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Sindicalismo - 16/01/2008

O UNIDADE Informativo conversou com Wilfried Schwetz, cientista político alemão que está no Brasil em férias, acompanhado da esposa, Anna. Ele presta consultoria a sindicatos filiados à central sindical Deutsche Gewerkschaftsbund (Confederação Alemã de Sindicatos, ou DGB, na sigla em Alemão) e veio ao Rio de Janeiro a convite de Jô Portilho, diretora do Sindicato dos Bancários do Rio, de quem foi colega no curso de Políticas Trabalhistas e Globalização, promovido por uma parceria entre Organização Internacional do Trabalho (OIT), Universidades alemãs e Centrais Sidnicais Internacionais.

 

O modelo e seus problemas

 

Na Alemanha, a organização dos trabalhadores tem duas estruturas distintas. Os sindicatos, que são nacionais e organizados por ramos, e os comitês de empresa (Betriebsrat), que podem ser formados em companhias de, pelo menos, cinco empregados, não obrigatoriamente ligados ao movimento sindical. Esta estrutura é mais forte, já que, como os sindicatos são nacionais, há uma certa distância entre os dirigentes e a base. Outra razão para a predominância dos comitês é que eles atuam negociando diretamente com os patrões quando acontece uma situação como ampliação de jornada, rodízios e benefícios oferecidos ou até mais grave, como uma onda de demissões em massa, já que a Alemanha assinou a Convenção 158 da OIT, que proíbe as demissões imotivadas. É comum também os trabalhadores de uma determinada empresa construírem com os patrões um acordo para aquela corporação que seja complementar ao ACT Nacional, que é o mínimo a ser cumprido por todo o setor. Mas tanto o sindicalismo tradicional quanto os comitês enfrentam uma crise profunda.

 

Desde os anos 90, a reestruturação produtiva modificou o modo de se trabalhar em todo o mundo. Com a possibilidade de se produzir os mesmos bens em qualquer parte do planeta, países com legislações trabalhistas mais robustas passaram a enfrentar um deslocamento das principais plantas industriais e até mesmo estruturas para a prestação de serviços, como call centers, para regiões onde a mão de obra é mais barata, não só pela liberalidade das leis, mas também pela baixa capacitação dos trabalhadores. As inovações tecnológicas e a substituição de mão de obra humana por máquinas também tiveram impacto nos locais de trabalho, reduzindo o número de pessoas necessário para desempenhar as tarefas. O resultado foi o desemprego, que vem assolando mesmo os países mais ricos.

 

Como no Brasil, o nível de sindicalização é maior nos setores industriais, sobretudo nas grandes empresas. Wilfried entende que esta situação se deve não só ao porte das plantas industriais e à concentração de trabalhadores, mas também a uma cultura de sindicalismo que estas organizações já têm desde o início de suas operações, ainda dentro de um modelo fordista.

 

Já em outros setores os sindicalizados são pouquíssimos e nada indica que a situação esteja em vias de ser revertida. Wilfried relata que, com o fortalecimento das pequenas empresas, que se multiplicaram rapidamente neste período, é difícil para os poucos sindicalistas que ainda atuam percorrer tantos locais de trabalho para tentar conscientizar os trabalhadores. E, mesmo que não houvesse esta falta de “pernas”, os sindicatos são muito burocráticos e os dirigentes há muito não têm o hábito do trabalho de base.

 

A crise

 

Na Alemanha, atualmente, a maioria dos trabalhadores não vê necessidade de se associar aos sindicatos, nem dá valor ao comitê de empresa. Embora as condições de trabalho e os salários sempre estejam abaixo do desejável, os empregados não vêem motivo para reivindicar mais. Mas há também uma razão mais grave: se os salários e benefícios aumentarem, há o risco das empresas migrarem para a Polônia, onde os custos de mão de obra são até 50% mais baixos que na Alemanha. A maioria não reivindica nem atua nos sindicatos ou nos comitês porque um salário baixo é melhor que nenhum salário.

 

Nas empresas alemãs, muitas são as formas de contratação, sendo que as que não implicam em vínculo empregatício estão ganhando destaque. Os contratos por tempo determinado, de experiência, os trabalhos em meio-expediente – com jornadas de poucas horas semanais e poucos dias trabalhados a cada semana – e a prestação de serviços como PJ têm substituído as contratações tradicionais. Tudo isto se deve à grande oferta de mão de obra, tornando cada empregado facilmente substituível por qualquer outro, o que fragiliza a situação do trabalhador. Sempre temendo por seus empregos, os alemães aceitam mesmo os abusos por parte do empregador.

 

Wilfried relata que os patrões perseguem os empregados que tentam se organizar. “Se alguém se filia ao sindicato ou tenta montar uma comissão de trabalhadores, é demitido. Muitas vezes é criada uma situação para justificar a dispensa”. Não é incomum o próprio patrão “plantar” uma prova para incriminar o empregado e, assim, fornecer os motivos para demiti-lo. Mas, como todos sabem que a razão verdadeira para a demissão foi a tentativa de organização trabalhista, o caso serve de exemplo para intimidar os outros trabalhadores.

 

Segundo o cientista político alemão, há também constantes modificações na legislação trabalhista, sempre no sentido da diminuição da regulamentação. Em apenas dois anos, o horário de funcionamento de lojas e supermercados aumentou em duas horas ou mais. Wilfried relata que há pouco mais de uma década, o horário do comércio era até as 18:30 nos dias de semana e até as 14h aos sábados, sem expediente aos domingos. Hoje, há lojas que ficam abertas 24 horas de segunda a sexta e funcionam quase o dia todo nos fins de semana. As leis nacionais costumam ser razoavelmente rígidas, mas a legislação estadual ou municipal pode se sobrepor a muitas regras. E isto acontece através de negociações locais, onde a intimidação do negociador dos trabalhadores acontece facilmente. Assim, o comércio é exemplo de um setor que está derrubando pouco a pouco as leis trabalhistas. “O caminho natural é chegarmos a um ponto em que não haverá mais nenhuma regulamentação”, avalia Wilfried.

 

Campanha ideológica

 

O esvaziamento dos sindicatos é resultado de uma campanha difamatória que já vem de longe. Desde a década de 80 a mídia alemã vem falando contra as estruturas sindicais. Depois de tantos anos ouvindo críticas cotidianas, os próprios trabalhadores adotaram a ideologia da classe dominante e passaram a ver com maus olhos o movimento sindical e a organização dos comitês de empresa. Estas estruturas são vistas como obsoletas, “coisa do século passado”, e os dirigentes são considerados pessoas que buscam tirar algum proveito de seus cargos. Um trabalhador que começa a se interessar pela luta sindical acaba sendo discriminado pelos próprios colegas.

 

Esta situação é provocada por uma forte influência norte-americana. A ideologia anti-sindicalismo da América do Norte já vem contaminando o mundo do trabalho alemão. Wilfried  informa que advogados estadunidenses especializados na área trabalhista – pelo lado do patrão – são contratados por empresas alemãs para prestarem consultoria a fim de tornar a organização blindada contra tentativas de organização de seus empregados. Fonte: Núcleo Piratininga de Comunicação