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2007: o ano em que a base desmoronou - 30/12/2007

Jornal Tribuna do Planalto – Política – De 30/12 a 05/01/2008

Por Anapaula Hoekveld

O ano de 2007 marca o fim de uma era, de mais de oito anos de união entre PSDB e PP, além de outras legendas, que juntos formavam o chamado Tempo Novo. Este tempo já não existe mais. Foi superado pelas ambições individuais de cada um dos partidos e de suas principais lideranças - governador Alcides Rodrigues (PP) e senador Marconi Perillo (PSDB). O estremecimento na relação entre o ex-governador e seu sucessor não é de agora, começou ainda no início do governo do pepista e teve como ápices o anúncio da reforma administrativa e o caso de arapongagem envolvendo o senador tucano.

Trocas de farpas entre Alcides Rodrigues e Marconi Perillo se tornaram cada vez mais freqüentes ao longo dos últimos meses. E as tentativas de aliados de jogar panos quentes nas discussões tornavam-se a cada dia mais inúteis. O episódio de arapongagem, em que o senador se diz vítima de espionagem por parte do então presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB), foi a gota d'água na relação entre o tucano e o pepista. O senador afirmou ter sido avisado do esquema por meio do secretário de Governo Fernando Cunha (PSDB), que, por sua vez, teria falado em nome de Alcides. No meio do fogo cruzado, Cunha permaneceu calado, sem tomar partido.

As declarações de Marconi foram prontamente desmentidas pelo governador e aumentaram ainda mais as tensões entre tucanos e pepistas. O racha na base governista teve ainda conseqüências graves para o Estado: a falta de diálogo entre o governador e o senador fez de Goiás o único Estado a votar por um placar de três a zero pela não-aprovação da prorrogação do imposto do cheque, a CPMF. Com isso, além de complicar a situação do Estado que já está em crise e deixa de arrecadar milhões, o governador põe em risco seu prestígio com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com quem manteve relação amigável, desde o início deste mandato.

O episódio da espionagem foi apenas o mais recente de uma série, que se iniciou com a eleição do tucano Jardel Sebba à presidência da Assembléia Legislativa, com a decisiva interferência do senador Marconi Perillo. Depois disso, críticas veladas, de ambos os lados, não faltaram. Assim como as trocas de elogios e repetidas garantias de que não há abalos na base aliada tornaram-se freqüentes na imprensa. Os afagos em público tentavam esconder o inocultável. Ainda hoje, há quem negue que do chamado Tempo Novo resta apenas uma lembrança do que foi uma forte aliança eleitoral e que agora não passa de uma página da história da política goiana.

O ápice da crise não foi o anúncio da reforma administrativa, mas suas conseqüências. As mudanças já eram esperadas e consideradas necessárias por governistas e oposicionistas. O que os tucanos não esperavam era a perda substancial de poder na gestão pepista. Embora evite tocar no assunto, a cúpula do PSDB se sente prejudicada com as mudanças propostas pelo governo. Afinal, dos 22 órgãos a serem extintos, dez são comandados por tucanos.

A gradativa perda de espaço do PSDB no governo estadual deflagrou de forma irreversível a crise na base aliada do governador, e as conseqüências serão sentidas ainda nos próximos anos, mais especificamente nos próximos pleitos, de 2008 e 2010: um acordo entre eles se torna a cada dia algo mais utópico, e a definição por um nome dessa base para disputar as próximas eleições parece cada vez mais improvável.

Ter Marconi Perillo e Alcides Rodrigues juntos durante as campanhas eleitorais que se aproximam é sonho de todos os pré-candidatos da base governista. Como esta possibilidade está cada vez mais remota, tornam-se remotas também as chances de a base definir apenas um nome para representá-la nas principais cidades. Se em 2008, senador e governador podem subir em palanques diferentes, para apoiar candidatos diferentes às eleições municipais, em 2010, o distanciamento entre eles poderá ser ainda maior.

Enquanto Marconi demonstra interesse em disputar mais uma vez o Palácio das Esmeraldas (e tenta, de todas as formas, fortalecer o PSDB na disputa municipal), Alcides Rodrigues admite não apoiar o senador tucano e lançar nome próprio do PP. A intenção do partido do governador em lançar candidatura própria foi discutida e defendida por suas principais lideranças durante encontro regional da sigla. Essa postura independente assumida pelo pepista pode ser a última pá de cal que faltava para enterrar de vez o chamado 'tempo novo' em Goiás. 

Crise

Por diversas vezes levantamentos oficiais do governo e declarações de alcidistas imputaram, mesmo que indiretamente, parte da culpa pelo atual déficit nas contas do Estado, que chega a R$ 100 milhões mensais, ao ex-governador Marconi Perillo. As críticas feitas foram recebidas como munição pela oposição, que aproveitou para insuflar as discussões entre alcidistas e marconistas na Assembléia Legislativa.

Aliás, a origem do rombo nas contas públicas foi o motivo de inúmeros debates entre o PSDB e o PMDB do prefeito Iris Rezende. Os tucanos argumentam que a atual crise é originada das administrações peemedebistas que antecederam os governos de Marconi Perillo (1999 a 2006). Em resposta, os peemedebistas alegam que o PSDB gerou a crise ao longo dos oito anos à frente do Palácio das Esmeraldas.

Enquanto tucanos e peemedebistas se digladiavam, tentando se eximir da responsabilidade pelo déficit nos cofres do Estado, o governador Alcides Rodrigues evitou criticar ambos, e se esquivou de posicionamento mais incisivo sobre essa questão. Afinal, em um momento tão difícil é melhor evitar atritos com a oposição - sobretudo quando ela se mostra tão tolerante, como o caso do PMDB, em relação ao PP - e, com os aliados, mesmo que as aspirações já não sejam mais as mesmas.

PMDB ‘se esqueceu’ de que é oposição

Enquanto se distancia gradativamente de seu aliado e precursor, Marconi Perillo (PSDB), o governador Alcides Rodrigues (PP) se aproxima da oposição, encabeçada pelo PMDB do prefeito de Goiânia, Iris Rezende e do vice-presidente de governo do Banco do Brasil, Maguito Vilela. Mais próximo a cada dia, o governador e o prefeito da Capital mantêm relação harmoniosa, tanto que o PMDB nem se comporta como oposição: em vez de críticas ao governo, o que seria natural, o partido tece elogios e polpa o governador em comentários que envolvem o governo. As críticas do PMDB se concentram em Marconi Perillo, considerado o adversário de 2010.

O racha na base aliada do governador contribuiu substancialmente para que as relações entre PSDB, PP e PMDB tomassem esse rumo. Porém, não é de hoje que Alcides e Iris mantêm relação amistosa. Ainda durante discurso de posse, em primeiro de janeiro, o governador se mostrou aberto ao diálogo com a oposição e falou em parcerias com o presidente Lula e com o prefeito Iris Rezende. Em nível nacional, PP e PMDB fazem parte da base aliada do presidente da República. Logo, uma aliança entre as duas siglas em Goiás, apesar de surpreendente, não é algo impossível. 

Embora não admitam publicamente, para não alimentar especulações, o senador Marconi Perillo e o governador ficaram sem se falar por mais de uma semana no início deste mês. Ao se reencontrarem, no último dia 15, na festa de casamento do deputado federal Leonardo Vilela (PSDB), trataram-se friamente e trocaram poucas palavras. Em contrapartida, no dia seguinte, durante festa promovida pelo deputado Luiz Bittencourt (PMDB), o governador se mostrou à vontade em meio às lideranças peemedebistas.

A postura do PMDB, que é oposição, mas parece situação, e o comportamento do governador, de sintonia com peemedebistas e divergência em relação aos tucanos, comprovam que tudo é possível na política e o adversário de hoje pode ser o aliado de amanhã. Os diálogos estão abertos e a corrida ao Paço pode ser também o pontapé para o surgimento de um novo grupo político no Estado.

Tolerância

Derrotado por Alcides Rodrigues no último pleito estadual, Maguito Vilela é um dos peemedebistas que mais defende a convergência entre PP e PMDB. Ainda em abril deste ano, apenas cinco meses depois de enfrentar o pepista nas urnas, o ex-senador se reuniu com o governador no Palácio das Esmeraldas. Durante o encontro, ambos saíram defendendo a união de forças políticas em favor dos interesses do Estado.

É interessante observar que, desde que Alcides Rodrigues assumiu o Palácio das Esmeraldas, os peemedebistas não tratam sua administração como uma gestão do Tempo Novo, e separam o PP do PSDB. A primeira legenda é preservada e elogiada, enquanto a segunda é alvo de todas as críticas endereçadas do partido. Apesar da ruptura da base aliada aproximar ainda mais o governador Alcides Rodrigues de seus brandos oposicionistas do PMDB, o partido do prefeito Iris Rezende não deixa de ser oposição. Logo, as divergências entre as legendas aparecem por ora e deflagram tensões, internas e externas aos partidos. A aproximação do PMDB ao governador é vista com maus olhos por boa parte de alguns peemedebistas, e o mesmo ocorre com os pepistas. Porém, o único assunto que gerou conflitos entre as duas siglas foi a origem da crise do Estado, sobre a qual ninguém admite ter responsabilidade.

Governo busca soluções

Adiamentos nas tomadas de decisões e prorrogação de prazos previamente definidos marcaram as ações do governador Alcides Rodrigues ao longo do ano. Já se passaram quase dois meses do anúncio da reforma administrativa e, mesmo assim, a maioria das mudanças foi adiada para o ano que vem. O curioso é que a primeira proposta de reforma, elaborada pelo então secretário estadual de Planejamento, José Carlos Siqueira, ficou pronta no final do mês de janeiro. O governador, porém, protelou o quanto pôde a análise das mudanças sugeridas pelo auxiliar e optou por novo estudo, realizado pelo secretário da Fazenda, Jorcelino Braga.

Com as mudanças, que devem ocorrer nos próximos meses, o governo ambiciona enxugar a máquina administrativa e equilibrar as contas do Estado. O documento elaborado por Siqueira já apontava mudanças na estrutura estatal, como junção, extinção e criação de pastas, e fazia um levantamento do impacto dessas alterações. Mas era tímido, e tinha uma leitura da situação do Estado que está longe da que foi feita depois, por Jorcelino Braga. As mudanças propostas por Braga partem da avaliação de que serão necessárias medidas duras para o Estado sair do buraco financeiro em que está. Isso para se dizer o mínimo.

Questão de estilos

Desde o primeiro mês de governo Alcides Rodrigues mostrou que é um político diferente: avesso a holofotes e mais lento que a maioria. Essas características, que marcam a personalidade do governador, não contribuíram para que ele desvencilhasse sua imagem da de seu antecessor, Marconi Perillo, de quem foi o vice por oito anos. A personalidade de Alcides também ajuda a explicar por que o pepista não tomou as decisões anunciadas, que foram sempre proteladas durante todo o ano, como a tão esperada reforma administrativa.

Prova disso é que, no início deste mês, a Secretaria da Fazenda decidiu deixar as demissões para janeiro e, até agora, fechou acordo de cortes com cerca de seis dos 47 órgãos da administração pública. Assim, os decretos com as mudanças já feitas internamente na Sefaz, ou seja, extinção de duas gerências executivas e quatro superintendências, também devem sair apenas neste início de ano.

Ao final do primeiro mês da atual gestão, o governador decidiu assinar decreto prorrogando por mais um mês – até 28 de fevereiro – o contrato de todos os comissionados, inclusive de presidentes de agências e secretários. E, em contrapartida, anunciou corte de 30% dos comissionados, mesmo sem definição de reforma administrativa e do novo quadro de auxiliares, que foi anunciado a conta-gotas, desde o início do novo mandato do pepista.

No dia 27, véspera do prazo para exoneração de comissionados da administração estadual, o governo decidiu prorrogar, mais uma vez, por mais um mês, a permanência de servidores da estrutura básica do governo, como secretários, presidentes de agências, diretores, chefes-de-gabinete, gerentes e superintendentes. Apesar disso, o governador ressaltou, de novo, a intenção de cortar 30% das vagas em comissão.

A diminuição de cargos comissionados é uma das medidas a serem utilizadas pelo governo para a contenção de gastos na busca pelo equilíbrio entre a receita e as despesas do Estado. Porém, contrariando as expectativas de corte de pessoal, o governador assinou novo decreto, publicado em março, em que mantém, desta vez por tempo indeterminado, mais de 6,4 mil titulares de cargos de chefia.

Este último decreto também previa corte de 30% de comissionados, além da contratação de concursados e a permanência dos outros 70% de cargos em comissão. Tantos decretos, com diferentes resoluções, provocaram confusão e angústia em diversos órgãos estatais. Além disso, o governo deu, durante todo o tempo, sinais de que não tem pressa em definir a equipe de auxiliares.

A indefinição da equipe de auxiliares e do futuro dos comissionados manteve o governo em suspense. A incerteza causou uma paralisia em todos os níveis. O governador anunciou as medidas para compensar o déficit mensal de R$ 50 milhões (estimados à época) nas contas do Estado, no dia 2 de janeiro. Apenas no início de novembro, porém, após dez meses de mandato, Alcides anunciou a reforma, com previsão de extinção de 22 órgãos.

Apesar das dificuldades enfrentadas pelo governo até aqui, a meta é diminuir pela metade a estrutura do Estado. Além do atraso inicial no pagamento de salários de servidores (este, já solucionado), das visíveis dificuldades financeiras e dos protestos de diversas categorias, a suspensão de programas sociais foi uma das medidas mais impopulares tomadas pelo governo.

Em novembro, na tentativa de tirar a reforma do papel e adquirir maior agilidade nas alterações propostas na estrutura da máquina administrativa, o governador Alcides Rodrigues enviou para a Assembléia Legislativa o projeto que o autorizava a fazer as mudanças por decreto. A proposta foi aprovada em primeiro e segundo turnos. Agora, o governador tem pouco menos de seis meses para concluir as mudanças, em caráter provisório, e enviar projeto de lei à Assembléia para apreciação e implantação das mudanças em definitivo. O ano de 2007 não poderia ter sido mais enrolado pelos lados do Palácio das Esmeraldas.