Artigos UGOPOCI

Escândalos prosseguem - 17/01/2008

por Lúcio Flávio Pinto *

de Belém

Os escândalos não acabam em pizza no Brasil: terminam mesmo é em samba. Considerando esse elemento do inconsciente coletivo, um editor de O Estado de S. Paulo colocou um anúncio da Rádio Eldorado no alto da primeira página do jornal para substituir uma matéria censurada pelo governo (que mantinha um censor de plantão na redação) sobre a renúncia de um dos ministros do governo Médici (Cirne Lima, da Agricultura), que deixava o cargo rompido com o sistema, em 1973: "agora é samba", dizia a peça, em letras garrafais. Ou seja: suspenda-se a seriedade, estamos no reinado de Momo, primeiro e único. Tudo é folia e gandaia. 

O país ainda é apenas samba quando se trata de escândalos públicos? É a impressão que fica no povo, autor de um ditado duro, triste e realista, sobre os três "pês": só vai para a cadeia pobre, preto e prostituta. O crime de colarinho branco continua impune. Os "mais iguais", porque são todos brancos, acabam por se entender. E tudo volta a ser como dantes no quartel de Abrantes.

Os escândalos, que se multiplicaram no executivo e no legislativo, agora estão pipocando na seara do judiciário e em torno dele. Por diferentes motivos, uns consistentes, outros usando o formalismo como argumento de defesa, não receberam ainda uma resposta adequada ou satisfatória. A opinião pública espera que, encerrado o recesso do final de ano, comecem as providências. Como em relação ao último desses episódios, com a divulgação de gravações telefônicas feitas pela Polícia Federal no Pará durante a operação Rêmora, em novembro de 2006, com duração total de seis minutos.

Não há prova conclusiva, por enquanto. É preciso submeter os indícios ao processo regular de apuração, que inclui o amplo direito de defesa dos acusados, mas a gravidade do tema requer urgência nas iniciativas. Ainda mais porque as gravações, depois de terem perdido o sigilo que tinham na justiça federal, tornando-se acessíveis aos que consultem os autos, foram divulgadas por vereadores da Câmara de Belém, prejudicados por decisões da principal autoridade apontada nessas gravações. O nome da juíza da 3ª Vara do fórum cível da capital, especializada na fazenda pública estadual, Rosileide da Cunha Filomeno, foi usado em tratativas visando a troca de sentença por suborno e favorecimento para ascensão ao desembargo no Tribunal de Justiça do Estado (TJE).

O que aumenta a importância do material é a presença, nas conversas telefônicas, do empresário João Batista Ferreira Bastos, mais conhecido por Chico Ferreira, que foi preso em novembro de 2006, junto com Marcelo Gabriel, filho do ex-governador Almir Gabriel. Ambos foram acusados e presos pela Polícia Federal como formadores de uma quadrilha, que superfaturou contratos públicos durante os oito anos da gestão de Almir e se manteve em atividade nos quatro anos seguintes de Simão Jatene.

Chico Ferreira também foi, logo em seguida, preso e condenado pela justiça paraense a 80 anos de prisão pelo assassinato dos irmãos Ubiraci e Uraquitan Novelino, aos quais devia cinco milhões de reais. Parte do dinheiro pode ter sido aplicada em campanhas eleitorais em 2006 e em outros negócios de Chico, em algum deles talvez até em parceria com Marcelo Gabriel. É uma completa impropriedade incluí-lo na trama que resultou no assassinato, mas não é impossível que, através de linhas pontilhadas e redes cruzadas, a teia o alcance. Não por assassinato, como é o caso do sócio, mas por andar em tal companhia.

Na gravação com implicações mais graves, uma voz identificada como sendo o marido ou parente da juíza garante para Chico Ferreira que o assunto do interesse dele "estará resolvido", bastando que se comprometa em "falar com o dr. Almir" (na época no governo) sobre a "vaga de cima", de desembargador, que estava em disputa. O interlocutor do empresário ainda lhe aconselha: "vá lá [presume-se que ao gabinete da desembargadora] na segunda-feira, junto com o Clóvis [irmão de Chico], tome um cafezinho com ela, consiga seu documento, ouça os pedidos dela e atenda; você não vai perder mesmo".

O empresário não foi, mas seu irmão compareceu ao gabinete. De lá, telefonou para informar que tudo "está sendo resolvido". Clóvis pediu então para Chico Ferreira procurar a juíza para tratar de um "assunto importante". Em outra conversa, o empresário e alguém que se identifica como Eulálio comemoram a decisão da juíza de conceder liminar ao Conselho Regional de Administração, cancelando uma licitação requerida pela entidade. Antes de desligar, os dois comentam que as coisas "começaram a melhorar".

Há outra conversa comprometedora de Paulo, o suposto marido ou parente da juíza liga para Chico Ferreira do gabinete de Rosileide Filomeno no Tribunal Regional Eleitoral, onde ela também atuava, para antecipar uma decisão favorável ao prefeito de Igarapé Açu, Vicente de Paula Pedrosa, do PMDB. Depois, volta ao tema: quer saber se "aquele esquema morreu, não tem mais nada". Clóvis responde prometendo que irá "falar com o homem", seu irmão. Paulo insiste para ele dar um toque e ver se "vai chover mais alguma coisa na horta".

O presidente da Câmara Municipal de Belém, vereador José Wilson Araújo, mais conhecido como Zeca Pirão, e a vereadora Marinor Brito, que participaram da difusão das gravações, requereram de imediato à Corregedoria do TJE e ao Conselho Nacional de Justiça o afastamento da juíza do cargo enquanto a denúncia estiver sendo investigada. Mas o próprio CNJ já havia instaurado procedimento administrativo e intimado a magistrada a apresentar sua defesa prévia. O Tribunal de Justiça do Estado deverá adotar providência semelhante agora, ao final do recesso de fim de ano. A juíza ainda não fez qualquer manifestação pública. Enquanto isso, o tempo decorre. Fonte: Sítio Correio do Brasil

* Lúcio Flávio Pinto é jornalista