.camara.gov.br/tv).

 

 * Antonio Vital é apresentador do programa Expressão Nacional, da TV Câmara.