Causos, contos e prosas

O Cagão

O CAGÃO

Senhor Delegado.
 
Hoje, 28 de janeiro de 2001, às 18:30 h, esteve aqui, nesta Delegacia de Polícia, o senhor AGUINALDO ROSA TOLEDO, RG: 123456-SSPBA, brasileiro, filho de Dalva Rosa Toledo e de Moacir Cardoso da Silva, nascido no dia 02 de outubro de 1978, em Jitiuna-BA, COMUNICANDO-NOS que foi fazer cocô no mato. ‘Tava chegando em Goiânia, oriundo da velha Santana das Antas, hoje Anápolis, de bicicleta. Era uma boa MONARK, barra dupla, dotada de câmbio de 18 marchas, campainha de bronze e coisa e tal. Estava já quase chegando no trevo, quando lhe veio uma dor de barriga do capeta. Também, pudera! Nos primeiros tramos daquela tão longa jornada havia comido um não-sei-o-quê, de que muito desconfiou que lhe pudesse desarranjar os intestinos. Desarranjou. E por toda aquela estrada, debaixo de tanto sol, pedalando, pedalando e exercitando assim todos os músculos do corpo... o ciclo digestivo só haveria mesmo de se adiantar.
                                                        Adiantou.
Parou.
                                                        Desceu.
                                                        Olhou para o norte e para o sul, para o leste e para o oeste e não viu ninguém. Só mato cerrado. Enfiou-se assim no meio da saroba, encostou a companheira magrela no tronco de um pequizeiro – que por ali é mato – e deu mais alguns passos, em busca da moita que mais se adequasse a seus recônditos anseios. Achou. Desceu os panos. E entregue assim a uma de nossas mais naturais e apaziguantes atividades fisiológicas deu – ipsis litteris – inteira vazão a seus apelos intestinais. E assim, enquanto procedia àqueles desencargos, coberto pelo abrigo de bucólica paz, pôs-se a contemplar uma folhinha aqui... uma formiguinha ali... um tiziu gritando saltitante num galhinho ‘acolá quando... êpa! Quê-qué isso, uái...?!
 
Senhor Delegado.
         É que, dos rumos do pequizeiro em que, em repouso havia deixado sua bicicleta, um muito estranho ruído, nada parecido, sequer com o deslizar de uma lépida lagartixa por sobre as folhas secas, nem ao assustador matraquear dos guizos de uma cascavel, tirou-o de suas pastorais contemplações. Abaixou a cabeça, gingou-a de lá pra cá, enfiando assim a luz de seus olhos por entre os galhos e folhas e... e viu. E o que viu, senhor Delegado, provocou-lhe tamanho susto que, com uma violência viking, contraíram-se-lhe todos os músculos. Mormente aqueles que, de costume, deixamos que se relaxem, para que tenham livre curso, pelos canais competentes, aquilo de que não necessita mais o nosso organismo. A partir de então, viu-se embargada e inacabada, a obra do pobre Aguinaldo. Que mesmo assim, com as calças pelos meios das canelas, arrastou-se com extrema dificuldade por entre os espinhos de lobeira e moitas de gravatá, no encalço de sua MONARK barra dupla que, nos braços de outro... se evadia.
 
         Quando apareceu a céu aberto, às margens da rodovia, pôde ainda ver os dois, já a uma boa distância. Retesaram-se-lhe ainda mais todos os músculos. Agora os da garganta, para mandar por todos os rincões do planeta, um desesperado apelo, assim expressado neste brado forte e retumbante:
 
- Péguladrão!Péguladrão!Péguladrão! 
 
          Coitado...
         Senhor Delegado. O cerrado era mesmo todo-ouvidos. De tatu, de cutia, de seriema, de sapo, de juriti, de codornas e perdizes. De cobras e lagartos! Todavia... nenhum deles se apresentou para pegar o seu ladrão.
 
         Mas num átimo de segundo passou pela sua mente a consideração de que aquele ladrão, quiçá não fosse, afinal, no sentido intrínseco da palavra, um ladrão. Sim! Haveria de convir, quem quer que com ele se pusesse a refletir, que qualquer um, por ali passando, e visse no meio do cerrado uma bicicleta sozinha, ao deus-dará, com cara de bem abandonada, chegaria à conclusão de que estivesse mesmo jogada fora... – É isso mesmo! Até eu pegaria ela pra mim, uai...
        
         Foi o que pensou o Aguinaldo. E assim apresentou-se àquele moço, reformulando em termos tais e quais o seu primeiro discurso:
 
-         Ei! ‘Per’aí! Essa biciclet’é minha, cara!!
 
Senhor Delegado.
O cara deu uma freada de cantar pneus. Botou o bico da botina no chão, a modo de descanso dele mesmo e da bicicleta. Olhou para trás, desenhou nos lábios um largo sorriso e mandou:
 
         - Vai cagá’!
 
E sem mais, sumiu. 
 
Coitado... O que mais poderia fazer o pobre Aguinaldo, senão dar cumprimento àquele sumário despacho...?
 
         Deu.
         Depois, só e vazio, pegou suas pernas e aqui veio, a esse mui cioso escrivão de seu cargo, contar sua triste sina. Tadim...
 
PRONTO – 22.03.06
 
 
FRANCISCO DE OLIVEIRA SANTOS – Chiquim...
O Escrivão
 
 
 
REGINALDO T. DOS SANTOS
O Cagão
 

Autor: Francisco de Oliveira Santos - Chiquim...

Fonte: www.ugopoci.com.br

Data da publicação: 09.04.07