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Suplência, política e impunidade - 19/01/2008

por Ruy Fabiano *  

 

A questão central não é a eventual integridade do suplente, mas algo que a precede: a suplência em si. A figura do suplente de senador, nos termos em que vigora no Brasil, é uma excrescência, que revoga princípio vital da democracia: o voto.

 

Não há democracia sem voto. Há até voto sem democracia – voto de cabresto, voto vendido, voto indireto etc., efeitos colaterais de um sistema imperfeito, que Churchill disse ser o pior, excetuado todos os demais. Ou seja, é ruim, mas é o que temos.

 

Suplente de senador é alguém que não recebeu nenhum voto, a não ser o do titular – e às vezes nem o dele, pois pode ser imposto por conveniências partidárias. No caso presente, o eleitorado maranhense, em sua maioria, escolheu Edison Lobão para senador, mas quantos sabiam que, na eventualidade de sua ausência, provisória ou definitiva, assumiria o filho? Capitanias hereditárias?

 

Ao tempo do bipartidarismo, vigorava o sistema das sublegendas, duas por partido, nas eleições majoritárias. Dentro do mesmo partido, podiam concorrer, no caso do Senado, até dois candidatos por cada uma das sublegendas.

 

O mais votado assumia e o segundo mais votado era o primeiro suplente. Isso permitiu que, em 1982, ao eleger-se governador de São Paulo, o senador Franco Montoro tivesse sua vaga ocupada por seu suplente Fernando Henrique Cardoso, o segundo mais votado nas eleições de 1978 para o Senado. Ambos eram do PMDB.

    

O eleitor paulista e peemedebista de então sentiu-se, com certeza, menos logrado que o eleitor de hoje do Maranhão, ao ver a vaga senatorial de seu estado preenchida por Lobão Filho. A questão não é a de se tratar de filho, neto ou sobrinho. Trata-se de faltar ao suplente o indispensável batismo das urnas.

 

Tudo o mais decorre disso. Se tivesse sido votado, Lobão Filho teria sua folha corrida debatida no curso da campanha, ocasião em que disporia de amplo espaço para defender-se. Na eventualidade de ser culpado, também estaria o eleitor preservado, pois sua candidatura acabaria impugnada pela justiça eleitoral.

    

Nada disso, porém, ocorreu. Ninguém, exceto Lobão pai e a cúpula maranhense do PFL (partido pelo qual se elegeu e do qual saiu há pouco mais de um mês), sabia da existência do suplente Lobão Filho. Não se candidatou, não expôs suas idéias, não disse ao que viria. Não se fez conhecer ao público.

    

Eis que, com a ida do pai para o Ministério de Minas e Energia, o filho, na melhor tradição das capitanias hereditárias, emerge do nada e transmuta-se em senador da República.

 

E não é só. Questionado por suas práticas comerciais, Lobão Filho pode ter sua posse circunstancialmente protelada ou mesmo cancelada. Nesse caso, assumiria o 2º suplente, por nome Remi Ribeiro, menos conhecido ainda que ele, mas com algo de incômodo em comum: complicações na folha corrida.

 

Remi Ribeiro foi indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público por peculato - apropriação indébita de recursos públicos. O inquérito, concluído em 2005, refere-se ao período entre 1989 e 1992, quando era tesoureiro da prefeitura de São Bento (MA), e registra fraudes em licitações, das quais teria sido beneficiário.

 

Ribeiro nega. Alega que "isso é coisa que corre há 20 anos”, denúncias “armadas pela oposição”. É possível, quem sabe? Em política, há isso mesmo. Nem Ruy Barbosa escapou. Foi acusado pela oposição de seu tempo de ter roubado as estantes de sua biblioteca doméstica, em que fizera gravar as iniciais “RB” de seu nome.

 

A oposição afirmava que as iniciais eram de “República do Brasil”, e as estantes teriam sido surrupiadas do Ministério da Fazenda, de que Ruy Barbosa fora titular no primeiro governo republicano. Piada de mau gosto, já que o nome oficial do país jamais foi aquele, mas mesmo assim causou sérios danos morais.

 

Mas se Remi Ribeiro tivesse recebido o batismo das urnas isso se tinha esclarecido em tempo hábil, evitando que o Senado e o eleitorado – e mesmo ele – se vissem em tamanho constrangimento: depender de um “nada consta” policial, o famoso atestado de bons antecedentes, para o preenchimento de uma vaga no Senado.

 

Há sete propostas em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado para tratar do tema, mudando as regras da suplência. Uma é de um suplente, o senador Sibá Machado (PT-AC), que substitui a senadora (e hoje ministra do Meio Ambiente) Marina Silva – aliás, uma das melhores figuras do governo Lula.

 

Essas propostas precisam ser votadas logo, se possível conjugadas a outra, de autoria do senador Pedro Simon (PMDB-RS), que exige a apresentação de bons antecedentes para o registro de candidaturas. Parece óbvio – e é -, mas não funciona assim.

 

Hoje, mesmo quem está sub judice pode se candidatar. O veto só se dá se a sentença tiver transitado em julgado – ou seja, se já não couber recurso judicial. Em tese, um criminoso, condenado até em mais de uma instância, pode abrigar-se num mandato – e adquirir imunidades -, enquanto aguarda o trâmite de seu recurso.

 

Como a Justiça no Brasil não é exatamente ágil e as leis processuais permitem protelações infinitas de decisão, o mandato parlamentar é, para muitos, garantia de perpétua impunidade. Basta dispor de um bom advogado para administrar o labirinto processual.

Há ainda os que financiam candidatos para se apossar, na seqüência, do mandato. O eleito se licencia e o financiador, na condição de suplente, assume a vaga para a qual não recebeu um único e escasso voto. A legislação da suplência permite isso. É um convite à negociata eleitoral. Fonte: Blog do Noblat

* Ruy Fabiano é jornalista